sexta-feira, 12 de novembro de 2010

A Brisa do Mal


Em uma conversa bem informal acerca de tudo, com uma colega de trabalho, fiquei pensativo com o que ela me disse sobre um homem que havia cometido um crime e que havia passado quarenta anos preso. Até aí, normal. Mas o que me fez refletir não foi isso, e sim o que ele disse ao sair da cadeia. “Nossa, como as pessoas estão diferentes. Todas andam apressadas, com telefones no ouvido, outras escutando musicas; elas não olham uma para as outras; realmente, muita coisa mudou!”.

Não sei bem se ele disse dessa forma, ou mesmo disse, não sei o nome dele, nem mesmo o crime que cometeu, mas uma coisa é certa: ele foi em cima de uma ferida que assola uma sociedade: a falta de amor, de humanidade, de carinho... Enfim, não necessariamente nessa ordem, ele simplesmente cutucou, com sua voz sóbria, com seu pensamento simples e profundo, o que se revela nas manhãs, nas noites; o que se revela no trabalho, na família, em todos os cantos do planeta onde há seres humanos: o mal que se alastra em forma de violência, de construção de cercas, de desentendimentos, de corrupção...

Tudo isso gera a separatividade – o medo do próprio ser humano. Medo de que sejamos assaltados, ofendidos, falados, presos, injustiçados, barrados, discriminados nos faz passar perto, olhar para cima, para o lado, olhar de viés, de soslaio; com o olhar para baixo... Não há como parar. É uma avalanche fria de natureza metafórica a desabar nos telhados de nossas casas.

A mãe com medo de deixar o filho brincar com o outro por causa da cor dele, ou pelo fato de ser pobre, ou pelo medo de que as crianças gerem conflitos com os quais o vizinho pode querer se intrigar... Medo da falta de educação alheia, na qual a ofensa é estandarte, e até mesmo a própria violência, em voga em qualquer lugar, se situa.

Criou-se depois do medo o pânico. Uma forma de medo maior. Com ela, não se sai de casa e se assiste a vídeos, escutam-se rádios, mas, na mesma casa, não se falam, não se amam, e se odeiam, pois ideias contraditórias geram discussões, e nelas gera-se separação de irmãos, filhos, mães... Pais.

O pânico nos trouxe a dor não partilhada. Não se fala mais em ajudar a pessoa sem que seja “pelo amor de Deus”, caso contrário, não se ajuda a ninguém... O mal está feito. Está lacrado em nossas mentes. E a construção do século da solidão se vê nas mortes organizadas em boates por jovens que desatinam a se drogar, a dançar ritmos frenéticos em nome do nada ou em nome do tudo que lhe acontece na pobre vida rica.

Lá vem o andarilho a pedir uma informação, pois está perdido, todavia vai continuar... o medo nos fez correr apressados, nos fez ter medo daquele homem com aparência sombria, medo do velho, do novo, da criança que carrega algo, pois, a depender de sua cor, pode ser que seja um pequeno ladrão – e então corremos.

Um homem caído no chão. E vai continuar caído. Não há ninguém que possa perguntar o porquê de seu estado, o porquê de ele estar ali caído, em meio a uma multidão tão fria quanto aquela avalanche.

La vai uma senhora atravessando a rua. Pega-se em seu braço. Leva-se uma cotovelada. Vem um palavrão. O medo criado pelo século dos homens maus a fez criteriosa em relação aos seres humanos. Será que estamos cegos?


A televisão nos ajuda a discriminar -- com exceção de raríssimos programas – e propagar esse mal nas ruas e vias por onde passamos; assim somos obrigados a acreditar na imprensa que determinadas cidades estão hiperviolentas e que os bandidos estão tomando conta das sociedades. Até mesmo os bandidos acreditam nisso! E juntando a fome com a vontade de comer, ninguém sai de casa, apenas o malandro a roubar seu carro, a espreitar sua casa; o bandido, a planejar o assalto a prédios, casas; armados até a cintura, a caminhar em morros, em nossa própria rua, graças às manifestações inconscientes de que o mundo é dos bandidos...

Assim, o medo é deflagrado, surtindo efeito até em autoridades que se julgam justas, mas não saem de suas casas com menos de trinta seguranças. Seriam justas, no entanto, se usassem a inteligência e desmistificasse a lenda do bandido que entra e toma facilmente; desmitificasse a lenda de que somos medrosos e que o a arma é o único remédio a uma sociedade presa em seu próprio lar.

E a cada dia, olhar para o próximo fica cada dia mais difícil. Entender suas pretensões, saber o que guarda em seu coração, saber se somos irmãos, e descobrir que temos ideais em comum, fica mais difícil ainda.




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"É ótimo ter dúvidas, mas é muito melhor respondê-las"  A sensação é de que todos te deixaram. Não há mais ninguém ao seu lado....