Há uma história cuja mensagem até hoje fico a pensar, repensar, refletir por muito tempo, desde o momento em que me lembro dela até o fim do dia. Não é um conto, mas que, por si só, já nos traz uma lição ao que podemos fazer aqui e agora por nós mesmos, seja no sentido filosófico, religioso, social ou não. Muitos partidários ao lê-la, é claro, com suas visões partidárias (!), terão problemas mesmo porque cairão no fosso da interpretação xiita, coisa que não será possível nela.
É a história de um homem que um dia atropelou uma cobra, uma dessas que, mal sabia, possuía escamas trianguladas na cabeça, ou seja, venenosa. Pegou-a, colocou-a dentro de seu carro e a levou para casa, com todo cuidado do mundo. Tal homem era conhecido por ser uma grande pessoa que cuidava de todos, inclusive de animais, fosse ele qual fosse.
Em sua casa, após meses de cuidado com o réptil, deixou-a bem à vontade dentro de sua humilde residência, pois, a saber, deu-lhe remédios, carinho, proteção, e nunca havia falado com ninguém sobre seu novo amigo. E isso talvez fosse mais necessário do que dar proteção ou mesmo medicações àquela que acreditava ser seu hóspede, seu amigo e por que não, mais tarde, seu bicho de estimação?
Um dia, mais do que curado, o réptil, lembrando: venenoso, foi deixado embaixo da cama, sem qualquer pensamento tangível em relação ao que ele poderia fazer-lhe. Ao deitar-se, o homem, feliz por ser uma pessoa do bem, ou mesmo por ser grato a Deus pelo que era com os homens e com o animais, coisa que sempre falava mais alto em seu coração, jamais se queixaria pelo que fez com aquele que, segundo em seus pensamentos, seria o pior dos animais, em uma visão mais bíblica da questão. Não, ele não acreditara nisso.
Porém, por ser de um coração imenso, de um ser humano de pouco uso do seu racional, não percebera que o animal não refletia, não amava, não possuía a consciência humana. Pelo contrário. Acreditava que, por tudo que lhe fizera, seriam amigos "do peito", de anos e anos, nos quais passariam por experiências humanas versus animal, de um modo que jamais ser-lhe-ia esquecível.
Entretanto, noutro dia, seu "fiel" amigo subira-lhe a cama, dera-lhe uma picada rápida, e o velho, como não havia ninguém por perto há bastante tempo, achou melhor sentir aquela dor e morrer por ali mesmo, sem que ninguém o soubesse.
A cobra, grande réptil, venenosa, astuta, dona de uma rapidez esmerada, não fez apenas o seu papel, como também se arrastara para fora e não voltara mais. O homem, um ser de grande inteligência acima dos outros animais, agira, naquele dia, não com seu racional, mas com paixão e humildade, o que lhe dera cegueira para o outro lado da vida, de um mundo no qual havia não apenas outros seres, como também suas naturezas, suas ferramentas, suas pretensões ante ao próximo -- o que era distinta da do homem.
Uma grande professora de filosofia um dia nos disse que, ante aos animais, devemos trabalhar com harmonia, o que é diferente de "viver com eles, ao nosso lado". Pois sabemos que cada animal tem sua individualidade e cada um trabalha em um plano completamente diferente de nós, seja no sentido material, seja no semântico, principalmente este que, como acreditamos, se assemelha muito com o nosso às vezes -- como o cachorro, o gato, o golfinho... -- nos deixando mais próximos deles.
Contudo, a proximidade não nos revela muito do que são, apenas o que acreditamos ser. O que são, por meio de suas brincadeiras, de seu carinho ao humano, de seu aparente amor a nós, nada mais são que características que se igualam ao que temos em nós, pois elas, neles, buscamos. Mas o que realmente são está bem longe do que podemos definir, e isso nos deixa mais longe de entender os animais.
A parte filosófica
Harmonia ao todo não significa se revelar mais que outros em termos de carinho, ou mesmo querer ser mais humano ao ponto de elevar-se à luz divina, não. O que temos já é o bastante. Temos amor ao próximo, à natureza e àqueles que ainda vão nascer em prol de um mundo melhor. Não precisamos usar de divindade como se fôssemos um iniciado nos mistérios sagrados, os quais até mesmo, certeza tenho, não usariam de artifícios caridosos com animais ou mesmo seres humanos.
Há de haver o respeito, e isso quer dizer, deixar que os outros passem pelo que devem passar, aceitando suas dificuldades, pois somente elas servem de degraus com vistas ao crescimento interno, e também externo, a depender do que passam. Questão é que acreditamos na compaixão, e tal sentimento toma conta de nossos corações à medida que damos passos em direção às armadilhas da vida.
Os romanos sabiam disso, por isso, todas as vezes que um inimigo estava a perder uma luta, não havia o sentimento de "oh, e agora, o que faço? É um ser humano!", não. A filosofia romana, tradicional, da qual todas um dia vieram, dizia que eliminar o inimigo não era apenas uma forma de respeito, mas também de harmonia, pois lhe fazia com ele não fosse humilhado, sem honra, e partiria para o céu daquela pátria -- ou de outra cultura, a depender do inimigo.
Hoje, o que nos toca, na realidade, é um sentimento cristão. Queremos ser Cristos, queremos nos igualar à sua bondade, compaixão a todos e a tudo, mas nos esquecemos de que até mesmo Cristo, seja qual for a parte bíblica do fato, tenho a certeza de que se houve ou não participação dele com os animais, foi bem simbólica. Ou seja, com sentido não literal.
A História, por fim, nos ensina que devemos ser apenas humanos, usando não apenas de humanidade no sentido mais profundo da coisa, mas sabendo que todos, inclusive a nós, possuímos naturezas distintas, caminhos distintos, o que nos faz seres belos por excelência. Não podemos acreditar que espécies, principalmente que rastejam, rosnam, brutais ou não, tenham sentidos gêmeos aos nossos, mesmo porque, até mesmo na nossa espécie, não somos física, psicológica, emocionalmente iguais, por mais que nos pareçamos.
Usemos de sabedoria,
Nenhum comentário:
Postar um comentário