Quais elementos fazem sair das sombras? |
Debaixo do colchões de cada um mora a consciência medrosa de
enfrentar o mundo, de conflitar com o próximo, de render-se ao desespero humano,
aos falsos guerreiros do dia a dia; debaixo dele estamos todos nós, cansados de
levar a dor no peito, onde se guarda a peça mais nobre do homem, o coração...
Ano após ano, temos que repensar o que fazer para, mesmo por
meio de uma olhadela, sair, olhar o mundo, o céu físico que nos espera para
apreciá-lo, ver as gaivotas, ou mesmo um sol que nos cega com tanta beleza. Mas
em nervos nos configuramos com o primeiro aperto de mão, com o primeiro abraço,
com o primeiro “Oi!”...
Contudo, as palavras saem, tão dispostas energicamente, que
acreditamos que chegamos à lua com o primeiro foguete feito com as próprias mãos!
Acreditamos que o universo é nosso, que somos dotados de forças mágicas, que
Deus acordou do nosso lado, que as estrelas brilharam por nós...!
E a ingenuidade contínua se faz nos primeiros passos, com os
pés firmes e fortes, a claudicar, agora pouco, em meio a brasas expostas por um
passado cuja fumaça ainda nos deixa rever o que somos: misteriosos seres em
busca do nada! Por quê?
Não queimamos o colchão, e em nossa consciência medrosa, o
aperto de mão, o abraço, as pegadas, as falas sempre estarão na contramão de
caminhos mais profundos, e medrosos, calados, em desespero, estaremos ao
encontrar elementos que nos faça voltar para debaixo dele – do coxão maldito.
Abrir os olhos sem medo. Levantar da cama, partir para o
banheiro, tomar o primeiro banho; chorar lágrimas reais e vê-las se confundir
com a água do chuveiro. Vestir-se, olhar a roupa mais simples, tentar levantar
o braço, a escolher a camisa, a calça, e após, o mais difícil, por as meias, as
quais sobre elas vão os sapatos, parceiros de campo, que brilham solitários nas
esquinas frias, onde o sol não bate.
Respirar fundo, bater no coração para se saber se ainda está
lá. Ao sentir seu ritmo, um sorriso breve, curto, preso, pois não podemos
demonstrar as razões de nossa alegria, mesmo que imbecil, aos flagelos humanos
que se dizem humanos. Cantar uma breve canção para aquecer o mundo,
harmonizar-se com as folhas que balançam, com as sombras das árvores frescas
que nos dão formas com seus galhos e troncos.
Sentir o cheiro da brisa, isso bem discretamente, como se estivéssemos
em uma missão secreta; mais uma vez, respirar, agora andar, ainda que trôpego,
em direção ao destino...O coração, acelerado, sabe o quanto vai sofrer; a
mente, se alimentando de fatos passados, cujos elementos são uma fornalha ao
dia, se encarrega de matar, radicalmente, o bem e o mal.
Estamos aqui, frente ao céu, às serras, às pontes, ao verde,
às construções modernas; estamos aqui, observando os pássaros, e eles, a nós, e
ainda pequenos carros, de onde estamos, a correr como pilotos profissionais, em
nome de algo, de alguém, ou por nada, por ninguém, talvez apenas pelo prazer
estar vivo, mais nada.
Ficamos aqui, a repensar a ideia dos colchões. O que faríamos sem
eles? Tão pequenos, duros, estreitos, tão... Compensadores, o que seriamos sem
eles? É uma das melhores ideias, talvez, depois dos grandes braços da mamãe,
que se foi, e não voltará. É mais um elemento metafórico, porém grandioso, pois
nos faz refletir acerca de tudo e do Todo, como crianças no frio, sem cobertor.
Hoje, temos uma maldição. O medo do que somos; o que
enfrentaremos, quem enfrentaremos, por quê? Qual o benefício de conflitar com o
outro, a necessidade vital disso? A resposta está em crescimento. Uma outra ideia em que devemos acreditar como toda
partícula que cresce, se transforma, desenvolve-se, torna-se uma grande árvore,
ou mesmo em um fruto doce, porém, sem antes passar seus mistérios, não há
fruto, não há semente, nada...
O medo do confronto é real. Para muitos, para isso, é
preciso que sejam a peça da dor, que sejam eles mesmo os monstros, um dragão, um
homem do mal, com sentido prático de levar a todos o que mais se teme, o
confronto. É mais fácil, mas ao mesmo tempo se vão as amizades, a família, ou
mesmo o melhor amigo, pelo simples fato de querer ser o monstro, não o
habitante que mora debaixo dos colchões...
Vamos refletir acerca disso.
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