quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Castelos de Areia





Hoje, em meio a uma sociedade que discrimina, que nos separa um do outro como se fôssemos eternos doentes – leprosos (!) – o idoso se vai. Cansado, se arrastando em frente à calçada, na tentativa de ser visto e contar uma história jocosa ou mesmo séria seja para um adulto ou mesmo para um jovem sem rumo, ele vem calado, preso a seu mundo, querendo ser forte e não chorar ao vento...

O mundo é cruel. Nem mesmo os filhos e netos dão mais espaço ao idoso, pelo fato de a grande mídia acelerar o rumo da história e o fazer se perder em sua realidade, esquecendo-se de que, ali, ao seu lado, a história em pessoa claudica, quase se acabando em dores na coluna, no coração... Mas o pior é que a mesma história é uma pessoa e precisa ser ouvida, senão morre e seu castelo desaba em uma praia deserta sem mesmo alguém tê-lo visto, apreciado ou amado... A pior dor é aquela que não há médico para curar.

As ruínas, assim, se fazem. Depois de entender que somos mais cruéis que nazistas uniformizados, não queremos envelhecer. A propaganda maciça em torno do idoso é tão fria e incabível que – para os sensatos – a morte a eles já chegou. A partir do filho, passando pelos netos, família, sociedade, depois governo, observa-se que a há paredões de fuzilamentos metafóricos, nos quais nós mesmos somos o pelotão, com a pior das armas: a tentativa de rejuvenescer com plásticas, cirurgias no corpo, remédios forçosos, enfim, confrontando com a natureza indestrutível, despejando no rosto da vida o ódio de ser idoso esquecido... O ódio e a vergonha de ser velho e com conhecimento em uma era cheia de seres vazios...!

E assim, não há mágoa, nem mesmo uma lágrima. Apenas esquecimento. Como na cultura Iglu, em que os mais velhos, depois de anos, são deixados ao relento... Aqui, a cultura se faz, mas se tratando de Ocidente não temos saída... somos realmente desumanos.

Espelhos

Ao olharmos a espécie humana de forma discriminante, estamos nos vendo em um grande espelho, no qual passamos despercebidos por nossa grande inveja, egoísmo, frialdade (não a inorgânica da terra), e com uma lucidez fora do comum, quer dizer, temos “consciência do que fazemos” (!) e preferimos ser o que (não) somos; alimentar nossos defeitos, levá-los ao jantar à noite, no almoço, no café da manhã, e aos parques junto com os filhos...

Somos realmente insensatos. Preferimos retardar nosso conhecimento e viver uma eterna vida de Hilanders ignóbeis, com nossa alma antiga, a encarar nossas idades e entender que juventude não tem nada a ver com liberdades relativas, mas sim quando temos nosso espírito “banhado de ideais” – como dizia um filósofo.

Mas não é somente a juventude que decrepita ainda mais o homem. É a própria cultura pobre que nos bate à porta com seu cinismo, lembrando do idoso como um ser a ser cultivado com respeito, mas, por trás, a mesma cultura o atropela, o mata, e destrói todas as suas expectativas de vida e morte – nem mesmo a morte o quer, às vezes, pois, em seu leito, demora partir...


Civilização

Mal sabemos nós que, no passado, na longínqua Grécia, na grande Esparta, ser idoso era sinal de conhecimento, divindade. Todos eram tratados como seres divinos que andavam entre os seres normais, pois havia neles tanta juventude, em seu modo de lidar com a vida, em suas doces palavras, que jovens faziam rodas em torno deles, sempre querendo ouvir suas histórias de guerras passadas, de heroísmo, de companheirismo, sempre regadas à filosofia, ou seja, com muita humildade e amor.

Transbordavam contos, mitos, lendas de suas bocas. Seu modo de vestir era tal qual a deuses que transformavam a simplicidade em troféus. Em Esparta, a cada evento esportivo, quando chegavam velhos para a eles assistir, todos se levantavam, aplaudiam, clamavam até aquela criatura doce e ao mesmo tempo forte se sentar.

Na antiga Roma, o senado era feito de senhores anciãos, os quais eram trazidos de famílias nobres, nas quais estes eram como heróis que por disciplina e amor ao país, eram escolhidos para compor o quadro dos grandes homens do senado romano. Não era pouco. O legado desses homens era incomparável. Até mesmo quando Roma era invadida o próprio senado ficava por ultimo, não pela proteção, mas, pelo respeito dos inimigos.

Conta-se uma história que diz que, quando Roma fora invadida pelos bárbaros (de novo!), um dos senadores saiu às ruas para ver a guerra entre os homens. Um dos soldados viu aquele ser fantasticamente vestido, com uma barba branca belíssima, com uma seriedade além do normal em seus olhos, parou, ajoelhou-se vislumbrado, mas fora golpeado pelo senhor que, acima de tudo, era romano.

A Falta de Ideal

A questão, porém, é que fugimos de nossas obrigações tais quais vampiros de cruzes, talvez mais. A velhice mora aí. Na falta de atitudes em relação à própria vida, na falta de objetivos a serem realizados, ainda que estes estejam pertinho de nós; assim, nesse medo de nos depararmos com o mistério da louça lavada, da cama arrumada, das meias enroladas uma nas outras... Percebemos que o maior dos mistérios não é correr à noite, com medo dos traficantes, ou mesmo ir à lua em busca de água, não. Mas ali, em nossa casa, como o cálice do rei que mandara ir atrás dele nas grandes florestas, e que na verdade estava ali, ao seu lado... Ser velho é ter medo de experiências simples, sejam elas quais forem, ou mesmo aquelas que exigem um pouco mais de nós. Ser velho pela idade é acreditar que aquele adolescente que ‘morre’ nos sofá, assistindo à TV, é tão jovem quanto o idoso que dá voltas e voltas de bicicletas no parque, que surfa, que trabalha até altas horas e, no outro dia, nos parece um robô novinho!

Nunca, jamais deveríamos nos reportar a um senhor de idade como se fosse um ser que já terminou seu trabalho na vida, e que já se prepara para a partida final. Tenho a certeza que, partindo desse ponto, estaremos nos enganando sempre... Tudo isso são mistérios naturais pelos quais devemos passar com naturalidade, sem forçar a vida, sem querer ser o que não fomos ou não somos. Um desafio, talvez.

Os mistérios, tais qual o cálice, estão ao nosso redor, loucos para serem desvendados, como crianças que querem brincar de esconder e depois colocar a cabecinha e dizer “achô!”... Querem ser vistos e nos dar mais pistas para novos mistérios, mais, mais e mais... São infindáveis.

De volta ao nosso Século

Olhemos com amor todos eles. Olhemos seu passado, e, a partir dele, sejamos corteses, amigos, irmãos, netos... Sei lá... Mas escutemos o que eles têm a dizer, ainda que sejam coisas simples, bobas, as quais se assemelham a das crianças. Vamos rever nossos conceitos de velhice, de amor ao próximo, de juventude, de humanidade... E se ainda nada em ti modifica, lembre-se: um dia serás um deles. É a lei.






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"É ótimo ter dúvidas, mas é muito melhor respondê-las"  A sensação é de que todos te deixaram. Não há mais ninguém ao seu lado....