sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Teatro e o Ser


Um dia um grande professor nos disse em sala de aula. “Quando o artista sai de cena, ele se desfaz das roupas, da personagem e volta a ser ele mesmo. E quando sabemos que não somos o que vemos, no que acreditamos ser? Conseguimos nos desfazer de nós mesmos? Difícil”, completa.

Ele sintetiza o que os gregos chamavam de persona, uma máscara que acreditavam existir em nós, como uma capa que “cobre” o que realmente somos: um ser. Um espírito. Hoje, como diz o mestre, é fácil se desfazer alegorias da dramaturgia, mas como o faremos se percebemos que tudo isso que nos cobre é outra “fantasia”, uma máscara?

O teatro se revela universal justamente por isso, isto é, tenta nos revelar que até mesmo as coisas mais metafísicas ou que achamos como tal são meras máscaras, e o que realmente são vivem em um mundo perfeito – é o que Platão chamara de mundo das Ideias.

Mas transportando para o nosso mundo, podemos dizer que também temos o nosso mundo das ideias, de forma micro, assim como todas as coisas o têm. Contudo, esse micromundo denominamos Ser, aquilo que é intocável, indivisível, que subjaz a tudo que vemos e sentimos, e que, na antiguidade, chamaram de nows no homem.

Cristo

Acreditavam os gregos, não somente, mas também outras culturas sábias, que tínhamos em nós a divindade, essa tão escondida quanto uma estrela de dia, ofuscada pelo sol. Acreditavam que essa estrela em nós era tão pura e perfeita, que jamais seria dita com palavras e sim codificada por aquele que tocasse pelo menos em suas margens, ou seja, somente os grandes avathares que, com sua mensagem tão simbólica quanto eles próprios, levaria à humanidade a Verdade, o Caminho e a Vida, ou seja, o próprio Ser, de maneira racional-alegorica, às vezes, em forma de mitos, parábolas, etc...

Cristo, um desses avathares, com suas palavras codificadas, nos dá até hoje uma ideia do que seria o ser: “Somente a Verdade o libertarás”, aqui a Verdade jamais pode ser compreendida de maneira relativa, pois estamos falando de um individuo cuja natureza traspassou a nossa, estamos falando de um homem que se tornou o próprio Ser, ou seja a Verdade, o Caminho, a Vida – porém, ele estava se referindo ao nosso ser, aquele que em nós subjaz, e nos alertava que poderíamos ser um pouquinho avathar, na busca pela real verdade, pelo real caminho... isto é, estaríamos libertos se fôssemos nós mesmos, no sentido mais profundo da palavra.

“Venham a mim as criancinhas, pois somente os puros de coração têm o reino dos céus” – aqui, Cristo diz que, para que possamos obter o reino dos céus, é preciso que tenhamos a pureza tal qual uma criança, contudo conscientes, a fim de conhecer o próprio céu interior.




Nome Real

Ainda, quando Cristo dera o nome a Saulo de Paulo, sabia que em cada um de nós se resguardava um Nome, um ser; sabia que o nome a que damos aos nascituros são invenções nossas, mesmo que buscamos através da inspiração em rios, mares, montanhas, heróis, reis, comandantes... o nome, o Real nome, é apenas um – e cada um o tem individualmente. Por isso a cultura de algumas religiões de re-denominar aquele que entra para a seita. Cristo, por fazer Saulo seu discípulo, disse “a partir de agora, serás Paulo” – nome interno daquele individuo –; o avathar falava do espírito humano, da maneira mais própria.

E por essas e outras que é tão difícil relatar acerca do que está por detrás de tudo, embora saibamos. Sabemos ainda que divagamos e não temos uma experiência concreta do é o Ser, tudo parte de nossa personalidade, que se apaixona (por) e deseja tudo. E o que nos fez relativizar tudo tirou um pouco daquilo que é divino na natureza...

Um exemplo disso são as denominações dos Deuses – Zeus, Plutão, Netuno... – ao se referir às potencialidades que criaram o universo. Platão diz na república que um dos erros de Homero foi personificar as divindades, pois elas são vistas com olhares humanos, o que as distanciaria do que realmente são. Mas o homem não consegue sintetizar o que aprende e com ele ficar, ele sempre expõe o que sente, ama, admira, contudo, às vezes, quebrando o significado real das coisas – nesse caso, dos deuses.

E quando soubermos que não somos essa persona que se apaixona, ama, admira, come, bebe e age conforme os seus ditames? Será que vamos fazer o mesmo? Tentar relativizar o Ser em tudo que fazemos?

É o que o teatro faz, pelo menos fazia. Ele tenta demonstrar, pela nossa realidade, a maior das realidades, Deus – seja em nós, seja no uno. Todavia, sem vulgarizar, mas tentando se aproximar do significado do grande espírito.


Fico por aqui.

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