"Não nos acostumamos a nem mesmo àquele bicho papão que fica debaixo de nossas camas! E queremos nos acostumar com a morte?..", dizia um grande homem de quem ouvi essa frase quando minhas aulas de filosofia estavam no ápice de minha vida. Desde aquele dia, penso severamente no significado dela, tentando compreender profundamente o que queria o mestre dizer.
A força das palavras, talvez, fosse o princípio de tudo, mesmo porque já tinha ouvido coisas maiores, melhores, mas, enfim, era uma aula na qual estávamos atenciosos e presos àquela figura lendária, que circulava como poucos naquele metro quadrado com o qual aprendera lidar desde que tomou a grande pílula que mudaria não somente a sua vida, mas também às nossas.
E quando dizia aquelas coisas, sabia que cada um as levaria para o seu leito e refletiria acerca de tudo que era dado naqueles dias tão brilhantes. Não era apenas uma aula, mas a tentativa de nos direcionar a algo maior, mais forte, eterno, e ao pronunciar-se em minha direção, pensava que era comigo, mas não, era a sua forma de lidar com o foco, o qual era distribuído a todos. Ele não jogava, não pedia, não se cansava...
Ante a essa montanha de experiências, nos entregamos, levamos para casa cada palavra, praticamos, dentro de nossos próprios trejeitos. Tínhamos um pouco de medo em mudar nossas vidas, regadas a conforto, a programas de tevê, a filmes que nunca acabavam, a festas familiares, ao medo que adorávamos, pois nos restringia a dar passos ao ponto de, na maioria das vezes, nos fazer bater no peito de dizer que não tínhamos nada a ver com o próximo...
O medo nos guia até agora, só que de maneira mais leve e estratégica. Não nos faz recuar, nem mesmo correr de nossos mundos, pessoas, espaços, infinito... Enfim, o medo, essa energia que se inicia no homem, hoje, me serve como aliada ao que posso e não posso, ao que devo e ao que não devo fazer. "Lembrem-se da criança que não quer andar nos brinquedos mais perigosos do parque, mas, mesmo assim, vai", dizia.
A vida, para mim, deixou de ser um peso, e acredito que para outros também, pois nos revela mais enigmática, misteriosa, cheia de dramas e aventuras, nas quais nós somos protagonistas e levamos todas as responsabilidades possíveis, sem as quais não se anda, progride... não evolui. "O certo é um passo de cada vez; assim como erros pequenos são vistos e consertados, assim como cada passo é levado em meio a um caminho simples, podemos voltar, alinhar...".
Nos mostrou o Ideal, esse lado mais do que profundo da alma universal sobre o qual tínhamos aulas intensas a dizer que nunca deveríamos confundir Ideal com idealismos, pois este último se encaixaria em projetos, e aquele, em elevação interna, em espírito, em dedicação natural ao que somos. "Ele, o Ideal, se mostra no fundo de uma caneca de café...", dizia.
É claro que perdemos com o tempo tudo aquilo que um dia nossas pretensões internas pensava em obter, porque, se não a treinarmos, "assim como num treinamento de apenas um braço, somente um dele pode ficar forte, o outro não"... Se não treinarmos nossa matéria unida ao espirito, é acreditar que ser espiritual é matar o físico, sentir dor, morrer morfologicamente...
Até mesmo o mais sábio dos sábios, em seu conhecimento, nos ensina que tudo deve ser feito paulatinamente, pois nascemos e crescemos com nossas emoções, intuições, e nosso corpo, e não há como deixá-los de uma vez, mesmo porque a vida já o faz para nós. Nos esvaímos, assim como areia ao vento, e nos transformamos em ouro com o tempo. É algo que nos passava, mas não com palavras... "A morte vem da vida e a vida vem da morte", repetia-nos sempre a máxima platônica, a qual nos mostrava o legado humano.
Depois de muito tempo sem vê-lo, hoje percebo que mais que frágeis ficamos, ficamos esquecidos. E levo para a alma esse ensinamento, que borra nossas vidas, e nos faz recuar. Penso em erguer-me com a imagem daquele que perambula em meus sonhos a decifrar aqueles "bichos papões", que se engajam em nos acordar na noite tranquila como pombos em calha, como bem-te-vis famintos no quintal, como urubus sem rumo, como copos que se quebram do nada, como olhos que tremem, significando o fim de algo...
O que aprendi daquele grande ser, que se alimenta de guerra, é que nada se vai, tudo se inicia, e somos eternos ainda que nos faltem provas, pois estas podem vir em forma de fogo, de palavras, de amor, de vida, de calor humano. E mais, aprendi e vou reacender assim como luzes antigas, porém, belas, minha forma de viver em função de algo maior, quem sabe do Ideal.
*ao mestre Luiz.
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