quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

Na Entrelinhas

É incrível como somos crianças diante da Natureza, que não pede, não implora, nem nos sufoca com arbítrios. Prova disso são as cores que a revestem, que nos contam que há uma grande necessidade de cada um possuir o que lhe apetece, ou seja, sem esforços para pensar no que se poderia vestir a espera de uma noite amena ou tempestuosa. Nos inclinam a refletir também acerca não apenas das cores, mas principalmente da estática, da mansidão, do poder leve das pedras, de sua grande força natural sem pretensões. Não precisamos nem mesmo opinar sobre a montanha, pois, quando a observamos, seu universo já nos preenche o rosto com sua grande sombra.

Assim, ainda em meio a pensamentos que se penetram como meninos no meio da floresta, sinto que somos perturbados, mais do que isso, somos quase que penetras em um mundo já convicto de si. Nós, não. Nossas convicções emanam de outras opiniões, advindas de outras e assim por diante; não há nada que possa dizer o contrário, pois não temos pensamentos próprios, mesmo porque nem mesmo nos conhecemos para tanto.

Isso, percebo, nos faz mais longe de nossos ideais, nos quais pedras, plantas, montanhas e animais fazem parte não como figurantes, mas como emblemas naturais dos quais retiramos o que somos, de maneira simbólica, não menos do que isso. Em cada um, em cada ser que se esconde nas esferas da terra e do universo, há uma profunda forma em nos conhecer, em saber o que somos e para onde vamos... 

Na cultura clássica Grega, no mito de Hércules, como podemos exemplificar, quando o herói semideus mata um leão e com sua pele se reveste como que fosse um grande homem que teria cumprido uma grande missão -- e o fez realmente. O herói, no entanto, ao fazê-lo (matando o leão), simboliza um pouco do que somos com relação ao universo, aos seus mistérios, o qual acoberta significados profundos quanto à natureza humana. Há, aqui, um sentido esotérico de compreensão quanto ao mito.

O leão, em muitas culturas, simbolizando o sol, teria sido, no mito, morto por Hércules, ou melhor, sido vencido por uma parte ideológica humana e outra divina, com a qual não lidamos, e quando posto em seus ombros, depois de matado o animal, o semideus teria sido iluminado; ao mesmo tempo, em outra interpretação, vencido a parte brutal, animal, bestial em nós mesmos, assim como em outros mitos o demonstram de forma mais oculta.

Fora as demonstrações simbólicas, podemos ressaltar que possuímos forças internas sobre as quais não temos poder, ou nem mesmo sabemos que lá estão dentro de nós. Para isso, no entanto, buscamos entender um pouco da natureza que nos circunda, de sua força equilibrada, de sua ordem formal e universal e intuir que a única coisa que sabemos é que nada sabemos.

Assim, antes de nos pronunciarmos ao vento, como nossas opiniões junto ao mundo, pensemos no equilíbrio, na ordem, e na estrutura que nos circunda, pois toda ela é fechada, ainda que nos pareça ilimitada. Há um grande universo no qual todas as coisas que pronunciamos, todos os atos e pensamentos, batem em seu telhado e nos voltam em tom de amargura ou não. E os mitos nos ensinam isso.



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