sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

A Malvada (iv)

Percepções Coletivas






 


Há 30 anos, perdíamos a esperança de um início de um governo melhor, após mais de vinte anos de Ditadura. Tancredo Neves, um dos maiores políticos da História do país, morria vítima de uma provável infecção hospitalar. A comoção foi total; e eu, um pequeno ser que acompanhava de olhos abertos, pela televisão, todas as notícias referentes ao caso, chorava como criança...que eu era.


Mas eu não sabia de patavina nenhuma, ou melhor, nem de patavina nenhuma eu sabia! Minha cabeça estava voltada a jogos de futebol de criança, de brincadeiras na terra, de carrinhos de rolimã – o que hoje me dá uma saudade, quando passo pelas ruas vazias de minha cidade --, enfim, meus miolos só estavam presos à televisão pelo fato de todos, além de minha sensível mãe, também estarem! Era, no mínimo, estranho...


E depois de várias notícias sem esperança alguma, as quais minuciavam seu esmorecimento, veio o pronunciamento da notícia (menos) esperada... “O senhor Tancredo Neves, presidente eleito da República Federativa do Brasil, acaba de falecer”. Muitos diziam que ele já o tinha há muito tempo, só era uma questão de coragem por parte da assessoria dele, a qual, por motivos políticos, preferiu postergar o enunciado sombrio.


Todos foram ao chão; choravam, caíam, outros se suicidavam, mais alguns se abraçavam, e eu, que não sabia de nada, ao vir aqueles parentes, amigos, mulheres desconhecidas, sem falar em bebês de colo... por que não choraria? Foi um momento que, mais tarde, me questionei.. “Por que eu senti tanta a partida daquele ser, se eu mesmo nem sabia quem era ele? Por que muitos o fizeram da mesma forma, ainda que adultos?”..


Depois de muitos anos, quando cresci, percebi, dentro de uma linha junguiana, que estávamos a passar pelo chamado inconsciente coletivo. Este, reflexo de uma necessidade fomentada na semântica humana, quando focada em algo, como a miséria, trabalho, tristeza, alegria... vem como uma grande alma, embriagando a todos.

Sei que as explicações são vagas, mas não há outro meio explicativo. Falemos de outro.


Outro exemplo interessante ocorreu na Itália, em 1917, quando três crianças viram uma santa prostrada acima de sua cabeças, como se em uma montanha estivesse. Era o chamado o Segredo de Fátima. Ali os pequenos a escutaram e revelaram mais tarde aos papas o que a Santa queria. Tudo envolto a um sistema que, a época, estava mais que desestabilizado politicamente; estava sucateado humanamente, ao ponto de uma grande necessidade interna se sobrepor ao concreto.


Era o inconsciente coletivo. Da grande necessidade psicológica de uma solução, o inconsciente se formou. A miséria na maioria, a luxúria em excesso a poucos, a indignação, tudo, de uma forma contundente, se fez, se elevou e “concretizou-se” em uma grande imagem... da Santa.


É possível? Não sei. Sei apenas que seria muito de nossa (minha) parte acreditar que há um deus cansado das mazelas humanas, e que nos envia uma santa, com fins de nos ameaçar com segredos misteriosos, como se já não tivéssemos passado anteriormente por perturbações terríveis antes da aparição!


É a força da personalidade, desse dragão misterioso, do qual nada sabemos, mas que, por se tratar de um quase patrimônio nosso,  tentamos compreender com nosso olhar sutil e ao mesmo tempo singular. Isso, no entanto, não é o suficiente para que sejamos experts em personas, pois, se ainda duvidamos de seu poder, e colocamos culpa em deuses e demônios; é porque estamos ainda engatinhando na terra nada fértil da ignorância.


É a força de um segundo ser, que nos assombra de modo individual ou coletivo, e nos revela, com faces mil, o que somos e o que deixamos de ser. E dentro dessa meia premissa, dessa má esculpida face, que buscamos nossos caminhos, nossas reais pontes, nossa luz. Não há outro meio.


Vamos, com nossa parca visão acerca do ser, do que realmente somos, tentar visualizar a saída da boca, a luz real que nos aguarda fora desse corpo, dessas emoções, dos nossos desejos. Tentar já é um passo fundamental para quem acredita que somos donos de nós mesmos. Para sê-lo, no entanto, deve-se ter a certeza de que somos o que está além disso, desse monstro – a personalidade.


 

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