segunda-feira, 26 de novembro de 2018

A Xícara Quebrou

Apegar-se aos bens, ainda que se pareça ridículo, é natural. Tão natural quanto morrer em função deles, dar a vida por eles, mesmo sabendo que não se pode nada fazer. Tudo se vai, até mesmo o mais belo sol de uma galaxia distante, que explode dando lugar a outros sóis, mundos, galaxias, enfim; entretanto quando esse ego longínquo deixa de sê-lo, se infiltra em nosso cotidiano imaginário ou como peças de um bem-querer, semelhante a um ser que fez parte de nossas almas até então, torna-se perigoso.

Não é de hoje, claro, que adotamos esse princípio: de levar para si o que é da terra, o que é de sua origem. Nossas mentes, corpos e almas funcionam em favor de uma centralidade natural, o que facilita a entrada de exércitos inteiros de forças que nos incitam a tomá-los e a reivindicá-los, o que na realidade nos faz dependentes daquilo que não temos e nunca tivemos. Parece que é de nossa natureza amar o que não é para ser amado... 

Antes de amar, talvez, deveríamos respeitar todo o processo pelo qual todo aquele exército passou, entrou e fez parte de nossas vidas. A questão, no entanto, é que somos crianças no sentido eterno da palavra, pois acreditamos que tudo não passa de brinquedos imensos sobre os quais temos direitos, e não é bem assim. Não temos direito a nada, a não ser deixar que a liberdade faça parte daquilo que adotamos como nosso.

O que seria a liberdade nesse caso? Deixar que as leis se façam como que suficientes para determinar os dias e as horas daquele ou daquela pessoa em nossas vidas; para isso, porém, teríamos que adotar uma postura firme diante de tudo, inclusive das pequenas coisas com as quais vivemos: até mesmo antes da xícara que mamãe nos deu e que um dia vai quebrar! Imaginem do carro, das roupas, entre outros utensílios que damos a vida para obter...

Tudo isso, no entanto, se torna obsoleto, quando comparado ao "alguém", aquele ser que se infiltrou, em nossas vidas, desde que nascemos. Tudo é tudo, tudo é divino, sagrado, perdoável, porém, também se vai. E quando se vai, nada é sagrado, nada é perfeito, divino, nada é nada...! O mundo não é mais mundo, as almas se perdem, corpos se titubeiam nas ruas, olhos não enxergam, luas e sóis não mais existem, apenas o chão que nos aparou com a queda que damos.

Isso me lembra o que um dia um grande filósofo pré-socrático nos disse a respeito da origem de cada um: se pensas que um dia não iremos morrer, lembre-se dos grandes homens do passado, da vida maravilhosa que tiveram e hoje fedem com esterco (nem isso mais) em suas covas. Outro, mestre desse último, dizia... Se quiser iniciar o desapego, comece com uma pequena xícara que quebrou, depois reflita sobre o que ela significava para você, e pense "ela voltou à sua origem"...

Mas tudo isso se desfaz, quando presos à matéria, às pessoas e ao mundo frágil das medalhas, como dizia Platão, ao citar a República, capítulo VII, sobre nossos apegos ao mundo das sombras, as quais norteiam nossas ideias de ter ou não, segundo o mestre grego. Lá, presos em algemas, indivíduos como nós, humanos, com ideais e projetos de crescimento, são (estamos) presos por amos que praticam seus "queres" junto a esses que nunca crescem, e são, como pequenos porcos, presos a cercados, a espera de prêmios.

Antes, penso, de obter sentimentos fortes em relação ao que pretendemos chamar de nosso, reflitamos sobre sua origem, inclusiva a sua. Pensemos no porquê daquele amor, mesmo sabendo que um dia tudo se vai. Amar, penso, não faz mal, muito pelo contrário: amar não é restringir a natureza do outro daquilo que adotamos como nosso, mas saber que um dia as coisas se vão em nome de sua natureza, ou mesmo do Amor, que pede, que muda, sempre, em nome de algo maior que nosso egoísmo.

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