Andar: para o bebê, um processo iniciático. |
Quando aprendi a andar -- não me lembro quando --, tenho a certeza de que muitos – assim como hoje, com suas crianças – tiveram a sensação de alivio e ao mesmo tempo coragem advinda de um ser que passara por tudo, inclusive dificuldades de equilíbrio, diferente das crianças que sempre conseguem, por si só, levantarem-se, ou, ao lado do pai e da mãe, com mãos dadas, darem seus primeiros passos...
No passado, uma enfermidade baixou em mim aos cinco anos, e tudo que havia aprendido tinha se ido, como em um filme a que assistimos, amamos e que nunca nos sai da lembrança... Mas nada se vai assim, sem deixar rastros.
O que ficara em mim, antes dos cinco anos, tornou-se um filme que ainda hoje me faz lembrar os dias em que brincava na parte traseira da casa principal, que era feita de madeira clássica, cujo banheiro, tão longe que se perdia nas matas, nos tirava a vontade de qualquer coisa...
Um filme no qual eu, penso, como protagonista, corria em meio àquele mato todo apenas para chegar ao outro lado do serrado e fazer o que devia, e não devia... – explico – pois havia plantações de feijão e melancia nas quais eu pisava sem saber o que era o quê, apenas pisava, sorria, e corria atrás de borboletas, e quando as pegava amarrava as danadas em uma linha fina de máquina, no meio de sua cabeça, às vezes em sua anteninha.
Assim, amarando a borboleta como se prende um cachorro pela coleira, eu as amarrava pela traseira, apenas para ver suas asas douradas a bater, restritas pela minha mão que segurava o outro lado da linha, sorridente. Eu domesticava as borboletas!
Meus irmãos, no entanto, achavam que eu não deveria brincar nas plantações, porque ali não era lugar. Eu, graças ao meu ouvido de mercador, tão feliz quanto qualquer vendedor de água no Piauí, apenas brincava...
Lembro-me do meu pai, que, antes da segunda parte de minha vida, dava-me brinquedos pequenos, porém inesquecíveis, e não me esqueço de uma girafa amarela, cheia de pintinhas pretas, macia, e que jamais me largava dela! Hoje, em razão disso, vejo e compreendo meu filho e seus dinossauros inseparáveis, haja o que houver!
Antes dos cinco anos, as lembranças não são muitas, mas meus olhos e mentes, quando adentrados nesse caminho em busca de lembranças, encontram seres belos, vidas simples, uma paz imensa, flores, árvores, abraços apertados... Enfim, é como se eu tivesse em dois mundos, no de hoje e naquele mundo, no qual podia tudo, inclusive comer terra inocentemente!...
A Linha Imaginária
Após meus cinco anos, tive que ir várias vezes ao hospital, pois foi constato um quadro de caxumba gravíssimo em mim, de modo que me deixara sequelas eternas. Não gosto de lembrar-me do resto, mas tudo que eu havia aprendido sobre caminhar... Tinha ido como fruta gostosa que nunca mais provaria.
Hoje, ando, corro, subo, desço, mas as sequelas do que houve em meu pobre corpo, faz-me ser um ser restrito a muitas coisas boas, mas a filosofia (o fio de Ariádne) me disse que nada é por acaso, e que temos que agradecer aos deuses por não ter sido pior. E me ensinou mais: que posso muitas coisas, ainda que esteja em meu limite, porém, coisas que superam outras pessoas que acreditam serem melhores em tudo. E acredito nisso, pois já participei de um número infindável de desafios...
Contudo, o maior desafio não é andar, penso. O maior deles é retirar de meus próprios passos, sejam simbólicos ou não, algo no qual possa me referenciar, e nunca desistir, pois mistérios são revelados todos os dias, em função de passos que damos em direções corretas.
Mistérios são como cavernas escuras, das quais muitos fogem, mas outros fazem questão de nelas adentrarem, apenas para saber se há ou não tesouros. A questão é que muitos, a maioria, temem que nessa caverna haja tantos morcegos, que não vale a pena pensar em tesouros, beleza, arte, paz...
Essa caverna somos nós, e os passos que damos são nada mais que nada menos a vontade de saber o que somos, ainda que tenhamos que encontrar morcegos. Mas passados os morcegos, vem a cascata a cair em forma de véu de noiva, do outro lado; vêm os pássaros de todas as espécies, árvores tão verdes quanto qualquer outra já vista; um ar tão puro que nossos pulmões falariam!
Em nome desse estado de bem-aventurança, vamos dar o primeiro passo!
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