Não queria ouvir o som das bombas, sejam elas de átomo ou de nêutron, muito menos o horror dos gritos humanos ao seu redor. Não quero ouvir tiros de armas de fogo, das armas brancas em entranhas negras, ou mesmo de festim. Não queria ouvir as guerras, o enterro nas terras dos inocentes que nasceram somente para... morrer.
Não queria ouvir o barulho das
árvores ceder às serras frias, cortantes nas veias daquelas cujo sangue verde
nos alimenta, nos cede tetos desde o dia que não éramos nem mesmo humanos. Não
queria ouvir animais correr no fogo: do pássaro sem ter onde pousar, do leão
sem onde reinar, da abelha, sem o mel, zoar.
Não queria ouvir a criança chorar
sem a mãe, ou mesmo pai ao lado, sem dar-lhe leite, o amor, a fé, a razão, a
paz que lhe apraz. Não quero ouvi-la morrer em braços sem força, sem almas, sem
vontade, na beira do abismo incerto.
Quero ouvir o sorriso certeiro
humano, nos trabalhos da terra; ouvir o som de suas gargalhadas a colher o
alimento nato, e antes que o sol se vai, ouvir o suor de suas veias, caindo na
terra agradecida pelo amor a ela. Quero ouvir o sol nascer e morrer nas
montanhas, saber o que lhe passa nas entranhas, ouvir suas histórias, façanhas!
Quero ouvir o tilintar do coração
humano, ao nascer de uma poesia; da lágrima corrente, seguida da face
sorridente, de tão poderosa palavra se lia. Quero ouvir o som das nuvens
reunindo-se em torno da montanha, da chuva, dos raios, dos trovões, do correr
das formigas para sua pequena e inteligíveis tocas.
Quero ouvir o som do azul quando
a chuva passar; da manhã que se esconde por trás da noite, quando esta se vai.
Quero ouvir as miríades dos raios quando o arco-íris brotar! O nascer de suas
cores, do sabor de cada uma! Quero dançar no sol, ouvir meus pés na terra; e na
dança, ouvir a música divina do Amor, que multiplica a alma humana em duas, em três,
em tudo.
Quero ouvir o som do amor nas
teclas de cada ser que compõe a vida, sem o qual não há som, não há nada. Quero
ouvir o som de Deus sorrindo, do gargalhar da floresta, do sorriso da vitória,
das preces na noite. Quero ouvir o elo entre o humano e o divino, entre a vida
e a morte, entre a paz e a vontade.
Quero ouvir o som do indizível, do
inaudível, do despertar do nada, do tudo, dos mistérios que se foram, dos que
se formam, dos sábios que dormem e que acordam sempre quando são chamados ao
Mundo.
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