quinta-feira, 27 de dezembro de 2018

Morfo-Semântica

"Não nos acostumamos a nem mesmo àquele bicho papão que fica debaixo de nossas camas! E queremos nos acostumar com a morte?..", dizia um grande homem de quem ouvi essa frase quando minhas aulas de filosofia estavam no ápice de minha vida. Desde aquele dia, penso severamente no significado dela, tentando compreender profundamente o que queria o mestre dizer. 

A força das palavras, talvez, fosse o princípio de tudo, mesmo porque já tinha ouvido coisas maiores, melhores, mas, enfim, era uma aula na qual estávamos atenciosos e presos àquela figura lendária, que circulava como poucos naquele metro quadrado com o qual aprendera lidar desde que tomou a grande pílula que mudaria não somente a sua vida, mas também às nossas.

E quando dizia aquelas coisas, sabia que cada um as levaria para o seu leito e refletiria acerca de tudo que era dado naqueles dias tão brilhantes. Não era apenas uma aula, mas a tentativa de nos direcionar a algo maior, mais forte, eterno, e ao pronunciar-se em minha direção, pensava que era comigo, mas não, era a sua forma de lidar com o foco, o qual era distribuído a todos. Ele não jogava, não pedia, não se cansava...

Ante a essa montanha de experiências, nos entregamos, levamos para casa cada palavra, praticamos, dentro de nossos próprios trejeitos. Tínhamos um pouco de medo em mudar nossas vidas, regadas a conforto, a programas de tevê, a filmes que nunca acabavam, a festas familiares, ao medo que adorávamos, pois nos restringia a dar passos ao ponto de, na maioria das vezes, nos fazer bater no peito de dizer que não tínhamos nada a ver com o próximo...

O medo nos guia até agora, só que de maneira mais leve e estratégica. Não nos faz recuar, nem mesmo correr de nossos mundos, pessoas, espaços, infinito... Enfim, o medo, essa energia que se inicia no homem, hoje, me serve como aliada ao que posso e não posso, ao que devo e ao que não devo fazer. "Lembrem-se da criança que não quer andar nos brinquedos mais perigosos do parque, mas, mesmo assim, vai", dizia.

A vida, para mim, deixou de ser um peso, e acredito que para outros também, pois nos revela mais enigmática, misteriosa, cheia de dramas e aventuras, nas quais nós somos protagonistas e levamos todas as responsabilidades possíveis, sem as quais não se anda, progride... não evolui. "O certo é  um passo de cada vez; assim como erros pequenos são vistos e consertados, assim como cada passo é levado em meio a um caminho simples, podemos voltar, alinhar...".

Nos mostrou o Ideal, esse lado mais do que profundo da alma universal sobre o qual tínhamos aulas intensas a dizer que nunca deveríamos confundir Ideal com idealismos, pois este último se encaixaria em projetos, e aquele, em elevação interna, em espírito, em dedicação natural ao que somos. "Ele, o Ideal, se mostra no fundo de uma caneca de café...", dizia.

É claro que perdemos com o tempo tudo aquilo que um dia nossas pretensões internas pensava em obter, porque, se não a treinarmos, "assim como num treinamento de apenas um braço, somente um dele pode ficar forte, o outro não"... Se não treinarmos nossa matéria unida ao espirito, é acreditar que ser espiritual é matar o físico, sentir dor, morrer morfologicamente... 

Até mesmo o mais sábio dos sábios, em seu conhecimento, nos ensina que tudo deve ser feito paulatinamente, pois nascemos e crescemos com nossas emoções, intuições, e nosso corpo, e não há como deixá-los de uma vez, mesmo porque a vida já o faz para nós. Nos esvaímos, assim como areia ao vento, e nos transformamos em ouro com o tempo. É algo que nos passava, mas não com palavras... "A morte vem da vida e a vida vem da morte", repetia-nos sempre a máxima platônica, a qual nos mostrava o legado humano.

Depois de muito tempo sem vê-lo, hoje percebo que mais que frágeis ficamos, ficamos esquecidos. E levo para a alma esse ensinamento, que borra nossas vidas, e nos faz recuar. Penso em erguer-me com a imagem daquele que perambula em meus sonhos a decifrar aqueles "bichos papões", que se engajam em nos acordar na noite tranquila como pombos em calha, como bem-te-vis famintos no quintal, como urubus sem rumo, como copos que se quebram do nada, como olhos que tremem, significando o fim de algo...

O que aprendi daquele grande ser, que se alimenta de guerra, é que nada se vai, tudo se inicia, e somos eternos ainda que nos faltem provas, pois estas podem vir em forma de fogo, de palavras, de amor, de vida, de calor humano. E mais, aprendi e vou reacender assim como luzes antigas, porém, belas, minha forma de viver em função de algo maior, quem sabe do Ideal.







*ao mestre Luiz.


quarta-feira, 26 de dezembro de 2018

Mudar a Si Mesmo

Entra ano, sai ano, e sempre nos vem à mente a esperança de um ano melhor. Nele depositamos tudo, até mesmo nossos melhores projetos -- carros, casas, apartamentos, educação particular, conforto... -- dos quais somente alguns se realizam, pois não conseguimos nem mesmo iniciar nossa primeira intenção, a qual, a depender da pessoa, vem a ser um depósito simples de uma certa quantia, um investimento qualquer, de modo que tenhamos a sóbria certeza de quem vai nos fazer estáveis financeiramente no ano que surge... Pode ser.

As intenções são como maestras em nossos ouvidos, pleitando um passo, seja ele qual for, em direção ao que sonha ou se passa a sonhar. Não é fácil. Entretanto cabe aqui muitos questionamentos em prol de algo que muitos não o fazem. É em relação a nós mesmos. Um pensamento que paira entre o possível e o impossível: por que temos sempre sonhos em obter e não em ser

Pode ser fácil de responder, para alguns, para outros, uma falta de respeito, pois não se questiona a respeito disso, nem mesmo na presença divina; para os grandes cientistas, uma forma de retirar o foco do trabalho em nome da Ciência que não cessa; ao grande político, uma ofensa; ao ancião, que bate no peito todos os anos a dizer "não mudo, pois sou assim mesmo", é uma perda de tempo...

Enfim, não nos questionamos, e se o fazemos, fazemos com aquela intenção bela e hipócrita em nome do respeito que se quer do próximo, o qual, de alguma forma, tem um ar de superioridade, tão humilde quanto um ditador. E quando o prometemos, queremos sê-lo, tanto quanto.

Mas há aqueles que buscam, ainda que com subterfúgios frágeis, uma tentativa, ainda que fria e simples, divagar em torno de tal questionamento, e se arrisca, com pequenos atos, com pequenas investidas, com uma pitada de fé, assim como um cientista que dá seu primeiro passo em torno de algo pequeno, mas sério. Há sim aquele que levanta, põe os pés no chão, com pretensões ardentes, elevadas, olhando para o sol, para o seu significado; para a profundidade das camuflagens verdes responsáveis pelas vestimentas que escondem o porquê das cores. E assim como um religioso, vai ao encontro de Deus, sorrindo, apesar dos pesares -- os quais sempre existem, persistem, mas nos trabalham inquietamente a alma, sem que percebamos.

Para muitos, uma empreitada; para outros, uma aventura. Pois conhecer a si mesmo, assim como no passado, não é apenas uma máxima, é uma realidade que se interpõe entre o que fazemos e ao que somos. Pois nos trabalha internamente a partir do momento em que acreditamos ser possível, do minuto em que perpassamos as trilhas iniciáticas que os deuses nos deu com finalidades sagradas, com caminhos até mesmo profanos, até o ponto que nos fazer ver os raios que iluminam a entrada de nossas almas.

Não é o fim do mundo, mas o início de outro. Não é a extinção do ser, mas o domar de uma personalidade. Não é o inicio apenas de uma dor, mas de uma dor maravilhosa, que nos traz a glória, a temperança, a esperança em outros tons, agora bem claros, reais, sem mentiras. Por isso, belo por si mesmo. Não é um filme, e sim uma história que se faz dentro de si a partir do instante que dizemos "quero mudar a mim mesmo"! 

Assim, como diria a Bíblia Cristã, "o resto vem por acréscimo".


Que assim seja!

sexta-feira, 21 de dezembro de 2018

Caçadores de Sonhos

Verão chegando depois de uma primavera chuvosa, que nos adentrou em ensinamentos próprios da grande e bela estação. Apesar das frestas por onde caíram as águas chuvosas, raiventas, dos alagamentos em cidades, em vilarejos, em casas, na minha casa... Fomos purificados pelo arrastar de uma energia que respingava em nosso corpo quando saíamos para a rua, pois nos pegava de surpresa -- ou não, o que nos fazia mais precavidos, e por que não dizer menos medrosos, enquanto nossas calças e sapatos eram molhados lindamente nas poças que se acumulavam nas ruas...

Perguntávamos "quando você vai parar, ó bela chuva"?, e nos tolhíamos a viver adentro de nossas casas, a nos questionar o porquê daquelas águas, daquele frio, daquelas dores que se reuniam na alma, quando os pingos batiam no amianto... Quando a profundidade de nossa fé se revelava rasa. E descobrimos que não éramos heróis, mas seres comuns, que resmungavam desde o início, pois não era a chuva a real vilã dos homens que amavam o sol, mas nós mesmos, filhos de uma natureza que não se conforma com a Maior, que ordena, que anda, que vibra, que perpassa todos os valores humanos e cria o seus.

O problema é que não sabemos refletir nas horas em que somos compilados a fazê-lo. Sentar-se, orar em prol dos homens, de nossos atos em relação a eles, de uma vida que ainda precisa de muito para se conectar ao grande Mar, e este ao grande Oceano Vital, do qual se nascem seres de todos os mundos e com eles estamos no grande Infinito.

Não é preciso, no entanto, se afastar em pensamentos, como que fôssemos meninos em busca de um brinquedo em sonhos ou em uma aventura que não o deixa acordar. Não. Como diria Nietzsche, buscar o que não buscamos, entrar em nossos pensamentos em nome de nós mesmos, não de criaturas inventadas com fins de nos dar medo; somos a criaturas, somos o criador, somos a fera e possuímos uma alma bela, a qual subjaz ao nosso mais íntimo ego pessoal, sobre o qual falamos e inventamos modas o tempo todo... 

Este, contaminado, friamente se vê o quanto está errado e caminha em função de algo mais forte, mais sério e preponderante, assim, do nada, como mistérios se fazem nas obras do sagrado. A alma agradece, pois, por possuir uma natureza simples, e por isso pura e sem lisuras, imaculada e bela, se regojiza ao céu do espírito, ou em sua primeira visão, assim como um cego que há anos não vê o mundo, e quando o faz, seu primeiro momento é em frente a um belo pôr do sol.

Nada melhor do que buscar a vida na vida, pois como um dia disse um grande professor, "buscar goiabas em pés de goiabas, mangas em pés de manga", o que, para nós nos parece óbvio, para ele, metaforicamente e ao mesmo tempo transparente, uma contradição humana, que se debruça em busca de uma felicidade imaginada, relativa, pois se fosse esta menos interesseira, não buscaríamos em lugares errados, medonhos, assombrosos... Ela, a felicidade, se resguarda no simples, no agora e no amanhã.

Hoje, no Verão, agora um sol maravilhoso, que prepondera atrás das montanhas, das serras, em aparições tão gigantes, que nos tornamos mais insignificantes. Sua beleza, que gira em torno de uma filosofia sem palavras, nos faz colidir com o simbólico, com o mistério que se esconde em seus raios. Isso, como diria Platão, é só uma pequena ilustração do que é o Bem, pois nos chama a atenção para o que somos e podemos ser, para o que buscamos frivolamente ou mesmo de forma ardente, como caçadores de sonhos. E somos.

Nesse espírito ainda que simbólico, nesse fogo físico que nos parece eterno, nesse desaparecer de quietude, partimos para a parte prática, idealizando o que em nós havia adormecido, descansado, em meio às reflexões de outrora. Subimos montanhas, corremos em quarteirões, soltamos fogos, sorrimos, choramos e cantamos ao sol, tal qual nativos que nasceram perto de vulcões.

Desses dois elementos -- chuva e sol ---, que em nós se vivificam, retiramos o que nos é inerente. Desses seres que se adentram em nossos mundos pelas estações, podemos retirar mais que chuvas em nossas cabeças, que sóis em nossos corpos físicos. Podemos e temos que entender o porquê se repetem tanto e porque retiramos tão pouco deles quando aparecem.



FELIZ NATAL!!


terça-feira, 18 de dezembro de 2018

Pugilista Miserável

Há milênios percebe-se exemplos de líderes que nos enganam, que nos desestruturam e que buscam, antes de nos destruir, nossas fragilidades. A maioria das vezes acontece no meio religioso e político no qual seres humanos, revestidos de uma suposta sabedoria específica a mais que os demais, nos desmontam como castelos de areia em meio a um mundo em que, todos os dias, nos faz desacreditados, infelizes, depressivos e até suicidas.

Tudo começa quando estamos doentes da alma, quando precisamos de um bom abraço, ou uma pequena palavra que nos eleve a autoestima, a nos deixar um pouco férteis de esperança por alguns dias. Nada mais. Ao saber dessa fragilidade, desse lado humano profundo, do qual poucos saem, lá vem o político, o religioso, o mal idealista (o real terrorista), o mal em pessoa destronar qualquer possibilidade de refletir sobre algo que se guarda em nossos corações, como a própria vontade.

O medo, a dor, a falta de céu, o sentimento de manipulação, a batalha sem referenciais, a aventura desmedida, se transformam em relevos que se alojam em nossas almas, em seu mais profundo sensor, do qual até mesmo o maior mergulhador teria dificuldade em sair. Isso me lembra Vitor Hugo, que um dia em "Os Miseráveis", uma de suas principais obras, a se referir às reflexões de um de seus personagens principais 'Jean', quando imerso em sua culpabilidade, descreve sua semântica, ao dizer que "nada mais profundo que a alma humana", e tinha razão.

Quando nos dissipamos para o lado interno, do qual não sabemos emergir, pois nossa capacidade educacional nos falta em meio a um mundo materialista que se importa mais em informar do que formar, nos dando apenas razoáveis possibilidades de lutar em prol a bens externos, nos quais em cima morremos, e quando não, em nossas covas com dizeres hipócritas a respeito do que fomos ou poderíamos ser.

Nunca nos ensinaram a lidar com nossos valores internos, ou mesmo com nossa vontade -- pelo menos no meio "freudiano", quando se percebia que nada mais era que um mergulho em nossa sexualidade, a qual, ainda que seja bom e natural, começou a se inclinar para o lado maior do mundo, e assim tomar nossas vidas, de nosso mundo. Dessa forma, qualquer questionamento voltado à vida, a resposta, graças aos iniciados em apologias nefastas, se inclina para o lado sexual, no pior sentido.

Não podemos, no entanto, culpar apenas os homens dessa grande caverna, na qual se fazem e refazem com nossa ignorância. Não. Trazemos a possibilidade de refletir em nosso meio a respeito deles, de seus atos, quando nos tomam em nossas principais dores, na nossa coluna mais frágil. Temos que desconfiar, ainda que seja o próprio Papa, nosso pai, tio, enfim, pois são todos humanos, e isso quer dizer que suas pretensões, ainda que sejam aparentemente belíssimas, nos fazer repensar por meio de seus atos, os quais, geralmente, não são perfeitos. A evolução não é de hoje para amanhã.

Retiremos, assim, um aprendizado clássico, desses que jamais nos esquecemos. Se uma pessoa é materialista, ela vai nos conduzir pelos caminhos materiais mais profundos, a nos remeter a um fosso enganoso, sempre com palavras belas, suntuosas, de modo a conseguir seus objetivos, sexuais ou não, materiais ou não, espirituais ou não. Essa talvez seja a maior manipulação humana, pois mexe com nossos desejos de mudança, de uma rebeldia interna, na qual paira a vontade de um mundo melhor, de uma casa melhor, de um filho melhor...

O líder espiritual, se é que existem, é uma estrela imóvel, pois não pede, não cura, não traduz nossos sentimentos rasos, não se inclina a nos ajudar em nossas doenças, sejam elas quais forem. O líder espiritual nos faz ser mais humanos, evoluídos, dentro de "tarefas" um pouco árduas nas quais nos renegaríamos em realizar por sermos preguiçosos e ignóbeis. Ele sabe que o espírito é um só, que seu comando é uma referência aos demais e por isso, nas mínimas questões, sabe que nada sabe.

Já o guru manipulador vai de encontro a real natureza, ainda que sejamos egoístas em pensar no que seja isso. Ele vai querer quebrar regras, vai dissimular comportamentos, falas, e descordar com todos que sejam contra ele. E você, que quer seus objetivos, vai concordar com ele até a última palavra, pois um dia, lá no topo, ele foi um homem real ao ser ver, e a de todos.

Esse guru do fim dos tempos, a querer ou não, vai ser destituído pela mesma criança que um dia viu o rei nu, enquanto todos o viam com um "roupa da cor da pele", e vai quebrar o feitiço, nos retirar a venda da alma, nos envergonhará pessoalmente de nossos atos, e nos fará morrer um pouco em nosso humilde espaço.

A única saída contra possíveis "líderes", talvez, como dia Marcus Aurelius, imperador romano e filósofo, seja levantar os braços, assim como um eterno pugilista, a espera do próximo adversário. Dele podemos levar alguns socos, mas sabemos nos proteger de outros golpes mais sérios e profundos.




sexta-feira, 14 de dezembro de 2018

O Quarto de Platão

Um filme muito interessante me passou pela cabeça nesse instante para ilustrar minhas ideias hoje, nesse blog, a respeito das ilusões porque passamos. O Quarto de Jack, de Emma Donoghue, o qual não fora baseado em qualquer realidade, chama a atenção para uma (real) realidade a que sempre nos referimos aqui, em termos simbólicos, para ilustrar nossa ideia quanto ao que vivemos em termos ideológicos. 

O longa fala de uma mãe que é obrigada a viver em cativeiro sob os cuidados de um homem que sempre vai visitá-la quando pode. Esta mulher tem um filho de oito anos e o educa dentro desse quarto -- por isso o nome Quarto de Jack. Sob o ponto de vista da mãe, a criança cresce, física e emocionalmente, além de receber outra forma de educação, a didática, mas sempre, repito, dentro do que a mãe lhe propõe.

Ali, a verdade sobre a qual é obrigada a aprender, sabe-se, é bem limitada, pois não se consegue ver o céu, as nuvens, apenas pelos poucos momentos que sua genitora o faz ver, por meio de uma brecha no fim do teto, um pouco do azul ou mesmo uma ou duas estrelas sugestivas, o que o faz nem mesmo questionar, apenas a ouvir, mesmo porque o nível de confiança à sua mestra é pétreo.

Em um outro lado do filme, quando sua mãe planeja sair daquele pequeno recinto, que não media mais que quinze metros quadrados, mas que servira de universo ao menino, que já o via como a única estrutura, a tensão tomara conta: era a vez dela desfazer todas as formas mentais que ele havia criado durante os oito anos na qual estivera preso -- sem saber. A reação da criança não poderia ser outra... Assim como uma pessoa que é ludibriada há anos, fica com ódio da mãe e não consegue entender o porquê que fizera aquilo e não lhe dissera a verdade desde o início. Seus modos, comportamentos, falas, atitudes, frente a essa nova realidade, o faz confuso e, mais, o faz sentir traído pela mulher que ama tanto.

Vamos estacionar aqui.
O que aconteceria se algum dia nos dissesse que estamos em um grande quarto, preso por amos que se julgam donos de nossas mentes? que tudo que aprendemos nada mais são que histórias montadas com o intuito de nos prender mais e mais nesse grande recinto? Com certeza, sorriríamos e diríamos que a pessoa que nos aparece para dizer isso é, no mínimo, louca e pediríamos, dentro de nosso raciocínio, provas e tentaríamos buscar naquelas palavras alguma verdade, caso contrário mataríamos o mensageiro...

O Quarto de Jack é um filme e o nosso não. Podemos, sem ofender as religiões, questionar a respeito de nosso quarto, mas àqueles que tenham um ponto de vista tangível sobre ele, nos quais não apenas  sobre se há ou não ilusões no recinto, mas sobre o que há lá fora e dentro de nós. Se questionarmos apenas pessoas que sabem sobre aquele metro quadrado, no qual tanto vivemos desde a infância, vamos receber respostas somente no aspecto físico da questão, ou não, pois há seres que nasceram dentro desse quarto (todos nós), e nele se aprofundaram, de modo que tiveram respostas nesse quesito, simplesmente pelo fato de que o Grande Mestre do Quarto faz as respostas serem reais, eternas e divinas....

Nada mais natural, mesmo porque todos, sem exceção, estão simbolicamente presos, quase que algemados, em termos de conhecimento, pois não se consegue ver nada além das paredes, das sombras, dos prêmios, histórias, até mesmo dos valores reinventados com vistas a dar ao questionador algo para adormecer...

Por isso, há aquele que um dia não apenas viveu, mas também de alguma forma tentou nos passar por meios quase misteriosos a realidade porque passaram. Por que misteriosamente? -- simplesmente pelo fato de que há mais teóricos que desvirtuam mensagens do que mestres que possuem a espiritualidade lastreada do passado. Digo espiritualidade, no entanto, pode-se perceber que até mesmo o pouco do caule educacional que se impõe com a pretensão de mudar um pouco o eixo de algumas formas de vida, já é o bastante para que percebamos o quanto temos que mudar as pessoas... E isso é ruim para aquele que aparece de vez em quando no Recinto.

Aqueles que perceberam essa realidade, em algum ponto do quarto, sentiram a necessidade de outras respostas e encontraram um meio de sair dele, viram o sol, respiraram a brisa do Bem, e notaram que somos duais em tudo que tocamos, falamos, percebemos, opinamos, enfim, que nada deve ser possuído de uma sacralidade senão houver uma ligação com a real Natureza, caso contrário estamos nos prendendo de forma voluntária, como por exemplo, criando fatores educacionais estanques, deuses com vistas a modelar o homem, políticas sem o intuito de seguir com a verdade, e nisso tudo com gerações presas a um céu inventado -- aquele seria o Mestre.

Sabemos que não um trabalho suave, longe disso. A percepção vem de si mesmo. Aquele mestre que burla a alma quando tudo nos soa como repetitivo, quando as formas mentais se aprofundam em nós, e percebemos que, por alguns instantes,  a vida é mais que um fator modístico, ou seja, que invenções nada mais são que uma necessidade de nos fazermos presos ao inconsciente, então, eles não venceram. Nós vencemos.



terça-feira, 11 de dezembro de 2018

Sonhos que não vão embora

De vez em quando me passa pela cabeça aquela imagem do menino que tomara banho em uma pequena bacia de plástico, protegido pela presença da mãe, que o amava tanto que achava que o dia não terminava nunca. O mesmo pensamento passara pela mente do menino, que batia as mãos na água, a derramar o líquido que não era tão precioso à época, e podíamos jogá-los ao chão imaginando figuras douradas com o reflexo.

Eu tinha uns sete anos. Com espírito flamejante, sorridente, só saía da bacia quando queria, e naquele dia, de tanto ficar, esqueci da aula, dos meus estudos, e acredito que minha protetora também. Isso me fez ir para a escola sozinho, atrasado, mas graças à minha popularidade, não me perceberam chegar e me enclausurar no meio de minha turma... E acho que a professora também não.

O tempo se passou, aquela criança se foi, minha mãe também. Os dois ainda burlam minha alma como uma brisa rastejante e fina, que me embriaga de solidão e paz, na medida que em passam em meus olhos internos. E por isso, lacrimejo nas vezes em que me lembro desse sonho que me passou.

Outros sonhos reais também se foram, como o assobio de minha mãe, o qual me confortava nas horas de desespero, nas quais minha vida, tão pobre e soleira, resumia-se em nada, apenas em ver tevê e assistir a pessoas felizes a correr em meio ao mundo como em um filme em preto e branco. Claro que nem tudo eu assistia. Muito pelo contrário. Participava, corria, buscava e tentava entender porque o dia terminava de tão bom que me soava aos olhos.

Uma dessas vezes era quando eu soltava pipa (ou papagaio) no meio de algumas casas de tábua, pois ainda não sabiam o que era tijolo, alvenaria, sei lá, além dos matagais que davam acesso ao chamado "morrinho", coisa que só 'rico' sabia. Como eu era bom nisso! eu tinha uma parceria, um sócio de codinome "Baú" (apelidado assim por ser feliz demais, e o Silvio Santos, apresentador, tinha o Baú da Felicidade!). Esse meu amigo, ainda o é, e a seus irmãos saíamos em busca de bambus, cortávamos a mão de tanto afinar varetas, e desenhávamos tantas pipas em nosso inconsciente, que cansamos... Mas antes de nos cansarmos, no enriquecíamos de tanto rir pelas brigas no ar, e na terra, em busca de pipas novas.

Sonho era ver um pai que, mesmo dependente de bebidas, se apresentava como um outro protetor, deixando o vício de lado para fazer carrinhos de rolimãs, dentro dos quais me colocava e pedia aos meus irmãos para me empurrarem. Coisa de louco! As ruas eram só descida, e quando não, me puxavam feito funcionários de empresa de seguros e me pediam para ficar no carro acontecesse qualquer coisa que fosse.

Queria contar um outro sonho porque passei. Isso inclui minha mãe novamente. Não me esqueço de sua canções e de seu perfume, de sua força natural e presença, combinadas a potência de seu sorriso, do teu amor que impregnava nossa casa. Poderia ser a pobreza que fosse, mas a sua presença nos enriquecia e nos alimentava mais que aos nossos corpos, simplesmente porque, quando íamos dormir, aquela canção nos adormecia somente pelo fato de existir nos lábios de uma mater a paz que já nos sossobrava o coração.

Hoje busco mais sonhos em meu filho, em minha esposa, que detêm a fé em mim, pois devo também ser  o sonho deles ou dar-lhes mais sonhos por meio da liberdade e da educação que a vida pede para dar-lhes. E tenho a certeza de que estamos no caminho certo.

sexta-feira, 7 de dezembro de 2018

E o Prêmio vai para...

Desde que o homem é homem, ele cria prêmios, honrarias, todos em forma de medalhas, troféus, louros, enfim, sempre com o objetivo de presentear alguém que tenha se destacado em algo, em alguma coisa que, na maioria das vezes, outros não o são. Nos jogos Olímpicos, nos campeonatos, nas modalidades que se criam, que renascem, em tudo. Em órgãos federais, públicos, em instituições particulares, públicas, de modo que não cessam ano a ano, sempre com esse intuito: destacar.

Mas nem sempre podemos cair nessa armadilha da premiação. Quando o mundo está sendo questionado por mentes que há muito estavam adormecidas, percebe-se que, em meio a elas, existe um sentimento que entrou por debaixo das cortinas dessa pré-revolta: um sentimento de presentear pessoas que não sabem lidar com o seu vaidosismo, com a sua temperança, ao passo, naquele instante, porém, trazia à luz da sociedade um outro, o da rebeldia, do pensamento único de sair em direção a outro caminho. 

Freados, homens se voltam ao luxo da premiação, que, na realidade, nada mais é que uma forma de detê-lo ao que ele poderia pensar e agir, a favor ou contra aquilo que lhe é inerente como ser humano, seja lá o que for. Assim, com sua vontade presa a valores inventados, calar-se-á, e se unirá à multidão que se julga livre. Uma liberdade arbitrária dentro da qual somente poderá falar e fazer aquilo que convém ao seu caráter manipulado.

Um dia um filósofo grego, iniciado, sábio, ao perceber que seu mestre estava a descortinar uma sociedade que já, há quientos anos antes de Cristo, se sobressaia pela vilania de um sistema que acreditavam ser o melhor, ou pelo menos aqueles que nele mandavam acreditavam nisso, falou um pouco em sua metafórica república sobre a premiação humana: "criam prêmios com o fim de mudar o homem de direção".

A direção, por assim dizer, está bem clara. Não é a nossa. Tomamos rumos gêmeos, não diferentes do que queremos tomar. Nos filiamos ao homens que amam condecorações, estrelas, premiações, troféus, e quando enchemos nossas galerias, percebemos, muito tempo depois, que são apenas plásticos moldados, madeiras manipuladas, e às vezes, um pedaço de prata banhada a ouro. A nobreza, a vontade, a fé, a beleza com que tivemos nas competições se vão como água em riachos, pois o que nos interessava nada mais era que um prêmio...

Os romanos, grandes como eram, não só em cultura, como em tudo que faziam na era clássica, sabiam que as premiações nada mais eram que articulações naturais ao homem. Ou seja, não poderiam deixar de existir, porém jamais esquecer-se-iam de que um dia nascemos homens e um dia morreremos e nos tornamos pó.

Diziam que quando um general chegava em com suas bigas, cheias de honrarias conquistadas da casa do inimigo, desfilavam ao povo e eram apresentados ao governador, o qual, para eles, tinha um presença quase divina. E tinha. Em sua biga, atrás do general que se apresentaria ao governador da província, um serviçal sempre a dizer "você é um homem e não um Deus!" -- e repetiria a frase até que ele descesse daquela carruagem e recebesse o seu louro -- uma coroa feita com um pequena planta que tinha um sentido simbólico.

Esse sentido interno quanto às premiações não temos, mesmo porque o que nos aguarda é uma eternidade cheia de prêmios pelo que fizemos em relação a nós mesmos e não ao próximo. E quando se é cristão, o maior prêmio é o céu, literal, cheio de pessoas belas, flutuantes, sorridentes, tomando rios de mel, e dependendo da cultura, de virgens a nossa espera.

As premiações nunca cessam e nossa maneira de lidar com elas, a cada dia, nos torna obsessivos em alcançá-las, pois a espiritualidade se esvai com o tempo. Pois, espiritualidade, hoje, é ter muito, não ser muito. Prova disso são igrejas passadas e modernas que se deleitam em iguarias materiais em nome de deuses, de Deus, de cristos e Budas, com ornamentos nada simbólicos, diferentes da dos homens realmente espirituais do passado, que um dia nos mostraram que o maior prêmio é encontrar a si mesmo.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

Na Entrelinhas

É incrível como somos crianças diante da Natureza, que não pede, não implora, nem nos sufoca com arbítrios. Prova disso são as cores que a revestem, que nos contam que há uma grande necessidade de cada um possuir o que lhe apetece, ou seja, sem esforços para pensar no que se poderia vestir a espera de uma noite amena ou tempestuosa. Nos inclinam a refletir também acerca não apenas das cores, mas principalmente da estática, da mansidão, do poder leve das pedras, de sua grande força natural sem pretensões. Não precisamos nem mesmo opinar sobre a montanha, pois, quando a observamos, seu universo já nos preenche o rosto com sua grande sombra.

Assim, ainda em meio a pensamentos que se penetram como meninos no meio da floresta, sinto que somos perturbados, mais do que isso, somos quase que penetras em um mundo já convicto de si. Nós, não. Nossas convicções emanam de outras opiniões, advindas de outras e assim por diante; não há nada que possa dizer o contrário, pois não temos pensamentos próprios, mesmo porque nem mesmo nos conhecemos para tanto.

Isso, percebo, nos faz mais longe de nossos ideais, nos quais pedras, plantas, montanhas e animais fazem parte não como figurantes, mas como emblemas naturais dos quais retiramos o que somos, de maneira simbólica, não menos do que isso. Em cada um, em cada ser que se esconde nas esferas da terra e do universo, há uma profunda forma em nos conhecer, em saber o que somos e para onde vamos... 

Na cultura clássica Grega, no mito de Hércules, como podemos exemplificar, quando o herói semideus mata um leão e com sua pele se reveste como que fosse um grande homem que teria cumprido uma grande missão -- e o fez realmente. O herói, no entanto, ao fazê-lo (matando o leão), simboliza um pouco do que somos com relação ao universo, aos seus mistérios, o qual acoberta significados profundos quanto à natureza humana. Há, aqui, um sentido esotérico de compreensão quanto ao mito.

O leão, em muitas culturas, simbolizando o sol, teria sido, no mito, morto por Hércules, ou melhor, sido vencido por uma parte ideológica humana e outra divina, com a qual não lidamos, e quando posto em seus ombros, depois de matado o animal, o semideus teria sido iluminado; ao mesmo tempo, em outra interpretação, vencido a parte brutal, animal, bestial em nós mesmos, assim como em outros mitos o demonstram de forma mais oculta.

Fora as demonstrações simbólicas, podemos ressaltar que possuímos forças internas sobre as quais não temos poder, ou nem mesmo sabemos que lá estão dentro de nós. Para isso, no entanto, buscamos entender um pouco da natureza que nos circunda, de sua força equilibrada, de sua ordem formal e universal e intuir que a única coisa que sabemos é que nada sabemos.

Assim, antes de nos pronunciarmos ao vento, como nossas opiniões junto ao mundo, pensemos no equilíbrio, na ordem, e na estrutura que nos circunda, pois toda ela é fechada, ainda que nos pareça ilimitada. Há um grande universo no qual todas as coisas que pronunciamos, todos os atos e pensamentos, batem em seu telhado e nos voltam em tom de amargura ou não. E os mitos nos ensinam isso.



segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

Harmonia Sem Dor

Há uma história cuja mensagem até hoje fico a pensar, repensar, refletir por muito tempo, desde o momento em que me lembro dela até o fim do dia. Não é um conto, mas que, por si só, já nos traz uma lição ao que podemos fazer aqui e agora por nós mesmos, seja no sentido filosófico, religioso, social ou não. Muitos partidários ao lê-la, é claro, com suas visões partidárias (!), terão problemas mesmo porque cairão no fosso da interpretação xiita, coisa que não será possível nela.

É a história de um homem que um dia atropelou uma cobra, uma dessas que, mal sabia, possuía escamas trianguladas na cabeça, ou seja, venenosa. Pegou-a, colocou-a dentro de seu carro e a levou para casa, com todo cuidado do mundo. Tal homem era conhecido por ser uma grande pessoa que cuidava de todos, inclusive de animais, fosse ele qual fosse.

Em sua casa, após meses de cuidado com o réptil, deixou-a bem à vontade dentro de sua humilde residência, pois, a saber, deu-lhe remédios, carinho, proteção, e nunca havia falado com ninguém sobre seu novo amigo. E isso talvez fosse mais necessário do que dar proteção ou mesmo medicações àquela que acreditava ser seu hóspede, seu amigo e por que não, mais tarde, seu bicho de estimação?

Um dia, mais do que curado, o réptil, lembrando: venenoso, foi deixado embaixo da cama, sem qualquer pensamento tangível em relação ao que ele poderia fazer-lhe. Ao deitar-se, o homem, feliz por ser uma pessoa do bem, ou mesmo por ser grato a Deus pelo que era com os homens e com o animais, coisa que sempre falava mais alto em seu coração, jamais se queixaria pelo que fez com aquele que, segundo em seus pensamentos, seria o pior dos animais, em uma visão mais bíblica da questão. Não, ele não acreditara nisso.

Porém, por ser de um coração imenso, de um ser humano de pouco uso do seu racional, não percebera que o animal não refletia, não amava, não possuía a consciência humana. Pelo contrário. Acreditava que, por tudo que lhe fizera, seriam amigos "do peito", de anos e anos, nos quais passariam por experiências humanas versus animal, de um modo que jamais ser-lhe-ia esquecível.

Entretanto, noutro dia, seu "fiel" amigo subira-lhe a cama, dera-lhe uma picada rápida, e o velho, como não havia ninguém por perto há bastante tempo, achou melhor sentir aquela dor e morrer por ali mesmo, sem que ninguém o soubesse.

A cobra, grande réptil, venenosa, astuta, dona de uma rapidez esmerada, não fez apenas o seu papel, como também se arrastara para fora e não voltara mais. O homem, um ser de grande inteligência acima dos outros animais, agira, naquele dia, não com seu racional, mas com paixão e humildade, o que lhe dera cegueira para o outro lado da vida, de um mundo no qual havia não apenas outros seres,  como também suas naturezas, suas ferramentas, suas pretensões ante ao próximo -- o que era distinta da do homem.

Uma grande professora de filosofia um dia nos disse que, ante aos animais, devemos trabalhar com harmonia, o que é diferente de "viver com eles, ao nosso lado". Pois sabemos que cada animal tem sua individualidade e cada um trabalha em um plano completamente diferente de nós, seja no sentido material, seja no semântico, principalmente este que, como acreditamos, se assemelha muito com o nosso às vezes -- como o cachorro, o gato, o golfinho... -- nos deixando mais próximos deles.

Contudo, a proximidade não nos revela muito do que são, apenas o que acreditamos ser. O que são, por meio de suas brincadeiras, de seu carinho ao humano, de seu aparente amor a nós, nada mais são que características que se igualam ao que temos em nós, pois elas, neles, buscamos. Mas o que realmente são está bem longe do que podemos definir, e isso nos deixa mais longe de entender os animais.

A parte filosófica

Harmonia ao todo não significa se revelar mais que outros em termos de carinho, ou mesmo querer ser mais humano ao ponto de elevar-se à luz divina, não. O que temos já é o bastante. Temos amor ao próximo, à natureza e àqueles que ainda vão nascer em prol de um mundo melhor. Não precisamos usar de divindade como se fôssemos um iniciado nos mistérios sagrados, os quais até mesmo, certeza tenho, não usariam de artifícios caridosos com animais ou mesmo seres humanos.

Há de haver o respeito, e isso quer dizer, deixar que os outros passem pelo que devem passar, aceitando suas dificuldades, pois somente elas servem de degraus com vistas ao crescimento interno, e também externo, a depender do que passam. Questão é que acreditamos na compaixão, e tal sentimento toma conta de nossos corações à medida que damos passos em direção às armadilhas da vida.

Os romanos sabiam disso, por isso, todas as vezes que um inimigo estava a perder uma luta, não havia o sentimento de "oh, e agora, o que faço? É um ser humano!", não. A filosofia romana, tradicional, da qual todas um dia vieram, dizia que eliminar o inimigo não era apenas uma forma de respeito, mas também de harmonia, pois lhe fazia com ele não fosse humilhado, sem honra, e partiria para o céu daquela pátria -- ou de outra cultura, a depender do inimigo.

Hoje, o que nos toca, na realidade, é um sentimento cristão. Queremos ser Cristos, queremos nos igualar à sua bondade, compaixão a todos e a tudo, mas nos esquecemos de que até mesmo Cristo, seja qual for a parte bíblica do fato, tenho a certeza de que se houve ou não participação dele com os animais, foi bem simbólica. Ou seja, com sentido não literal.

A História, por fim, nos ensina que devemos ser apenas humanos, usando não apenas de humanidade no sentido mais profundo da coisa, mas sabendo que todos, inclusive a nós, possuímos naturezas distintas, caminhos distintos, o que nos faz seres belos por excelência. Não podemos acreditar que espécies, principalmente que rastejam, rosnam, brutais ou não, tenham sentidos gêmeos aos nossos, mesmo porque, até mesmo na nossa espécie, não somos física, psicológica, emocionalmente iguais, por mais que nos pareçamos.


Usemos de sabedoria,

sexta-feira, 30 de novembro de 2018

A Sombra do Sol

Diziam os gregos, há mais de dois mil anos, que onde houver um ser humano pátrio que deseja conectar-se com Deus, também é um grego. Filosofia antes enunciada pelos egípcios que acreditavam em seus deuses até o momento em que outras religiões iniciaram seu processo de disputa pelo céu terrestre. Nela, na Terra Vermelha, tudo era símbolo natural-concreto do que estaria no céu real, como ideias que eram plasmadas pelo homem -- ser único que poderia fazê-lo conscientemente, -- de modo que não era difícil concretizar e dizer "Aqui é o Céu".

Na própria Roma Clássica, quando grandes generais amavam o que faziam pelo amor à sua terra, sabiam que a responsabilidade maior era trazer à tona elementos coerentes, vivos, tradicionais não apenas para a história pessoal de cada um, mas para Roma, seu amor real. Um amor que ultrapassava fronteiras, quebrava paradigmas, ensinava a humanidade a lidar com as folhas mortas que se rebelavam novas, mas serviam apenas para serem varridas.

Roma, a Terra da Loba que alimentou Rômulo e Remo, foi prática dos ensinamentos gregos, e estes, do Antigo Egito, e assim por diante, talvez de uma Atlântida quem sabe, ou nem se sabe. A realidade é que todas elas, não somente elas, como quero salientar, possuíram, e em sua essência possuem, um legado riquíssimo do qual jamais a humanidade irá esquecer-se, a depender da alma coletiva do mundo...

Por que isso? Percebo que estão criando "sabedorias estanques" comportamentais, na tentativa de dissuadir o mundo a não olhar o passado com os olhos naturais de um um homem que viveu e que morreu em busca do conhecimento... A prova é que se estudam menos os heróis, os quais são apenas bonecos de lojas, referenciados em filmes americanizados, cujo teor foge e muito do que um dia aprendemos em um passado distante..

A beleza do passado, percebo, em forma de estátuas e de templos antigos, e  de quadros de artistas idem, progridem à medida que os preservamos, porém, a religiosidade, a sacralidade destes estão se perdendo como gritos únicos na multidão enraizada de fúria. Uma fúria política, social, familiar, a qual desanda até mesmo o raiar do sol, que um dia vimos, apreciamos e hoje não temos tempo de vê-lo graças à maldita filosofia de olhar para as paredes eternas, sucumbindo às sombras.

Há em nós um grego, um romano e um egípcio; entretanto, temos que buscá-los na medida de nossos passos em direção ao que realmente nos importa como humanos. Se pretendemos religiosidade, sacralidade, amor à busca profunda e simbólica na natureza, seremos Egípcios; se desse amor nos restar uma válvula que nos faça melhorar nossos relacionamentos amistosos, em família e ou sociedade, e que deste exercício interno nos sobrar tempo para sentir as algemas do presente em nossos pulsos psicológicos, seremos gregos; se conseguirmos andar apesar dos pesares, digo, das dores, em meio às batalhas, das pequenas guerras e respeitar o próximo, em sua vida e morte, seremos romanos.



Aos Meus Amigos.

quarta-feira, 28 de novembro de 2018

Faz Parte de Nós

Chegamos a uma certa idade em que nos cansamos de participar das coisas, dessas do tipo baladas, festas infantis, shows "inéditos" de bandas idem, os quais um dia fizemos parte como amantes loucos, em épocas loucas, com letras ainda mais incompreensíveis, porém, que retratavam uma realidade por que passávamos, e fazíamos isso tão cegos quando uma vaca em meio ao trânsito de São Paulo.

A cegueira se descobre depois de anos. Hoje, enxergo a minha. Não gosto de viajar em "túneis do tempo" e começar a reviver um passado no qual não havia objetivos, apenas alegria desmedida por algo que somente alguns vão se lembrar, e mesmo assim, como um dia em que pulamos, gritamos, caímos bêbados, e arrotamos bobagens como pagãos antes da prisão.

Hoje, realizado, me sinto com outras vontades, com sentimentos de realização, de fome de alcançar algo maior do que eu, do que aquele que se julga melhor do que eu, do que eu mesmo, que me julgo o que não sou, enfim, com uma finalidade subjetiva de alcançar o que está nas entrelinhas do mundo, que não muda, que se repete friamente, gerações após gerações, como que cavasse eternamente uma cova enterrando crianças, jovens, adultos, senhores, senhoras...

É pedir demais, talvez.
Vejo, no entanto, outras mentes, com finalidade gêmeas à da minha, porém, quando penso naquele ser que se penetra no mundo, em uma tentativa quase bélica de mudá-lo com seus instrumentos frágeis, vejo a ilusão nascer e morrer e nascer o que chamamos esperança, que vem de esperar. E aquele que morre em tentativas vãs, que, como um grande guerreiro se vai com seu arco, com sua arma, com suas mãos e mentes ao lado do outro, a nos fazer levantar e sentir que podemos... Baixo a cabeça e me sinto culpado por tudo...

Aqueles shows inúteis, dos quais participamos, nos foram chupetas imensas dadas pelos grandes senhores interessados em manter o sistema zumbi, nos quais seres humanos, hipnotizados pelo nada, pelo invisível sentimento de mudança calcado em letras tangíveis, não nos mudou. Pelo contrário. Viramos políticos corruptos, religiosos sem lastro algum de compreensibilidade sagrada quanto ao real invisível, quanto a real face divina que paira em tudo, a cair no mesmo fosso arcaico dos homens que misturam dor com castigo, pecado com errado, vida com benção, morte, como maldição... Homens medrosos da noite, medrosos ante a educação, coluna vertebral do mundo, além de nos fazer cruéis, monstros, animais bípedes, sempre seguidos de seus interesses e desculpas.. E aqui, antes de tudo, morremos em pernas.

Lutar... Como?

No início, éramos apenas noite, até o momento em que a mão divina nos acordou e tudo virou dia. Acordamos, realizamos, participamos, nos encontramos e buscamos motivos relativos em nome de nosso ego, esquecendo que somos parte de uma grande forma indescritível de paz e harmonia, que se igualam no final das retas. Contudo, ao pequeno pensamento incalculável do livre arbítrio, desfazemos nossos sonhos, dentro do Sonho, que um dia, antes de acordamos era uma grande realidade.

E não vejo outro mode de mudar além do de lutar contra aquilo que nos emperra a mente, a alma... Pois, lutar é antes de mais nada uma forma de comportamento necessário a uma organização individual, a qual se torna coletiva com o tempo, qualquer que seja nossa intenção, palavra, percepção, tudo se revela uma prova do que seremos ante ao Todo.

Assim, e por isso, temos que perceber, o quanto antes, que somos necessários ao tempo, à história -- não a nossa história, mas -- aquela que modifica uma pequena parcela do mundo, no sentido mais bíblico possível, pois somos humanos e mesmo que não percebemos estamos fazendo parte de um contexto no qual pessoas acreditam em nossas palavras, quando começamos a andar em direção àquilo que acreditamos ser correto.

Por isso que eu sempre digo: todos os dias nascemos e morremos para as coisas. A única diferença é que  apenas alguns percebem isso muito tarde.

segunda-feira, 26 de novembro de 2018

A Xícara Quebrou

Apegar-se aos bens, ainda que se pareça ridículo, é natural. Tão natural quanto morrer em função deles, dar a vida por eles, mesmo sabendo que não se pode nada fazer. Tudo se vai, até mesmo o mais belo sol de uma galaxia distante, que explode dando lugar a outros sóis, mundos, galaxias, enfim; entretanto quando esse ego longínquo deixa de sê-lo, se infiltra em nosso cotidiano imaginário ou como peças de um bem-querer, semelhante a um ser que fez parte de nossas almas até então, torna-se perigoso.

Não é de hoje, claro, que adotamos esse princípio: de levar para si o que é da terra, o que é de sua origem. Nossas mentes, corpos e almas funcionam em favor de uma centralidade natural, o que facilita a entrada de exércitos inteiros de forças que nos incitam a tomá-los e a reivindicá-los, o que na realidade nos faz dependentes daquilo que não temos e nunca tivemos. Parece que é de nossa natureza amar o que não é para ser amado... 

Antes de amar, talvez, deveríamos respeitar todo o processo pelo qual todo aquele exército passou, entrou e fez parte de nossas vidas. A questão, no entanto, é que somos crianças no sentido eterno da palavra, pois acreditamos que tudo não passa de brinquedos imensos sobre os quais temos direitos, e não é bem assim. Não temos direito a nada, a não ser deixar que a liberdade faça parte daquilo que adotamos como nosso.

O que seria a liberdade nesse caso? Deixar que as leis se façam como que suficientes para determinar os dias e as horas daquele ou daquela pessoa em nossas vidas; para isso, porém, teríamos que adotar uma postura firme diante de tudo, inclusive das pequenas coisas com as quais vivemos: até mesmo antes da xícara que mamãe nos deu e que um dia vai quebrar! Imaginem do carro, das roupas, entre outros utensílios que damos a vida para obter...

Tudo isso, no entanto, se torna obsoleto, quando comparado ao "alguém", aquele ser que se infiltrou, em nossas vidas, desde que nascemos. Tudo é tudo, tudo é divino, sagrado, perdoável, porém, também se vai. E quando se vai, nada é sagrado, nada é perfeito, divino, nada é nada...! O mundo não é mais mundo, as almas se perdem, corpos se titubeiam nas ruas, olhos não enxergam, luas e sóis não mais existem, apenas o chão que nos aparou com a queda que damos.

Isso me lembra o que um dia um grande filósofo pré-socrático nos disse a respeito da origem de cada um: se pensas que um dia não iremos morrer, lembre-se dos grandes homens do passado, da vida maravilhosa que tiveram e hoje fedem com esterco (nem isso mais) em suas covas. Outro, mestre desse último, dizia... Se quiser iniciar o desapego, comece com uma pequena xícara que quebrou, depois reflita sobre o que ela significava para você, e pense "ela voltou à sua origem"...

Mas tudo isso se desfaz, quando presos à matéria, às pessoas e ao mundo frágil das medalhas, como dizia Platão, ao citar a República, capítulo VII, sobre nossos apegos ao mundo das sombras, as quais norteiam nossas ideias de ter ou não, segundo o mestre grego. Lá, presos em algemas, indivíduos como nós, humanos, com ideais e projetos de crescimento, são (estamos) presos por amos que praticam seus "queres" junto a esses que nunca crescem, e são, como pequenos porcos, presos a cercados, a espera de prêmios.

Antes, penso, de obter sentimentos fortes em relação ao que pretendemos chamar de nosso, reflitamos sobre sua origem, inclusiva a sua. Pensemos no porquê daquele amor, mesmo sabendo que um dia tudo se vai. Amar, penso, não faz mal, muito pelo contrário: amar não é restringir a natureza do outro daquilo que adotamos como nosso, mas saber que um dia as coisas se vão em nome de sua natureza, ou mesmo do Amor, que pede, que muda, sempre, em nome de algo maior que nosso egoísmo.

quinta-feira, 22 de novembro de 2018

Precisa-se de Alguém

O ser humano, desde o dia em que nasceu nos braços dessa terra, clamou o primeiro deus e realizou suas façanhas, em aventuras que até então têm servido como experiências para descobertas, progressos, crescimentos materiais e espirituais, entretanto, sabe-se que na maioria das vezes busca-se desculpas para realizar seus sonhos com auxílio de outro ser humano, e quando o faz, descobre, enriquece, se intelectualiza, às custas daquele que sempre lhe deu apoio e o esquece.

Machado de Assis, em um de seus poemas, fala de uma famigerada linha, que, depois de virar um grande vestido de linho, esquece-se do grande momento em que esteve ao lado de sua amiga agulha. Por que somos assim? Por que nos esquecemos das batalhas vencidas graças aos grandes mestres, professores, pais, dos quais salientamos a vida toda aquelas frases de efeitos, nas quais a sobriedade e até mesmo a luz se dissipam sem serem chamadas. Não precisamos dar ouvido apenas à consciência da ação desmedida, como sinal de maturidade, de guerreiros que vão para as trincheiras como que deuses estivessem ao nosso lado a nos proteger... Não.

É no mínimo, tolice. Temos que, a priori, ter bom senso dos passos e dos caminhos que damos em direção a qualquer lugar, até mesmo o da cama, para qual vamos altas horas da noite: como vamos, por que vamos e fazer o quê. Perguntas simples das quais, no entanto, que nos retiram véus que perfazem nossos rostos desde a infância, e se desfazem com o mínimo de palavras que ficam em nossas almas, depois que escutamos uma mãe, um pai, uma irmã ou mesmo um irmão que chegou à sua excelência antes de nós.

Precisamos de alguém. Precisamos procurar esse alguém. Encontrar sob o assobio da manhã, ao lado do grande fogão de pedra, cozinhando aquele feijão, se lembrando da infância querida que não volta mais. Sentar e conversar, mesmo que a conversa não chegue a um ponto em comum, contudo, entender que não é simples, e que funciona como uma engrenagem natural da qual, em comunhão com a natureza das coisas, sempre flui ou um dia fluirá e tudo se tornará um.

A paciência, aqui, é uma virtude, uma força descomunal que percebemos somente depois do estrago das palavras e dos atos que pronunciamos, atuamos, perseguimos e não encontramos. Deve a paciência ser o alvo do tudo (não de tudo), só assim teremos condições próprias para entender o porquê de nossas diferenças, sejam elas físicas, emocionais, racionais, raciais, as quais entram em comunhão em um patamar elevado de compreensão na qual devemos pura e simplesmente buscar e chegar.

Precisamos de alguém para mostrar nosso sentimento quanto ao que fica e ao que ficou, mas não se apropriar desse terremo, mesmo porque o outro quer não apenas ouvir, mas falar, interpretar, sorrir e ao mesmo tempo aprender junto com aquele que está bem perto dele: na verdade, buscamos a nós mesmos e não sabemos.

E quando nos aprofundamos no outro, em busca do que ele é, nos encontramos, ainda que em defeitos, em ódios, nos alimentamos e às vezes saímos correndo de nós mesmo com aquela desculpa: caramba, como ele é chato! Bem que um dia Marcus Aurelius, imperador filósofo, disse, "Todos os dias diga para si mesmo: encontrarei um tolo, um imbecil, mas sei que suas naturezas devem ser diferentes, pois, assim como as partes debaixo dos dentes são necessárias à de cima, precisamos entender que somos diferentes com o sentido de harmonizar o todo".

Precisa-se de um mestre e com ele nos sentar, falar de nossas dúvidas quanto ao ideal, quanto às razões da vida, que não cessa, que não estaciona, porém que se transparece nos humanos como algum somente nosso, meu e teu. Falar dos enganos naturais  e de nossa escolhas frias, sem referenciais, e de nossa educação ao que fazemos no mundo, além  de nosso real papel ante ao que fazemos e deixamos de fazer. E muito mais.

Precisamos de alguém.

.



segunda-feira, 19 de novembro de 2018

A Canção na Pólis

A música realmente faz parte da formação humana, não tem como negar. Em todos os lugares por onde se vai, lá está ela, em forma, em estilo, em alto ou mesmo em tom baixinho, nas avenidas da vida. Em minha vida, por exemplo, desde o momento em que coloco os pés no chão, ao final de minhas preces, a música está presente. E mesmo ausente, quando observo o cantarolar das aves, roçando o telhado, em pequenas brigas de "casal" de periquitos, no aviso do bem-te-vi, nas disputas por comida em grupos de pardais, lá está ela...

E quando abro as janelas de vidro, que somam mais de cinco metros de arrasto, e assisto ao  céu firme, sem nuvens, com uma brisa em minhas narinas, sussurrando o vento que vai chegar, e entre laços firmes em meio ao verde da árvore, farfalhando as folhas em tom musical, me sinto com uma grande vontade compor uma música... Mas não sou músico. E sorrio aos quatro ventos.

A música é a alma desse mundo, e foi de um passado bem distante, e desse, em outros. Foi a Alma dos deuses, dos heróis, dos monges, dos grandes templos, mas percebo que hoje é alma contaminada dos homens, confundida, enlameada pelos versos ridículos, nos quais colhe-se a elucubração de um povo sem cultura, que pede ajuda, socorro; de vários seres que morrem dentro de suas vestes, dentro de suas peles.

Não é mais como no passado, onde o respeito mútuo e a cultura prevaleciam, onde a real música era cantarolada, assobiada pelo menos culto ou ou mais culto, mas ao mesmo tempo tinha uma canção, um ritmo, uma natureza musical não distinta do passado que lhe criou.

Depois de séculos, descobre-se que se pode fazer da música (ou pelo menos acreditam que seja) uma salada de letras sem fundamentos, de ritmos sem harmonia, concatenados com a debilidade dos dias humanos, nos quais paixões arredias, vontades suicidas, dores físicas e psicológicas fazem parte de uma micelânia quase que vulgar do homem atual, na visão do terceiro andar do céu.

Para onde foi a música?
Assim como valores que esperam ser "chamados", a música ainda existe e persiste em uma natureza não muito distante. Muito pelo contrário. Se revela nos brios de uma natureza mítica e ao mesmo tempo divina, quando a ela se percebe. Assim como Mozart, Bethoven, Bach, Wagner, Brahms, Chopin, entre outros, os quais plasmaram aquilo que estava acima de suas personalidades frágeis, podemos fazê-lo. E quando não, façamos em forma de poemas, de comportamentos, de pensamentos e meditações. A música, a meu ver, sintetiza não apenas o espírito individual, mas também de uma sociedade, de uma época em que, se nos parametrarmos em algo maior, pode a vir em maior ou menor tom.

Desse algo maior a música -- que veio de Musas -- em homenagem a elas, veio. Não porque sim, não porque alguém apreciou o bater do pé de um transeunte que se sentara em bar e se empulgou, dando margem a outros ritmos, com hoje se faz. É um pouco mais profundo... É a religação natural e sutil que transcende os sentimentos humanos, que, hora ou outra, se conecta com esse fio que perpassa no mundo invisível e pronto..."Fez" a música.

Ela está em tudo, em todos os lugares, seja em forma física audível ou não, perceptível aos grandes compositores ou não. Depende. Se pretendemos elevar nossa consciência, vivenciar o melhor dos mundos, respirar a vida, mergulhar em oceanos misteriosos, compreender a alma humana e suas nuances ante ao seu ideal, escutamos música.

Se pretendemos dançar, ouvir o passado humano em forma de ritmos frenéticos ou melodiosos, cheio de floreios, sem a profundidade a que lhe inerente.... também podemos. Temos escolhas. E quando nos referimos a escolhas, vem a nossa mente a palavra caminho, e quando temos caminhos, escolhemos apenas um. E para escolhê-lo temos que refletir acerca do que é evolução e involução. 

A partir desse quesito que o mestre Platão, filósofo grego, nos coloca o real valor da Música junto à República, quando se refere à educação. Para ele, a criança deveria, ainda no ventre, "escutar" canções para que sua personalidade seja, já, moldada a partir de elementos naturais, que lhe propiciem uma boa formação: crescimento interno, vontade, determinação, intuição, astral, desapego, enfim, semente que mais tarde crescerá nele e será vital para defender os a Pólis.

Temos que fazer nossas escolhas.



terça-feira, 13 de novembro de 2018

A Sinfonia

Nas manhãs de domingo, quando o sol se apossa das serras, sobrevoa o céu azulado, sem nuvens, em busca de um espaço para se afixar, percebe-se que suas forças não mudam, sua vontade idem. E os objetos, abaixo de suas longas barbas amarelas, presos ao chão, à terra, mas fixos como filhos de plantas recém-chegadas, como pedras que não se movem há séculos, parecem sorrir, mas não. São apenas filhos sendo regados pelo pai que passa por cima dos ombros de uma família infinita.

Lá vem o homem a abrir a janela de seu quarto, pensar em coisas mutáveis, que terminam com o tempo, sustentando apenas em seu olhar a relativa vontade de entender seu dia a dia. Mal sabe este que, ao abrir aquele quarto, é sondado pelo grande círculo amarelo, que um dia nasceu, mas também um dia se vai, contudo antes, dar-lhe-á vida, força, mistérios a serem desvendados, outros não, no entanto, apenas pelo simples prazer de ser o sol, pelo simples e belo prazer de ser justo.

Ao nos depararmos com esse grande cenário, no qual a universalidade se faz pelo simples modo de revitalizar o todo, refletimos ao mais alto dos átomos e, ao passo, mínimo, que se esconde na poeira, nas ondas, no chegar da noite e no brio do sol. Antes, destes então, percebemos que há outros que se engendram na roupagem natural  das folhas, dando o verde, o branco, o vermelho, entre outros, nos quais se digladiam em nome de uma beleza que não se vê, no entanto se percebe quando quadros naturais nascem à beira dos campos elísios terrestres.

Tudo que há aqui deve ser reflexo do alto, como já diziam na tradição; pois toda a perfeição que se vê possui elementos discutíveis ao humano, mas não ao absoluto, que trabalha em função de outros absolutos, nos quais há outros, que se aperfeiçoam em nome de outros, até chegarem ao invisível por si, em meio a sincronias cuja perfeição não se deduz. 

Algo, porém, nasce em meio ao todo, como forma de desfazer o sentido de tudo: a dúvida, e dela nasceram os rótulos, ao mesmo tempo, a imposição destes, como que para desvencilhar do caminho o concreto, o pétreo, inabalável, a própria alma do mundo -- é a resistência à verdade que bate às portas, pelo mesmo motivo de que um dia o eterno nos bate a consciência quando imersos na busca por Deus.

Não há, no entanto, livre arbítrio nas células, nos astros, nem mesmo nos deuses, intitulados heróis do dia a dia, mesmo porque o mito não pede a literalidade, apenas acoberta, com pano de veludo, a Inteligência infinita, não dita, nem mesmo reverenciada pelos passageiros terrenos. Nem poderiam. Não se questiona o "ParaBraham", ou como diziam na Índia Clássica, o indissociável das espécies, o invisível leve, eterno puro.

E ainda nos perguntamos, para onde vamos... para fazer lá o quê... A inquietude da alma em pensar sobre o que somos e para onde vamos, numa espécie metódica, analítica, com frutos que nascem e crescem, e morrem, mas sempre com pretensões de questionar e não viver. O que bate em nossas portas é o egoísmo, simplesmente porque somos humanos, porque podemos chorar e questionar a ida do próximo, e do próximo, e assim por diante, num mero leito de morte... Sem saber que estamos a acordar em um outro leito de Vida...

A relativa vontade de descansar, de estar junto dos deuses, de Deus, como uma criatura que fizera simplesmente o bem, em forma humana... E outros, pelo ateísmo clássico, se rompendo em dor, apenas pelo prazer de ser o melhor entre aqueles que julgam... Santos. Na realidade, somos apenas flores complexas que pensam, refletem em torno de seu campo, de seu jardim; flores que acordam com vontade de viver e às vezes morrer, mas sempre flores que enfeitam universos, nos quais, em meio a esse microuniverso, desconhece a si próprio e vive de sistemas outros, antes mesmo de viver o seu.

Não precisamos disso: precisamos olhar mais a vida, os lírios do campo, as metáforas naturais entre a rocha e a correnteza; entre o homem e a mulher, entre a vida e morte. Eu prefiro assim... Pois o que sou é muito complexo, assim como Deus. Então começo pelo simples, e termino pelo mais simples ainda. O complexo vem com o tempo.





quinta-feira, 8 de novembro de 2018

Pólis, a Educação

Já vimos que a palavra política veio de pólis, que significa cidade, em grego. Sabemos que as cidades que deram origem a essa palavra eram as cidades-estados gregas Esparta, cuja política era mais pela força física do que as outras, e de Atenas, a qual possuía um viés ideológico mais cultural, interno, se sobressaindo no quesito educação. Daqui, Platão retirou um pouco de cada uma para trabalhar em sua "República", no sentido de criar uma filosofia perfeita entre os homens.

Na Cidade Perfeita, como havíamos trabalhado em outro ponto, segundo nos consta, após a tomada de consciência em relação ao próprio sistema, o cidadão agora, depois de ter levado consigo vários instrumentos que o fariam ideológico quanto ao seu papel na pólis platônica, se sente na possibilidade de "voltar" e demonstrar sua nova forma, ou melhor, seu papel junto aos seus.

Agora mais aberto, com instrumentos firmes, o cidadão, ético, moral e virtuoso, já o seria por si mesmo uma microforma dentro de outra -- da cidade, mesmo porque o papel de todos seria a indelével maneira de encontrar sua função junto ao pequeno mundo que se formava.

Não haveria outro modo a não ser trabalhar junto ao próximo, ensinar, fazer-lhe acreditar que existe o céu, aqui e agora, de modo simples, sem abalar estruturas sistêmicas. Aqui, não poderia haver a informação inútil pelo fato de tudo que se aprendera, na grande experiência de ver o Bem em forma de sol, era repassar na prática o que foi visto, não o que lhe deram para ver.

A prática, nesse quesito, seria a força natural do homem da cidade, cuja vontade de religar-se com estruturas simples, com vista a outras mais complexas, o deixaria mais perto de seu ideal. Não poderia ser diferente, pois o que nascia ali não era apenas uma cidade, mas a possibilidade de nascimento humano, no ser humano.

O Sol da Ética

Para nos moldar, é preciso que tenhamos a parte ética moderada, naturalmente posta no homem, não de forma brutal, mas, sim, como se estivéssemos a caminhar em um passeio ao por do sol. E já o trazendo como forma exemplar, podemos ver o rei solar como uma espécie de grande exemplo entre nós, uma grande estrela simbólica que se sintoniza com todos os valores humanos e não humanos -- o que nos fazer refletir acerca do que somos e por quê.

Não apenas o sol, mas a toda forma de vida que nos faz repensar o que podemos fazer aqui e agora pela natureza, pelo próximo, por nós mesmos, a nos dar motivos de levantar, iluminar e dormir satisfeitos com o que fazemos. A educação platônica paira em cima desse conceito ético de vida.


quarta-feira, 31 de outubro de 2018

Pólis, o Início

Nas obras de Platão, como podemos constatar, a política gira em torno daquelas formas de governo que nasceram, cresceram e morreram com o tempo. Algumas, no entanto, ainda padecem como velhos teimosos e se fortalecem, pela vontade, para o bem de poucos, os quais, teimosamente, se inclinam a nos enganar todos os dias.

Mas não adianta essa consciência -- de engano, advinda apenas de alguns. É preciso que tenhamos uma queda para as revoluções, como a Francesa, em que havia uma série de pensadores que auxiliaram os burgos a refletirem o que estava se passando... E viram que a injustiça, a miséria, em sua mais completa forma, em contrassenso com a vida dos governantes, batia às suas portas psicológicas e até então adormecida.

A consciência teve que vir de cima, assim como água que, derrubada pela necessidade natural e humana, veio a dar a sobriedade ao povo, que, sofrido, tomara o poder. Este e seus ideais, no entanto, como diria um grande professor, não tinham nada a ver com "Liberdade, Igualdade e Fraternidade",  e sim, mais a ver com Necessidade básica de viver em igualdade com a cúspide da pirâmide. Dali por diante, a França se tornou modelo para outras "revoluções", ainda que tomadas pelo dissenso da mente humana -- ou seja, ainda que revestida de ideais de papel.

Em Platão, a única e poderosa ferramenta de Revolução seria o ser humano. Um revolução na qual teríamos um papel essencial, se partimos do princípio que somos apenas humanos, não exemplos de poder, de força, de elementos destruidores de governos, mesmo porque o único governo seria a parte forte do homem: o elemento educador. Aqui se iniciaria a política, segundo o filósofo grego.

A Caverna

Para compreendermos tão ponto devemos ilustrar, mais uma vez, sua Caverna (no Livro VII, República), na qual vários moradores lá existem, sem nunca terem visto a luz real da vida, nem mesmo uma pessoa, e sim sombras, o tempo todo. Por quê? Uma fogueira proposital é colocada por detrás de seus ombros, como que para "iluminá-los", mas principalmente para gerar Sombras. 

Tais vultos, pelos moradores, amarrados e de costas à fogueira, são como peças reais, muito reais, de modo que ninguém os questiona. Apenas um. Este, ao sentir seu pulso roçar entre as cordas que o machucavam e ao mesmo tempo o fizeram se acostumar com a dor, fez gestos de incomodado com seu estado.

Nesse minuto, é provável que o filósofo se referia ao mestre Sócrates, a quem tanto prezava até o fim dos seus dias, e o homenageou como um revolucionário em meio a uma Democracia que não aceitava (e não aceita) questionamentos, desfaz princípios e nos prende a imagens e a seres relativamente inconstantes. Sócrates teria perdido na justiça o direito de viver por "corromper" os jovens da época, dando-lhes instrumentos para sair da Caverna -- o próprio sistema.

Na Caverna, aquele ser que se absteve de se comportar como pessoa comum, se levanta, passa por vários pontos do lugar, entende as sombras geradas pelo fogo, ganha espaço, e consegue ver a saída ao seu alcance, nada mais é que um indivíduo dentro do que Platão estabelecera como filósofo. Nesse momento, a Educação, em Platão, se inicia. Quando o indivíduo começa a se sentir incomodado, levanta-se, ou melhor, inicia a busca pela verdade, sob grilhões, intempéries, trovões, medos, quase que desacordado pela realidade que foi obrigado a intuir, pois, sabe que a verdade está perto.

A luz aparece. O sol iluminando a tudo. Seus olhos, ainda vesgos pela escuridão atrasada, abrem-se aos poucos, e seus pés, tímidos pela terra diferente, andam trôpegos, e quando menos percebe, já está livre. A Liberdade a que se refere Platão aqui é um simbolo, não o ato em si. A Educação nos liberta, claro, mas não nos faz melhores até que entendamos seu real significado: o de trazer à tona elementos criadores, com vistas a melhorar o que ainda nem sabemos o que somos, mas sabendo-o, nos faz mais sábios, mais virtuosos, mas felizes, éticos, enfim, nos dá formas para seguir, não desprezar pelo simples fato de sermos "livres".

O Sol de Platão nos remete ao Bem. Algo que o mestre só nos faz entender metaforicamente, mesmo porque não há como visualizá-lo, pelo bem do homem, caso contrário o cegaria. O Bem platônico estaria dentro do que chamamos posse da Alma, quando o próprio humano compreende que tudo está em tudo, que não há uma partícula fora do Círculo sagrado, onde tudo se cria e para onde tudo se vai.

A Política vem ao homem após a posse de sua alma, dentro do campo absoluto da vida, ao encontro das possibilidades, das ideias, daquilo que não morre. E na percepção de seu ser, o nows do homem, a parte que nos religa ao Todo, vamos ao encontro dos outros, como forma de professar (ensinar), usando o racional, sem nada excluir.




Voltamos.

terça-feira, 30 de outubro de 2018

Pólis

Quando das guerras entre cidades-estados na Grécia antiga, entre Esparta e Atenas, onde heróis nasceram em batalhas, e nelas morreram, o termo pólis já existia nas vozes dos grandes reis, que empunhavam espadas, com seus nobres soldados, clamando liberdade. Era preciso uma ordem, uma organização acima dos prazeres de conquista. Mais que isso. Era preciso estabelecer metas, objetivos em terras conquistadas... Era preciso pensar no povo conquistado. 

E do povo para o povo, nasceu a Democracia, termo que que significa, em grego, governo do povo para o povo. Entretanto, em consciência se iam ideais, em forma de partidos que nasciam, que se desfaziam, com homens não satisfeitos com o regime -- assim como hoje. Entretanto, havia dos filósofos insatisfeitos não apenas com o regime em si, mas com aqueles que eram injustiçados, com aqueles cuja humildade era a arma, a dor era o escudo. O povo. 

Enquanto políticos se formavam; enquanto, em paralelo, se via a deformação inicial da democracia, a semântica humana era trabalhada em prol não apenas de um ou dois povos, mas da humanidade. Era claro que passávamos por intempéries necessárias, assim como uma roldana, para rodar, se mexer, levantar um objeto, tem que se adaptar. Era o que acontecia naquele tempo. Hoje, no entanto, quando nos referimos à Democracia, parece-nos que estamos a nos referir a um sistema novo, pequeno, de ontem... 


A Democracia, hoje um sistema elástico em vários dos países europeus ocidentais, por ser "elástico", nos passa um ensinamento errado em relação a ele: que sempre está se iniciando, em meio ao caos que ele próprio propicia. Por quê? Se observamos bem, a pérola democrática nada mais é que o próprio povo, as comunidades nele inseridas, a sociedade formada por pessoas e seus comportamentos, sejam eles a favor ou contra o que se impõe. É. Na maioria das vezes, o sistema só se revela democrático quando os que o governam são democráticos -- ou seja, raramente.


Por esse sistema se mostrar tão volúvel quanto o próprio ser humano, alguns filósofos como Platão, que nascera em meio a esse meio flácido e em forma de bolha, cujos pais eram tão políticos quanto deputados que nascem na sombra de propinas, ele, o filho de "burgueses", fez uma fulgral visita a Sócrates com fins informativos, o que lhe rendeu tudo, para a vida toda. E para a nossa também.

Para Platão, que viajara a vários países para compreender o porquê dos sistemas, que um dia fora vendido como escravo, e que conviveu com os piores reis, além de ver seu mestre morrer em um regime espelhado no vaidosismo humano, do qual poder-se-ia retirar apenas a incoerência, a frialdade humana, fez várias obras ao longo de sua vida. Entre elas, "A República", na qual clama por Justiça os ideais humanos -- não apenas do povo, mas da humanidade, esse conjunto natural tantas vezes manipulado por quem deveria amá-los.

Fala em Educação, Justiça e na busca pelos valores sagrados aos quais, antes dos sistemas, eram clamados e refletidos nas cidades, nas sociedade e na face do ser humano, que sabia que do alto vinham os valores, e de baixo, a invenção de outros, em nome do interesse dos "amos da caverna".



Vamos falar um pouco desses valores ao longo dos textos.



sexta-feira, 26 de outubro de 2018

A Calçada Fria

Hoje, assim que entrei no meu trabalho, caminhando pela calçada que dava acesso à entrada principal, passou por mim um homem portando uma bíblia cristã. Seu aspecto era meio tristonho, suas passadas, ligeiras, me fizeram ficar para trás em segundos. Olhei bem seu aspecto. Era um homem de mais ou menos quarenta e pouco anos, pedindo passagem para trabalhar assim como eu. Eu, no entanto, reduzi minhas passadas, pensei e ao mesmo tempo caminhei em função de meu objetivo, aqui e agora: trabalhar.

Sei que é piegas, mas é sempre bom ter objetivos quando se levanta. Ainda que nosso racional tenha sua função quase em descontrole, nossas vontades reduzidas em meros sonhetos, que não se formam ou deformam nossas vidas, temos que levantar e pensar sempre em algo que nos edifique, nos direcione. Dizem por aí que "um caminho de mil léguas começa com o primeiro passo", é, eu acredito nisso, caso contrário, estaria fazendo meus exercícios matinais na cama...

Por os pés no chão, em primeiro lugar; entender que a terra faz parte deles, dos pés, pois sem ela não nos equilibraríamos, não firmaríamos contato com o agente horizontal vital, que nos recebe todos os dias em forma de terra, pedras, calçadas íngremes, quebradas, tortas ou não, mas sempre estão ali, tão perfeitas como a linha do universo. Por outro lado, são os braços da terra que nos acolhe quando caímos, batemos a cabeça, sangramos a demonstrar que temos sangue em nosso frio corpo...

Os pés, não chão; a cabeça, bem no alto, reflexiva, tentando dominar o humor que vem de dentro, e por ser a parte mais alta e ao mesmo tempo mais perto do céu, domina as sensações de dentro. E conseguimos. E partimos para vida, trôpegos, mas conseguimos. Saímos da esfera terrestre, entramos na psicológica, pois agora olhamos fixos os olhos humanos como espelhos ambulantes, dos quais tentamos aprender em suas falas, comportamentos, tudo, de modo que parecemos confusos com o passar do dia.

Passamos para o aspecto mais interno; não é preciso nada, apenas aprender. Se temos algo a acrescentar, que façamos como humanos que somos, não de forma virulenta, arcaica, priorizando nossos interesses sombrios, e sim nossa vontade maior de melhorar uma outra vida, ou mesmo a nossa, não de maneira não egoísta, sem centros, mas de uma forma expansiva e ao mesmo tempo interna.

Não podemos, como isso, observar o mundo de maneira como o mundo nos codifica, mas como o Absoluto é. Deixar que o racional se embebede do sol maior, cujos raios se infiltram em nossas pequenas almas, esquecer que os sistemas nasceram para a separatividade, e que o único modo de vencê-los é criar um, bem alto, que esteja distante da terra, mas não dela desconectado. Criar meios, pontes de interação entre a terra e o céu, organizar, ser práticos em seu objetivo, caminhar e dar um "oi", quando carregá-los em seu coração.

Assim, quando passarmos por alguém, deixamos rastros de nossa bondade e fidelidade ao sagrado, nos ensinando (ou mesmo aprendendo) sobre o próximo, sobre aquele que vem e que vai. Deixar de assistir a filmes bons, mas segui-los, deixar de elogiar o seguinte, mas sendo-o, com toda a forma de potência criadora que nascera para dizer com todas as palavras, "tudo bem com você?", não pelo automatismo frio que nossos pais nos ensinam, mas pelo que somos e pelo que nos importamos, dentro do nosso âmbito humano em busca dos mistérios que Deus nos legou.



Que assim seja!

quarta-feira, 24 de outubro de 2018

A Mesa, o Forro e o Jarro

Um dia um mestre de filosofia eloquente*, perspicaz em suas belas colocações,  a prescrutar os olhos de seus convidados, e com ele o microfone enorme de uma década que me parecia mais a da Segunda Grande Guerra, nos disse em uma de suas palestras maravilhosas, em Buenos Aires, Argentina... "Mais do que nunca temos que observar que estamos nos distanciando pelas diferenças, mesmo sabendo que não existe uma partícula universal uma igual a outra. Nos detalhes de cada espaço, de cada princípio, há a diferença que embeleza, que une, refletindo o belo necessário ao homem".

Falava o grande general da palavra, que, em sua humildade não cristã, salientava em poucos segundos o que éramos e não éramos, o que refletia uma época e o que nos fazia separar do que necessitávamos para prosseguir como humanos. É certo que soava como cristal em nossos ouvidos, e mais certo ainda era a certeza de que ele não estava errado em suas colocações por mais que buscássemos nas entrelinhas semânticas que criava, como mágica, iluminando nossas almas.

Prosseguia... "Se temos uma mesa, forrada com um pequeno pano, e em cima dela um pequeno jarro que a ornamenta, podemos dizer que há três elementos que edificam nossa mente, pois não transgridem realidade alguma, mas edifica, embeleza, harmoniza, e posso dizer que criou-se algo que religou-se com o universo, pois se reuniram forças que equilibraram uma parte dele"...

Vi que o universo ao qual se referia não era o meu universo, nem mesmo o de todos ali, mas a junção de todos os universos que se equilibram com fins puros e desinteressados, mesmo porque não havia alguma inteligência que espreitasse ou tentasse estabelecer critérios dentro do detalhe exemplificado ou fora dele. Quero dizer que, desde que nos direcionamos a algo, com fins de equilíbrio, caímos em esferas humanas, as quais sintetizam o que a própria razão -- as vezes maculada -- se direciona e nos faz acreditar que estamos corretos.

Quando o grande e sagrado filósofo expôs seu ponto de vista quanto ao equilíbrio de forças, estaria, claro, em sua razão elevada, voltada aos princípios sagrados, assim com um faraó em suas petições aos deuses, com fins de melhorias ao seu povo; estava além. Costumeiro a ser impiedoso, no melhor sentido da palavra, o mestre sintetiza ali o que realmente precisamos, "urgente!", como ele mesmo sempre dizia, de reunir as diferenças com fins de embelezar o universo, a vida, em meio a um caos que formamos há séculos.

Mas não é fácil. 
Somos dotados de uma máscara impiedosa que nos fecha os olhos e nos abre brechas traseiras, sempre a observar a parte traseira de nossos passos e não o futuro, o que nos dificulta em realizações e até mesmo em compreender o que mestres, não apenas esse, nos passam com suas chaves, com seus brios e palavras, e certezas que, sem certeza, não as ouvimos.

de Volta

A mesa ainda estava lá, como princípio; o jarro embaixo do pano, e nossos olhos, arregalados, não sabiam o que dizer, nem mesmo fecharem-se, pois tínhamos medo de perder a beleza das explicações acerca de um mundo melhor, com homens integrados, harmonizados apesar das diferenças; medo de sair dali e não mais ouvir aquela voz contundente, forte, firme, soando tal qual uma sinfonia de Wagner em meio às batalhas.

O medo se foi, e vimos que era possível. A mesa e seus elementos que a compunham na concretização da beleza demonstravam não apenas nossos corpos sujos pela moda incoerente e sua falta de respeito à natureza, mas principalmente o universo humano em que residimos, presidimos e mal sabemos com ele lidar pela falta de "tempo"... 

Mal sabemos que o tempo não nos falta, mas nos sobra, até mesmo nos ensina, pois quando se envelhece, quando se percebe que a pressa é a nossa maior inimiga, já é tarde -- por isso, o medo. Não precisamos ter medo, mas sim, olhar atentos ao que está por trás de cada elemento vivo, saber o que nos trás, o que há em sua sombra... Não é difícil, mas urge buscarmos a beleza no equilíbrio, nas forças antagônicas, sejam elas com fins internos ou externos, porque se decaímos em modas que dizem que organização, ordem e equilíbrio nada mais são que coisas arcaicas, que o que vale é ser feliz... desconfie.














___________________________
*Jorge A. Livrarga

sexta-feira, 19 de outubro de 2018

O Véu da Beleza

Com tudo que está nos acontecendo, com todos os véus do terror nos cobrindo a alma, o que podemos fazer?... As flores ainda são belas, o sol ainda nasce tranquilo, as cascatas são livres a cair, como véus de noiva ao chão, mas nossos olhos, tão fatigados de terror, se desvencilham da beleza como que por fuga de uma realidade que temos que abraçar; no entanto, crises políticas, religiosas, familiares, sociais, em todos os âmbitos, elevam nossa frialdade pessoal, a decair nossa vontade, nossos passos em direção ao Céu.

A beleza está ali, presa, pétrea, a espera do homem a ser enxergada não somente como um valor, mas como uma necessidade de se ver, elevar e degustar do mais simples pedaço do paraíso que se resguarda, com certeza, dentro de cada um, e ao mesmo tempo esvoaçante, em suas árvores, tais quais cabelos de mulher, ou mesmo um rio puro, intocável, a espera de um vento que o desvirgine, e sorri aos pés do homem simbolizando a horizontalidade da vida, da matéria cíclica e bela.

É por isso que não podemos nos influenciar pelo não belo, pelo apenas "bonito", ou mesmo modernismo sem pernas, como em quadros nos aparece a demonstrar as dores do homem e às vezes de uma civilização que um dia sofreu, nos instigando a pobreza interna, ou como diriam os especialistas, o que é de mais "necessário..." em nós. O terror em nós se edifica assim.

A Beleza deve ser contada em forma de poesias, contos, de mitos, lendas e heroísmos, vista em forma de quadros belos nos quais o próprio ser se encontra, ou um pouco do que somos, em nossa consciência mais pura e virgem. Tomar cuidado com a beleza em forma de violência, que nos desfaz o que plantamos, colhemos e historicamente ressarcimos em nome da paz; procurar, nas mínimas coisas, o que nos satisfaz não externa, mas internamente, ainda que seja difícil para um invólucro acostumado à maldição de músicas hediondas, de peças e obras inexatas, nas quais a pobreza, o mal, o desamor, a sexualidade predominam, simplesmente pelo fato de que personalidades não entenderem o porquê da força humana em ser simplesmente humano.

Isso não se encontra em sistemas. Talvez em um: o nosso. Um sistema feito de Justiça, Beleza e Verdade, como sempre o diziam os mestres antigos os quais sempre salientaram que somos aqui o que reflete lá em cima. É verdade. Platão disse um dia que a terra é como um ser, um grande ser: tem alma, corpo e espírito, e nela estamos como engrenagens naturais, minúsculas, assim como uma grande máquina possui seu parafusos, ruelas, mecanismos que não se podem mexer -- e Aristóteles, mais tarde, copia isso de forma literal ao mundo.

Na verdade, o que move a tudo além do físico são os ideais que temos em relação às estrelas, aos céus, à terra, a tudo. Todos os ideais se encontram, assim como paralelas einstenianas que se unem no final, porque todas elas, diferentes, se assemelham e se unem em prol do crescimento espiritual do mundo.

A Parte que nos Falta

"É ótimo ter dúvidas, mas é muito melhor respondê-las"  A sensação é de que todos te deixaram. Não há mais ninguém ao seu lado....