O mito que eu mais amo em discorrer talvez seja o de Dédalo e Ícaro, sobre o qual já falei muitas e muitas vezes nesse blog. Um mito que na antiguidade clássica fez link com uma realidade que perpassava na Grécia mitológica. No "Herói de Mil Faces", Joseph Campbell, cita um pouco do mito... "apenas àqueles que não conhecem nenhum chamado interno, nem uma doutrina externa, cabe verdadeiramente um destino desesperador; falo da maioria de nós, hoje, nesse labirinto fora e dentro do coração. Ai de nós! onde está a guia, esta afetuosa guia, essa afetuosa virgem, Ariadne, para nos fornecer a palavra simples que nos dará a coragem para enfrentar o Minotauro e, depois, os meios para encontrarmos o caminho para a liberdade, quando monstro tiver sido encontrado e morto?".
Como que perdido em suas entranhas emocionais e quiçá psicológicas, o homem pretende se encontrar com seus mitos, e neles sobreviver com suas ferramentas, com fim de elevar-se internamente. Para isso, nos deram ele, e no mito formas variadas de figuras com as quais nos concatenamos, elucidamos, e descobrimos o que somos. Por isso que 'herdamos' essa reflexão íntima, dentro da qual vários oceanos, até mesmo poços, das mais variadas criaturas horrendas, circundam e nos intrigam a alma.
É nela, na alma, esse pequeno 'nows' que desafia a racionalidade humana, que tais criaturas surgem e desaparecem. É nela, nesse segundo ser, que Dédalos e Ícaros se transformam em heróis, voam como homens em uma fuga espetacular e nos ensinam -- até mesmo moralmente -- que temos nossas limitações quando desobedecemos os critérios do Caminho ao sagrado, ou como diria na Índia, à Retação, ao Darma, como se fôssemos meros seres que vieram ao mundo a passeio.
A Alma Inteligente não nos fez por acaso, assim como não fez os outros seres da mesma forma. Cada um descobre, por meio de seus mitos, seu papel nessa Organização. Dédalo, como o pai de Ícaro, o construtor de nosso Labirinto, onde havia nosso maior medo (o Minotauro), trabalha em prol do espírito a comandar seu filho, cuja mente racional pensou somente em duvidar das palavras do pai, enquanto que este, já sábio da natureza, dedicou-lhe a confiança -- assim como sempre se confia, -- e viu que era preciso mais que palavras para fazer seu pequeno e fiel filho acreditar que o Equilíbrio entre duas forças era a forma de lidar com o Mundo.
Aqui, nesse momento, temas como Justiça, Ética, Força de Vontade, Amor, Moral, Temperança, colidem de forma explosiva e ao mesmo tempo transcende o que normalmente temos como tais em nossa cultura. No entanto, podemos ver, nesse mesmo mito, como foi elucidado pelo autor acima (Campbell), que fora construído um grande labirinto a demonstrar o quão somos complexos internamente, e não aceitamos duelar com o que temos dentro dele -- o grande monstro do vaidosismo, (o leão com o qual Hércules lutou), o Seth (egípcio), entre outros, enfim, o Minotauro, parte homem, parte touro.
Isto é, queremos entender o porquê da liberdade em nossos corações, o voar da alma, o querer sem querer, a vontade de ir embora da Caverna, ou mesmo refletir acerca do que podemos ou não quando alçamos voo. Tudo não passa de meros racionalismos enfadonhos (e humanos, claro), se não dermos passos em prol de matar o que mais nos põe em dúvida quanto às nossas possiblidades. Busquemos assim Ariadne, a forma mais simples de lidar com nossos vícios, exterminá-los e voltar à busca organizada, à Filosofia.
Acreditemos.