Um dia um professor me perguntou, "por onde caminhas, filho?". Em princípio, não entendi, e levantei a cabeça, e falei, "oi, professor, tudo bem, falou comigo?", em uma falta de concentração mais do que falha, nos corredores de uma sala ornamentada de deuses gregos, egípcios, dos quais sabíamos tanta coisa e ao mesmo tempo nada, no entanto, naquela hora, eu, aluno daquele lugar incomensurável e belo, estava cabisbaixo, mas pensante... "Ah, sim, professor, desculpe!", corrigi.
"Para onde caminhas, meu querido?", salientou mais uma vez, dessa, com um sorriso estampado em seu rosto redondo como um sol, o qual descompassava com seus cabelos rentes ao coro cabeludo, híbrido de raças presentes e passadas. "Eu estou indo para a biblioteca, professor!", disse eu, retribuindo o aspecto facial do mestre. "Não, essa não é a resposta", disse, com outro ar de riso, mais acentuado ainda. "Diga, estou no caminho dos mestres!" - e saiu, com sua enigmática pessoa, acenando a outros que passavam por ali.
...Parecia-me a Grécia Clássica, na qual ambulantes (caminhantes) se tombavam um ao outro por não enxergar por onde andavam. Por um instante, eu estava lá, e quando me veio a figura do mestre, até mesmo a estrutura da escola se assemelhou às escolas de mistérios, nas quais discípulos e mestres, singularmente, se viam, dialogavam, refletiam suas questões mais complexas e voltavam a caminhar como nobres que eram.
Na realidade, não sei como eram exatamente as escolas de mistérios por dentro, mas posso pensar e de repente lá estou, como um pequeno mosquito que pousou na roupa de um Platão, de um Aristóteles, sei lá, e ouviu pérolas acerca do Mito da Caverna, da Justiça, do Amor, da Verdade, e dos deuses; das indagações profundas de Aristóteles sobre a Teoria do Mundo das Ideias, enfim, seria, para mim, o início real da vida.
Entretanto, fiquei-me questionando a respeito do que o mestre, no corredor, me disse. Foi-me mais que uma reflexão, foi um princípio, o início de um "Big Bang" no meu meu interior. Ainda que muitas coisas depois disso tenham me ocorrido, nada me tirou daquele momento, daquela indagação, que, tenho a certeza de que para muitos, não apenas a mim, teria sido ou foi o pontapé de uma nova vida... Contudo... Não foi.
Em razão de minha origem humilde, de escassez de recursos capitais, da falta de responsáveis para suprir as necessidades básicas de uma casa, tive que quebrar muros, destronar princípios que eu nem sei se tinha, trabalhar na consecução de objetivos rápidos, levar uma família ao sentido de existência básico, e depois... pensar em Filosofia. Esse foi o meu erro.
Tudo poderia ter sido feito com ela, com esse fenômeno natural, que nos faz amar o conhecimento, ultrapassar barreiras, mas da ignorância, quebrar muros, mas simbólicos! reconhecer que internamente temos princípios e saber que objetivos são sempre objetivos, sempre respeitando seus trejeitos. Assim, poderia caminhar, livre, em nome de algo maior, ainda que fosse devagar, mas o que foi feito, foi feito.
Quando me encontrei com aquele professor no corredor, eu já tinha quebrado regras, ultrapassado limites, pisado em lamas, esquecido da hereditariedade natural das coisas, morrido e ressuscitado, e estado ali como uma testemunha de que a vida nos dá chances. Hoje, sei, te-o-ri-ca-men-te, que a vida não é injusta, mas justa em todos os sentidos; que cada partícula do universo tem sua relevância, tem seu trabalho; sei que trabalhar com o oculto é uma prova de ignorância e que para os mestres é prova de humildade.
Aprendi que a vida que levamos é uma forma micro da grande e maravilhosa vida que nos cobre, nos assusta e nos faz acreditar em milagres, mistérios, deuses, passados e futuros, e sei que há uma grande Organização na qual não sabemos seu limite, mas que é extremamente fiel ao seu Princípio de Ordem.
E mesmo sabendo acerca de Princípio te-o-ri-ca-men-te, nos sentimos donos de nossas vidas, de vidas alheias, do próximo, daquele que nasce, do que nasceu, e até mesmo dos bens naturais, os quais já fazem parte do Todo há milênios!
"Mestre, quanto ao caminho que para onde vou e passo, não sei, mas sei que a cada passo que dou, dentro ou fora dessa linha imaginária, sofro e volto, como um filho no colo da mãe; dessa vez, no entanto, em vosso colo".
Nenhum comentário:
Postar um comentário