Mas, amigão – assim me chamava, então assim o chamo agora – quando se fora (não sei se tu se lembras), o nosso time querido, o Fluminense, tinha conseguido vencer o Coritiba, no campo deles, em uma jornada espetacular que o fez o melhor time de dois mil e nove, ainda que fosse contra o rebaixamento, mas espetacular pelo fato de que não conseguira perder uma partida, em dezessete, e se perdesse um vinte cinco avos de alguma delas, estaríamos hoje presos no mundo desconhecido da maioria: a segunda divisão!
Fomos patriotas de um time, pois fizemos naquele dia, no domingo, em nosso ultimo jogo, o símbolo do clube como a um país. Lutamos, morremos, ressuscitamos, sangramos, renascemos... Foi como se fosse a era dos romanos na qual a vida era sinônimo de batalha, e dentro dela os símbolos como referenciais. A camisa, o escudo; os jogadores, guerreiros imortais, à beira de enlouquecer para que o país não caísse e que seus indivíduos – a torcida – não caísse ou morresse junto.
As “gladiações” até o fim se mostraram cheias de técnicas, de uma qualidade grega; em seus ataques, nem mesmo o conjunto persa poderia se igualar, contudo, foi semelhante à frota grega que o Fluminense percorreu todo o trajeto de seu mar de fúrias, em meio a times fantásticos, cuja destreza em honraria não se toca, porém não tinham a força e a beleza de seu escudo, que os cegava, e às vezes os fazia se entregar antes da partida...
Assim, o nosso time, no ano em que você, meu irmão, se fora, conseguiu se levantar e dar mais uma lição a todos. Pena que não estavas por perto para sentir a beleza dos gols e da juventude de cada ataque... Pena que você se foi.
Hoje, meu querido amigo-irmão, embora ausente, nos lembramos de você como se ainda estivesses aqui, do nosso lado, a torcer feito louco por nosso time. Conheço muitos que torcem, que vão à loucura, mas você era o único que tinha a cara do Fluminense-guerreiro, de jovem, de um ser belo que brilhava ao longe sem ter o sol por perto, assim você era. Todavia, sua estrela se foi, e brilhas sorrindo ao longe em algum lugar e em nosso coração...
E o Fluminense? – vou te contar!
Depois de despedirmos um dos melhores técnicos do campeonato pasado, contratamos um ranzinza, cachorro, mau caráter, contudo de uma disciplina fora do comum. Seu nome Muricy Ramalho; é, aquele mesmo que derrotamos na Libertadores quando técnico do São Paulo, com o gol do Washington, que, esse ano... Pelo amor de Deus! Contratamos também Deco, o luso-jogador, que, após dez anos fora do Brasil fazendo festas na Europa, veio mostrar sua elegância. Trouxemos a pedido o chutador de grama Washington, que fora para o São Paulo, e retornou para chutar o gramado do Maracanã (por isso, em reforma!), mas que nos deu valentia em seu jogo.
Não terminei. Trouxemos da Europa Beletti, ou Delletti !, sei lá... Não sei por quê! De todas as partidas que participou empurrou, caiu, sai, tomou cartão, ficou no banco e pronto. Mas Muricy sabia das coisas...!
De todos os times que estavam no Brasileirão, o Flu foi o único que fez belas contratações a pedido do novo técnico e conseguiu fincar o pé no topo até o fim. Seguido por Corínthias e Cruzeiro, este último com o nosso Cuca, ou ex-nosso como diria Vicente Matheus, comendo pelas beiradas e quase, no fim, levando o caneco. O time de Ronaldo ‘Gorducho’, o menino prodígio da Globo e demais emissoras, veio com os seus cem anos de corrupção e besteirol como o time favorito para vencer a competição. Mesmo assim, com toda a festa, com toda a mídia a favor... Com corrupção à vista e a prazo, saltando os olhos do torcedor, ficaram com o terceiro lugar... Esqueceram que, na ponta, um dos maiores times do século estava despontando de novo, só que agora para vencer o campeonato, não para deixar o rebaixamento... Esse foi o mal da mídia: apoiaram o time errado, novamente...
Com Conca – o melhor centro-esquerda, atacante, meio-campista do planeta – o fluminense acendeu a chama da vitória antes de receber o prêmio. O brilho do argentino cegou todos os outros, em cada passe, em cada drible, e em cada gol. Ele tinha na veia a alma de um jogador brasileiro, a força argentina e a simplicidade de um pequeno mestre. Claro que não fora o único... Temos Mariano, o craque da meia-direita, contratado para a Seleção; na meio-esquerda, Carlinhos, que gosta de partir para cima dos zagueiros; Gum, Leandro Euzébio e o novato Bob, da base do Flu, ricos em sabedoria. Não nos esquecendo do Tartá, que caía na grande área apenas para cravar nosso bendito pênalti... Que mala maravilhoso; Rodriguinho, o atacante que passava por todos, mas que fingia dores quando chegava perto da meia-lua, Washington, o coração valente, que surtava com a bola, todo confuso, semelhante a crianças quando se enrola em fios de telefone.. Mas que merecia todo o respeito por ter sido o grande goleador de dois mil e oito pelo clube.
Havia outros, mas um, apenas um me fazia lembrar de você o tempo todo, meu querido João de Deus. Lembra-se de nossa última conversa por telefone, quando estavas enfermo em São Paulo? Pois é... Mesmo cheio de fios nas narinas, com a voz rouca de tantos remédios e cansaço... Você disse bem baixinho “O Fred vai pegar! O Fred vai pegar”!! – foi a deixa, naquele ano, para que eu nunca mais esquecesse o quanto você era o símbolo das batalhas gloriosas. E Fred, o grande atacante vindo para nos defender em dois mil e oito, não esteve presente em noventa e oito por cento das partidas; entretanto, para lembrar de você, o colocaram nas últimas partidas, “cheio do gás” (quase acabando...!), saltitando feito garoto no meio de índios Guaranis, atormentando a tribo, levando à loucura a torcida tricolor. Ali você estava, meu amigo.
O campo, não o mesmo de antes, era o Engenhão, campo do Botafogo, que botamos fogo a cada jogo, lotado. Nele, bandeiras tricolores com os grandes nomes pediam até mesmo a benção do papa João Paulo II para o time não descarrilar de novo como na copa Libertadores, como na Sul Americana, enfim, não saísse do trilho e caminhasse, como caminhou, com suas próprias pernas...
Vinte e seis anos depois, o Flu, meu querido irmão, não como naquela época, mil novecentos e oitenta e quatro, veio como um furacão cheio de vinganças na veia; cheio de ressentimentos de um passado que o fez descer até a terceirona – ganhando, claro, todos de lá pra cá; mas que, apesar de suas vitórias incontestáveis, sofreu com injustiças advindas de falatórios invejosos; mas o Flu renasce. Faz das injustiças degraus para a sua ascensão e glória, que hoje o fez ser o time estrela guia de todos os outros... Assim, vencemos o Brasileirão, superamos as dores, superamos a nós mesmos...
E nessa festa que se inicia, a lembrança do Flu é a sua lembrança. Em cada esquina, de carro ou não, com a camisa tricolor suja ou não, retrô ou não, iniciamos a era de um novo sol que nasce, agora, com três cores – Tricolor – ardendo de tanto sorrir, obrigando a todos olhar para cima e sentir esse sol, e como tatuagem ficar em nossos corações para sempre – semelhante a você, irmão.
Estamos todos com saudades.
A Tradição não pode ser esquecida. Somos filhos dela, portanto nosso valor está em preservá-la.
terça-feira, 7 de dezembro de 2010
Cartão a um irmão tricolor
E aí, meu querido, como vão as coisas por aí? “Por aí” que eu falo não quer dizer pelas redondezas, não, e sim pelos caminhos cármicos além-vida por onde passas agora. Claro que não podes me dizer, gesticular, me transferir pensamentos... Enfim, apenas a tua imagem bela de irmão saudável pipoca em nossas mentes como forma de comunicação; apenas a imagem de um guerreiro em seus últimos dias no hospital diz-nos o que realmente fora: um servo, um discípulo da luta, tentando nos passar a alegria que o acompanhou durante toda a sua vida... Esse é o maior legado de um homem que passou a vida tendo como espelho seu pai – o velho ‘Piaba’.
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