quinta-feira, 27 de dezembro de 2018

Morfo-Semântica

"Não nos acostumamos a nem mesmo àquele bicho papão que fica debaixo de nossas camas! E queremos nos acostumar com a morte?..", dizia um grande homem de quem ouvi essa frase quando minhas aulas de filosofia estavam no ápice de minha vida. Desde aquele dia, penso severamente no significado dela, tentando compreender profundamente o que queria o mestre dizer. 

A força das palavras, talvez, fosse o princípio de tudo, mesmo porque já tinha ouvido coisas maiores, melhores, mas, enfim, era uma aula na qual estávamos atenciosos e presos àquela figura lendária, que circulava como poucos naquele metro quadrado com o qual aprendera lidar desde que tomou a grande pílula que mudaria não somente a sua vida, mas também às nossas.

E quando dizia aquelas coisas, sabia que cada um as levaria para o seu leito e refletiria acerca de tudo que era dado naqueles dias tão brilhantes. Não era apenas uma aula, mas a tentativa de nos direcionar a algo maior, mais forte, eterno, e ao pronunciar-se em minha direção, pensava que era comigo, mas não, era a sua forma de lidar com o foco, o qual era distribuído a todos. Ele não jogava, não pedia, não se cansava...

Ante a essa montanha de experiências, nos entregamos, levamos para casa cada palavra, praticamos, dentro de nossos próprios trejeitos. Tínhamos um pouco de medo em mudar nossas vidas, regadas a conforto, a programas de tevê, a filmes que nunca acabavam, a festas familiares, ao medo que adorávamos, pois nos restringia a dar passos ao ponto de, na maioria das vezes, nos fazer bater no peito de dizer que não tínhamos nada a ver com o próximo...

O medo nos guia até agora, só que de maneira mais leve e estratégica. Não nos faz recuar, nem mesmo correr de nossos mundos, pessoas, espaços, infinito... Enfim, o medo, essa energia que se inicia no homem, hoje, me serve como aliada ao que posso e não posso, ao que devo e ao que não devo fazer. "Lembrem-se da criança que não quer andar nos brinquedos mais perigosos do parque, mas, mesmo assim, vai", dizia.

A vida, para mim, deixou de ser um peso, e acredito que para outros também, pois nos revela mais enigmática, misteriosa, cheia de dramas e aventuras, nas quais nós somos protagonistas e levamos todas as responsabilidades possíveis, sem as quais não se anda, progride... não evolui. "O certo é  um passo de cada vez; assim como erros pequenos são vistos e consertados, assim como cada passo é levado em meio a um caminho simples, podemos voltar, alinhar...".

Nos mostrou o Ideal, esse lado mais do que profundo da alma universal sobre o qual tínhamos aulas intensas a dizer que nunca deveríamos confundir Ideal com idealismos, pois este último se encaixaria em projetos, e aquele, em elevação interna, em espírito, em dedicação natural ao que somos. "Ele, o Ideal, se mostra no fundo de uma caneca de café...", dizia.

É claro que perdemos com o tempo tudo aquilo que um dia nossas pretensões internas pensava em obter, porque, se não a treinarmos, "assim como num treinamento de apenas um braço, somente um dele pode ficar forte, o outro não"... Se não treinarmos nossa matéria unida ao espirito, é acreditar que ser espiritual é matar o físico, sentir dor, morrer morfologicamente... 

Até mesmo o mais sábio dos sábios, em seu conhecimento, nos ensina que tudo deve ser feito paulatinamente, pois nascemos e crescemos com nossas emoções, intuições, e nosso corpo, e não há como deixá-los de uma vez, mesmo porque a vida já o faz para nós. Nos esvaímos, assim como areia ao vento, e nos transformamos em ouro com o tempo. É algo que nos passava, mas não com palavras... "A morte vem da vida e a vida vem da morte", repetia-nos sempre a máxima platônica, a qual nos mostrava o legado humano.

Depois de muito tempo sem vê-lo, hoje percebo que mais que frágeis ficamos, ficamos esquecidos. E levo para a alma esse ensinamento, que borra nossas vidas, e nos faz recuar. Penso em erguer-me com a imagem daquele que perambula em meus sonhos a decifrar aqueles "bichos papões", que se engajam em nos acordar na noite tranquila como pombos em calha, como bem-te-vis famintos no quintal, como urubus sem rumo, como copos que se quebram do nada, como olhos que tremem, significando o fim de algo...

O que aprendi daquele grande ser, que se alimenta de guerra, é que nada se vai, tudo se inicia, e somos eternos ainda que nos faltem provas, pois estas podem vir em forma de fogo, de palavras, de amor, de vida, de calor humano. E mais, aprendi e vou reacender assim como luzes antigas, porém, belas, minha forma de viver em função de algo maior, quem sabe do Ideal.







*ao mestre Luiz.


quarta-feira, 26 de dezembro de 2018

Mudar a Si Mesmo

Entra ano, sai ano, e sempre nos vem à mente a esperança de um ano melhor. Nele depositamos tudo, até mesmo nossos melhores projetos -- carros, casas, apartamentos, educação particular, conforto... -- dos quais somente alguns se realizam, pois não conseguimos nem mesmo iniciar nossa primeira intenção, a qual, a depender da pessoa, vem a ser um depósito simples de uma certa quantia, um investimento qualquer, de modo que tenhamos a sóbria certeza de quem vai nos fazer estáveis financeiramente no ano que surge... Pode ser.

As intenções são como maestras em nossos ouvidos, pleitando um passo, seja ele qual for, em direção ao que sonha ou se passa a sonhar. Não é fácil. Entretanto cabe aqui muitos questionamentos em prol de algo que muitos não o fazem. É em relação a nós mesmos. Um pensamento que paira entre o possível e o impossível: por que temos sempre sonhos em obter e não em ser

Pode ser fácil de responder, para alguns, para outros, uma falta de respeito, pois não se questiona a respeito disso, nem mesmo na presença divina; para os grandes cientistas, uma forma de retirar o foco do trabalho em nome da Ciência que não cessa; ao grande político, uma ofensa; ao ancião, que bate no peito todos os anos a dizer "não mudo, pois sou assim mesmo", é uma perda de tempo...

Enfim, não nos questionamos, e se o fazemos, fazemos com aquela intenção bela e hipócrita em nome do respeito que se quer do próximo, o qual, de alguma forma, tem um ar de superioridade, tão humilde quanto um ditador. E quando o prometemos, queremos sê-lo, tanto quanto.

Mas há aqueles que buscam, ainda que com subterfúgios frágeis, uma tentativa, ainda que fria e simples, divagar em torno de tal questionamento, e se arrisca, com pequenos atos, com pequenas investidas, com uma pitada de fé, assim como um cientista que dá seu primeiro passo em torno de algo pequeno, mas sério. Há sim aquele que levanta, põe os pés no chão, com pretensões ardentes, elevadas, olhando para o sol, para o seu significado; para a profundidade das camuflagens verdes responsáveis pelas vestimentas que escondem o porquê das cores. E assim como um religioso, vai ao encontro de Deus, sorrindo, apesar dos pesares -- os quais sempre existem, persistem, mas nos trabalham inquietamente a alma, sem que percebamos.

Para muitos, uma empreitada; para outros, uma aventura. Pois conhecer a si mesmo, assim como no passado, não é apenas uma máxima, é uma realidade que se interpõe entre o que fazemos e ao que somos. Pois nos trabalha internamente a partir do momento em que acreditamos ser possível, do minuto em que perpassamos as trilhas iniciáticas que os deuses nos deu com finalidades sagradas, com caminhos até mesmo profanos, até o ponto que nos fazer ver os raios que iluminam a entrada de nossas almas.

Não é o fim do mundo, mas o início de outro. Não é a extinção do ser, mas o domar de uma personalidade. Não é o inicio apenas de uma dor, mas de uma dor maravilhosa, que nos traz a glória, a temperança, a esperança em outros tons, agora bem claros, reais, sem mentiras. Por isso, belo por si mesmo. Não é um filme, e sim uma história que se faz dentro de si a partir do instante que dizemos "quero mudar a mim mesmo"! 

Assim, como diria a Bíblia Cristã, "o resto vem por acréscimo".


Que assim seja!

sexta-feira, 21 de dezembro de 2018

Caçadores de Sonhos

Verão chegando depois de uma primavera chuvosa, que nos adentrou em ensinamentos próprios da grande e bela estação. Apesar das frestas por onde caíram as águas chuvosas, raiventas, dos alagamentos em cidades, em vilarejos, em casas, na minha casa... Fomos purificados pelo arrastar de uma energia que respingava em nosso corpo quando saíamos para a rua, pois nos pegava de surpresa -- ou não, o que nos fazia mais precavidos, e por que não dizer menos medrosos, enquanto nossas calças e sapatos eram molhados lindamente nas poças que se acumulavam nas ruas...

Perguntávamos "quando você vai parar, ó bela chuva"?, e nos tolhíamos a viver adentro de nossas casas, a nos questionar o porquê daquelas águas, daquele frio, daquelas dores que se reuniam na alma, quando os pingos batiam no amianto... Quando a profundidade de nossa fé se revelava rasa. E descobrimos que não éramos heróis, mas seres comuns, que resmungavam desde o início, pois não era a chuva a real vilã dos homens que amavam o sol, mas nós mesmos, filhos de uma natureza que não se conforma com a Maior, que ordena, que anda, que vibra, que perpassa todos os valores humanos e cria o seus.

O problema é que não sabemos refletir nas horas em que somos compilados a fazê-lo. Sentar-se, orar em prol dos homens, de nossos atos em relação a eles, de uma vida que ainda precisa de muito para se conectar ao grande Mar, e este ao grande Oceano Vital, do qual se nascem seres de todos os mundos e com eles estamos no grande Infinito.

Não é preciso, no entanto, se afastar em pensamentos, como que fôssemos meninos em busca de um brinquedo em sonhos ou em uma aventura que não o deixa acordar. Não. Como diria Nietzsche, buscar o que não buscamos, entrar em nossos pensamentos em nome de nós mesmos, não de criaturas inventadas com fins de nos dar medo; somos a criaturas, somos o criador, somos a fera e possuímos uma alma bela, a qual subjaz ao nosso mais íntimo ego pessoal, sobre o qual falamos e inventamos modas o tempo todo... 

Este, contaminado, friamente se vê o quanto está errado e caminha em função de algo mais forte, mais sério e preponderante, assim, do nada, como mistérios se fazem nas obras do sagrado. A alma agradece, pois, por possuir uma natureza simples, e por isso pura e sem lisuras, imaculada e bela, se regojiza ao céu do espírito, ou em sua primeira visão, assim como um cego que há anos não vê o mundo, e quando o faz, seu primeiro momento é em frente a um belo pôr do sol.

Nada melhor do que buscar a vida na vida, pois como um dia disse um grande professor, "buscar goiabas em pés de goiabas, mangas em pés de manga", o que, para nós nos parece óbvio, para ele, metaforicamente e ao mesmo tempo transparente, uma contradição humana, que se debruça em busca de uma felicidade imaginada, relativa, pois se fosse esta menos interesseira, não buscaríamos em lugares errados, medonhos, assombrosos... Ela, a felicidade, se resguarda no simples, no agora e no amanhã.

Hoje, no Verão, agora um sol maravilhoso, que prepondera atrás das montanhas, das serras, em aparições tão gigantes, que nos tornamos mais insignificantes. Sua beleza, que gira em torno de uma filosofia sem palavras, nos faz colidir com o simbólico, com o mistério que se esconde em seus raios. Isso, como diria Platão, é só uma pequena ilustração do que é o Bem, pois nos chama a atenção para o que somos e podemos ser, para o que buscamos frivolamente ou mesmo de forma ardente, como caçadores de sonhos. E somos.

Nesse espírito ainda que simbólico, nesse fogo físico que nos parece eterno, nesse desaparecer de quietude, partimos para a parte prática, idealizando o que em nós havia adormecido, descansado, em meio às reflexões de outrora. Subimos montanhas, corremos em quarteirões, soltamos fogos, sorrimos, choramos e cantamos ao sol, tal qual nativos que nasceram perto de vulcões.

Desses dois elementos -- chuva e sol ---, que em nós se vivificam, retiramos o que nos é inerente. Desses seres que se adentram em nossos mundos pelas estações, podemos retirar mais que chuvas em nossas cabeças, que sóis em nossos corpos físicos. Podemos e temos que entender o porquê se repetem tanto e porque retiramos tão pouco deles quando aparecem.



FELIZ NATAL!!


terça-feira, 18 de dezembro de 2018

Pugilista Miserável

Há milênios percebe-se exemplos de líderes que nos enganam, que nos desestruturam e que buscam, antes de nos destruir, nossas fragilidades. A maioria das vezes acontece no meio religioso e político no qual seres humanos, revestidos de uma suposta sabedoria específica a mais que os demais, nos desmontam como castelos de areia em meio a um mundo em que, todos os dias, nos faz desacreditados, infelizes, depressivos e até suicidas.

Tudo começa quando estamos doentes da alma, quando precisamos de um bom abraço, ou uma pequena palavra que nos eleve a autoestima, a nos deixar um pouco férteis de esperança por alguns dias. Nada mais. Ao saber dessa fragilidade, desse lado humano profundo, do qual poucos saem, lá vem o político, o religioso, o mal idealista (o real terrorista), o mal em pessoa destronar qualquer possibilidade de refletir sobre algo que se guarda em nossos corações, como a própria vontade.

O medo, a dor, a falta de céu, o sentimento de manipulação, a batalha sem referenciais, a aventura desmedida, se transformam em relevos que se alojam em nossas almas, em seu mais profundo sensor, do qual até mesmo o maior mergulhador teria dificuldade em sair. Isso me lembra Vitor Hugo, que um dia em "Os Miseráveis", uma de suas principais obras, a se referir às reflexões de um de seus personagens principais 'Jean', quando imerso em sua culpabilidade, descreve sua semântica, ao dizer que "nada mais profundo que a alma humana", e tinha razão.

Quando nos dissipamos para o lado interno, do qual não sabemos emergir, pois nossa capacidade educacional nos falta em meio a um mundo materialista que se importa mais em informar do que formar, nos dando apenas razoáveis possibilidades de lutar em prol a bens externos, nos quais em cima morremos, e quando não, em nossas covas com dizeres hipócritas a respeito do que fomos ou poderíamos ser.

Nunca nos ensinaram a lidar com nossos valores internos, ou mesmo com nossa vontade -- pelo menos no meio "freudiano", quando se percebia que nada mais era que um mergulho em nossa sexualidade, a qual, ainda que seja bom e natural, começou a se inclinar para o lado maior do mundo, e assim tomar nossas vidas, de nosso mundo. Dessa forma, qualquer questionamento voltado à vida, a resposta, graças aos iniciados em apologias nefastas, se inclina para o lado sexual, no pior sentido.

Não podemos, no entanto, culpar apenas os homens dessa grande caverna, na qual se fazem e refazem com nossa ignorância. Não. Trazemos a possibilidade de refletir em nosso meio a respeito deles, de seus atos, quando nos tomam em nossas principais dores, na nossa coluna mais frágil. Temos que desconfiar, ainda que seja o próprio Papa, nosso pai, tio, enfim, pois são todos humanos, e isso quer dizer que suas pretensões, ainda que sejam aparentemente belíssimas, nos fazer repensar por meio de seus atos, os quais, geralmente, não são perfeitos. A evolução não é de hoje para amanhã.

Retiremos, assim, um aprendizado clássico, desses que jamais nos esquecemos. Se uma pessoa é materialista, ela vai nos conduzir pelos caminhos materiais mais profundos, a nos remeter a um fosso enganoso, sempre com palavras belas, suntuosas, de modo a conseguir seus objetivos, sexuais ou não, materiais ou não, espirituais ou não. Essa talvez seja a maior manipulação humana, pois mexe com nossos desejos de mudança, de uma rebeldia interna, na qual paira a vontade de um mundo melhor, de uma casa melhor, de um filho melhor...

O líder espiritual, se é que existem, é uma estrela imóvel, pois não pede, não cura, não traduz nossos sentimentos rasos, não se inclina a nos ajudar em nossas doenças, sejam elas quais forem. O líder espiritual nos faz ser mais humanos, evoluídos, dentro de "tarefas" um pouco árduas nas quais nos renegaríamos em realizar por sermos preguiçosos e ignóbeis. Ele sabe que o espírito é um só, que seu comando é uma referência aos demais e por isso, nas mínimas questões, sabe que nada sabe.

Já o guru manipulador vai de encontro a real natureza, ainda que sejamos egoístas em pensar no que seja isso. Ele vai querer quebrar regras, vai dissimular comportamentos, falas, e descordar com todos que sejam contra ele. E você, que quer seus objetivos, vai concordar com ele até a última palavra, pois um dia, lá no topo, ele foi um homem real ao ser ver, e a de todos.

Esse guru do fim dos tempos, a querer ou não, vai ser destituído pela mesma criança que um dia viu o rei nu, enquanto todos o viam com um "roupa da cor da pele", e vai quebrar o feitiço, nos retirar a venda da alma, nos envergonhará pessoalmente de nossos atos, e nos fará morrer um pouco em nosso humilde espaço.

A única saída contra possíveis "líderes", talvez, como dia Marcus Aurelius, imperador romano e filósofo, seja levantar os braços, assim como um eterno pugilista, a espera do próximo adversário. Dele podemos levar alguns socos, mas sabemos nos proteger de outros golpes mais sérios e profundos.




sexta-feira, 14 de dezembro de 2018

O Quarto de Platão

Um filme muito interessante me passou pela cabeça nesse instante para ilustrar minhas ideias hoje, nesse blog, a respeito das ilusões porque passamos. O Quarto de Jack, de Emma Donoghue, o qual não fora baseado em qualquer realidade, chama a atenção para uma (real) realidade a que sempre nos referimos aqui, em termos simbólicos, para ilustrar nossa ideia quanto ao que vivemos em termos ideológicos. 

O longa fala de uma mãe que é obrigada a viver em cativeiro sob os cuidados de um homem que sempre vai visitá-la quando pode. Esta mulher tem um filho de oito anos e o educa dentro desse quarto -- por isso o nome Quarto de Jack. Sob o ponto de vista da mãe, a criança cresce, física e emocionalmente, além de receber outra forma de educação, a didática, mas sempre, repito, dentro do que a mãe lhe propõe.

Ali, a verdade sobre a qual é obrigada a aprender, sabe-se, é bem limitada, pois não se consegue ver o céu, as nuvens, apenas pelos poucos momentos que sua genitora o faz ver, por meio de uma brecha no fim do teto, um pouco do azul ou mesmo uma ou duas estrelas sugestivas, o que o faz nem mesmo questionar, apenas a ouvir, mesmo porque o nível de confiança à sua mestra é pétreo.

Em um outro lado do filme, quando sua mãe planeja sair daquele pequeno recinto, que não media mais que quinze metros quadrados, mas que servira de universo ao menino, que já o via como a única estrutura, a tensão tomara conta: era a vez dela desfazer todas as formas mentais que ele havia criado durante os oito anos na qual estivera preso -- sem saber. A reação da criança não poderia ser outra... Assim como uma pessoa que é ludibriada há anos, fica com ódio da mãe e não consegue entender o porquê que fizera aquilo e não lhe dissera a verdade desde o início. Seus modos, comportamentos, falas, atitudes, frente a essa nova realidade, o faz confuso e, mais, o faz sentir traído pela mulher que ama tanto.

Vamos estacionar aqui.
O que aconteceria se algum dia nos dissesse que estamos em um grande quarto, preso por amos que se julgam donos de nossas mentes? que tudo que aprendemos nada mais são que histórias montadas com o intuito de nos prender mais e mais nesse grande recinto? Com certeza, sorriríamos e diríamos que a pessoa que nos aparece para dizer isso é, no mínimo, louca e pediríamos, dentro de nosso raciocínio, provas e tentaríamos buscar naquelas palavras alguma verdade, caso contrário mataríamos o mensageiro...

O Quarto de Jack é um filme e o nosso não. Podemos, sem ofender as religiões, questionar a respeito de nosso quarto, mas àqueles que tenham um ponto de vista tangível sobre ele, nos quais não apenas  sobre se há ou não ilusões no recinto, mas sobre o que há lá fora e dentro de nós. Se questionarmos apenas pessoas que sabem sobre aquele metro quadrado, no qual tanto vivemos desde a infância, vamos receber respostas somente no aspecto físico da questão, ou não, pois há seres que nasceram dentro desse quarto (todos nós), e nele se aprofundaram, de modo que tiveram respostas nesse quesito, simplesmente pelo fato de que o Grande Mestre do Quarto faz as respostas serem reais, eternas e divinas....

Nada mais natural, mesmo porque todos, sem exceção, estão simbolicamente presos, quase que algemados, em termos de conhecimento, pois não se consegue ver nada além das paredes, das sombras, dos prêmios, histórias, até mesmo dos valores reinventados com vistas a dar ao questionador algo para adormecer...

Por isso, há aquele que um dia não apenas viveu, mas também de alguma forma tentou nos passar por meios quase misteriosos a realidade porque passaram. Por que misteriosamente? -- simplesmente pelo fato de que há mais teóricos que desvirtuam mensagens do que mestres que possuem a espiritualidade lastreada do passado. Digo espiritualidade, no entanto, pode-se perceber que até mesmo o pouco do caule educacional que se impõe com a pretensão de mudar um pouco o eixo de algumas formas de vida, já é o bastante para que percebamos o quanto temos que mudar as pessoas... E isso é ruim para aquele que aparece de vez em quando no Recinto.

Aqueles que perceberam essa realidade, em algum ponto do quarto, sentiram a necessidade de outras respostas e encontraram um meio de sair dele, viram o sol, respiraram a brisa do Bem, e notaram que somos duais em tudo que tocamos, falamos, percebemos, opinamos, enfim, que nada deve ser possuído de uma sacralidade senão houver uma ligação com a real Natureza, caso contrário estamos nos prendendo de forma voluntária, como por exemplo, criando fatores educacionais estanques, deuses com vistas a modelar o homem, políticas sem o intuito de seguir com a verdade, e nisso tudo com gerações presas a um céu inventado -- aquele seria o Mestre.

Sabemos que não um trabalho suave, longe disso. A percepção vem de si mesmo. Aquele mestre que burla a alma quando tudo nos soa como repetitivo, quando as formas mentais se aprofundam em nós, e percebemos que, por alguns instantes,  a vida é mais que um fator modístico, ou seja, que invenções nada mais são que uma necessidade de nos fazermos presos ao inconsciente, então, eles não venceram. Nós vencemos.



terça-feira, 11 de dezembro de 2018

Sonhos que não vão embora

De vez em quando me passa pela cabeça aquela imagem do menino que tomara banho em uma pequena bacia de plástico, protegido pela presença da mãe, que o amava tanto que achava que o dia não terminava nunca. O mesmo pensamento passara pela mente do menino, que batia as mãos na água, a derramar o líquido que não era tão precioso à época, e podíamos jogá-los ao chão imaginando figuras douradas com o reflexo.

Eu tinha uns sete anos. Com espírito flamejante, sorridente, só saía da bacia quando queria, e naquele dia, de tanto ficar, esqueci da aula, dos meus estudos, e acredito que minha protetora também. Isso me fez ir para a escola sozinho, atrasado, mas graças à minha popularidade, não me perceberam chegar e me enclausurar no meio de minha turma... E acho que a professora também não.

O tempo se passou, aquela criança se foi, minha mãe também. Os dois ainda burlam minha alma como uma brisa rastejante e fina, que me embriaga de solidão e paz, na medida que em passam em meus olhos internos. E por isso, lacrimejo nas vezes em que me lembro desse sonho que me passou.

Outros sonhos reais também se foram, como o assobio de minha mãe, o qual me confortava nas horas de desespero, nas quais minha vida, tão pobre e soleira, resumia-se em nada, apenas em ver tevê e assistir a pessoas felizes a correr em meio ao mundo como em um filme em preto e branco. Claro que nem tudo eu assistia. Muito pelo contrário. Participava, corria, buscava e tentava entender porque o dia terminava de tão bom que me soava aos olhos.

Uma dessas vezes era quando eu soltava pipa (ou papagaio) no meio de algumas casas de tábua, pois ainda não sabiam o que era tijolo, alvenaria, sei lá, além dos matagais que davam acesso ao chamado "morrinho", coisa que só 'rico' sabia. Como eu era bom nisso! eu tinha uma parceria, um sócio de codinome "Baú" (apelidado assim por ser feliz demais, e o Silvio Santos, apresentador, tinha o Baú da Felicidade!). Esse meu amigo, ainda o é, e a seus irmãos saíamos em busca de bambus, cortávamos a mão de tanto afinar varetas, e desenhávamos tantas pipas em nosso inconsciente, que cansamos... Mas antes de nos cansarmos, no enriquecíamos de tanto rir pelas brigas no ar, e na terra, em busca de pipas novas.

Sonho era ver um pai que, mesmo dependente de bebidas, se apresentava como um outro protetor, deixando o vício de lado para fazer carrinhos de rolimãs, dentro dos quais me colocava e pedia aos meus irmãos para me empurrarem. Coisa de louco! As ruas eram só descida, e quando não, me puxavam feito funcionários de empresa de seguros e me pediam para ficar no carro acontecesse qualquer coisa que fosse.

Queria contar um outro sonho porque passei. Isso inclui minha mãe novamente. Não me esqueço de sua canções e de seu perfume, de sua força natural e presença, combinadas a potência de seu sorriso, do teu amor que impregnava nossa casa. Poderia ser a pobreza que fosse, mas a sua presença nos enriquecia e nos alimentava mais que aos nossos corpos, simplesmente porque, quando íamos dormir, aquela canção nos adormecia somente pelo fato de existir nos lábios de uma mater a paz que já nos sossobrava o coração.

Hoje busco mais sonhos em meu filho, em minha esposa, que detêm a fé em mim, pois devo também ser  o sonho deles ou dar-lhes mais sonhos por meio da liberdade e da educação que a vida pede para dar-lhes. E tenho a certeza de que estamos no caminho certo.

sexta-feira, 7 de dezembro de 2018

E o Prêmio vai para...

Desde que o homem é homem, ele cria prêmios, honrarias, todos em forma de medalhas, troféus, louros, enfim, sempre com o objetivo de presentear alguém que tenha se destacado em algo, em alguma coisa que, na maioria das vezes, outros não o são. Nos jogos Olímpicos, nos campeonatos, nas modalidades que se criam, que renascem, em tudo. Em órgãos federais, públicos, em instituições particulares, públicas, de modo que não cessam ano a ano, sempre com esse intuito: destacar.

Mas nem sempre podemos cair nessa armadilha da premiação. Quando o mundo está sendo questionado por mentes que há muito estavam adormecidas, percebe-se que, em meio a elas, existe um sentimento que entrou por debaixo das cortinas dessa pré-revolta: um sentimento de presentear pessoas que não sabem lidar com o seu vaidosismo, com a sua temperança, ao passo, naquele instante, porém, trazia à luz da sociedade um outro, o da rebeldia, do pensamento único de sair em direção a outro caminho. 

Freados, homens se voltam ao luxo da premiação, que, na realidade, nada mais é que uma forma de detê-lo ao que ele poderia pensar e agir, a favor ou contra aquilo que lhe é inerente como ser humano, seja lá o que for. Assim, com sua vontade presa a valores inventados, calar-se-á, e se unirá à multidão que se julga livre. Uma liberdade arbitrária dentro da qual somente poderá falar e fazer aquilo que convém ao seu caráter manipulado.

Um dia um filósofo grego, iniciado, sábio, ao perceber que seu mestre estava a descortinar uma sociedade que já, há quientos anos antes de Cristo, se sobressaia pela vilania de um sistema que acreditavam ser o melhor, ou pelo menos aqueles que nele mandavam acreditavam nisso, falou um pouco em sua metafórica república sobre a premiação humana: "criam prêmios com o fim de mudar o homem de direção".

A direção, por assim dizer, está bem clara. Não é a nossa. Tomamos rumos gêmeos, não diferentes do que queremos tomar. Nos filiamos ao homens que amam condecorações, estrelas, premiações, troféus, e quando enchemos nossas galerias, percebemos, muito tempo depois, que são apenas plásticos moldados, madeiras manipuladas, e às vezes, um pedaço de prata banhada a ouro. A nobreza, a vontade, a fé, a beleza com que tivemos nas competições se vão como água em riachos, pois o que nos interessava nada mais era que um prêmio...

Os romanos, grandes como eram, não só em cultura, como em tudo que faziam na era clássica, sabiam que as premiações nada mais eram que articulações naturais ao homem. Ou seja, não poderiam deixar de existir, porém jamais esquecer-se-iam de que um dia nascemos homens e um dia morreremos e nos tornamos pó.

Diziam que quando um general chegava em com suas bigas, cheias de honrarias conquistadas da casa do inimigo, desfilavam ao povo e eram apresentados ao governador, o qual, para eles, tinha um presença quase divina. E tinha. Em sua biga, atrás do general que se apresentaria ao governador da província, um serviçal sempre a dizer "você é um homem e não um Deus!" -- e repetiria a frase até que ele descesse daquela carruagem e recebesse o seu louro -- uma coroa feita com um pequena planta que tinha um sentido simbólico.

Esse sentido interno quanto às premiações não temos, mesmo porque o que nos aguarda é uma eternidade cheia de prêmios pelo que fizemos em relação a nós mesmos e não ao próximo. E quando se é cristão, o maior prêmio é o céu, literal, cheio de pessoas belas, flutuantes, sorridentes, tomando rios de mel, e dependendo da cultura, de virgens a nossa espera.

As premiações nunca cessam e nossa maneira de lidar com elas, a cada dia, nos torna obsessivos em alcançá-las, pois a espiritualidade se esvai com o tempo. Pois, espiritualidade, hoje, é ter muito, não ser muito. Prova disso são igrejas passadas e modernas que se deleitam em iguarias materiais em nome de deuses, de Deus, de cristos e Budas, com ornamentos nada simbólicos, diferentes da dos homens realmente espirituais do passado, que um dia nos mostraram que o maior prêmio é encontrar a si mesmo.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

Na Entrelinhas

É incrível como somos crianças diante da Natureza, que não pede, não implora, nem nos sufoca com arbítrios. Prova disso são as cores que a revestem, que nos contam que há uma grande necessidade de cada um possuir o que lhe apetece, ou seja, sem esforços para pensar no que se poderia vestir a espera de uma noite amena ou tempestuosa. Nos inclinam a refletir também acerca não apenas das cores, mas principalmente da estática, da mansidão, do poder leve das pedras, de sua grande força natural sem pretensões. Não precisamos nem mesmo opinar sobre a montanha, pois, quando a observamos, seu universo já nos preenche o rosto com sua grande sombra.

Assim, ainda em meio a pensamentos que se penetram como meninos no meio da floresta, sinto que somos perturbados, mais do que isso, somos quase que penetras em um mundo já convicto de si. Nós, não. Nossas convicções emanam de outras opiniões, advindas de outras e assim por diante; não há nada que possa dizer o contrário, pois não temos pensamentos próprios, mesmo porque nem mesmo nos conhecemos para tanto.

Isso, percebo, nos faz mais longe de nossos ideais, nos quais pedras, plantas, montanhas e animais fazem parte não como figurantes, mas como emblemas naturais dos quais retiramos o que somos, de maneira simbólica, não menos do que isso. Em cada um, em cada ser que se esconde nas esferas da terra e do universo, há uma profunda forma em nos conhecer, em saber o que somos e para onde vamos... 

Na cultura clássica Grega, no mito de Hércules, como podemos exemplificar, quando o herói semideus mata um leão e com sua pele se reveste como que fosse um grande homem que teria cumprido uma grande missão -- e o fez realmente. O herói, no entanto, ao fazê-lo (matando o leão), simboliza um pouco do que somos com relação ao universo, aos seus mistérios, o qual acoberta significados profundos quanto à natureza humana. Há, aqui, um sentido esotérico de compreensão quanto ao mito.

O leão, em muitas culturas, simbolizando o sol, teria sido, no mito, morto por Hércules, ou melhor, sido vencido por uma parte ideológica humana e outra divina, com a qual não lidamos, e quando posto em seus ombros, depois de matado o animal, o semideus teria sido iluminado; ao mesmo tempo, em outra interpretação, vencido a parte brutal, animal, bestial em nós mesmos, assim como em outros mitos o demonstram de forma mais oculta.

Fora as demonstrações simbólicas, podemos ressaltar que possuímos forças internas sobre as quais não temos poder, ou nem mesmo sabemos que lá estão dentro de nós. Para isso, no entanto, buscamos entender um pouco da natureza que nos circunda, de sua força equilibrada, de sua ordem formal e universal e intuir que a única coisa que sabemos é que nada sabemos.

Assim, antes de nos pronunciarmos ao vento, como nossas opiniões junto ao mundo, pensemos no equilíbrio, na ordem, e na estrutura que nos circunda, pois toda ela é fechada, ainda que nos pareça ilimitada. Há um grande universo no qual todas as coisas que pronunciamos, todos os atos e pensamentos, batem em seu telhado e nos voltam em tom de amargura ou não. E os mitos nos ensinam isso.



segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

Harmonia Sem Dor

Há uma história cuja mensagem até hoje fico a pensar, repensar, refletir por muito tempo, desde o momento em que me lembro dela até o fim do dia. Não é um conto, mas que, por si só, já nos traz uma lição ao que podemos fazer aqui e agora por nós mesmos, seja no sentido filosófico, religioso, social ou não. Muitos partidários ao lê-la, é claro, com suas visões partidárias (!), terão problemas mesmo porque cairão no fosso da interpretação xiita, coisa que não será possível nela.

É a história de um homem que um dia atropelou uma cobra, uma dessas que, mal sabia, possuía escamas trianguladas na cabeça, ou seja, venenosa. Pegou-a, colocou-a dentro de seu carro e a levou para casa, com todo cuidado do mundo. Tal homem era conhecido por ser uma grande pessoa que cuidava de todos, inclusive de animais, fosse ele qual fosse.

Em sua casa, após meses de cuidado com o réptil, deixou-a bem à vontade dentro de sua humilde residência, pois, a saber, deu-lhe remédios, carinho, proteção, e nunca havia falado com ninguém sobre seu novo amigo. E isso talvez fosse mais necessário do que dar proteção ou mesmo medicações àquela que acreditava ser seu hóspede, seu amigo e por que não, mais tarde, seu bicho de estimação?

Um dia, mais do que curado, o réptil, lembrando: venenoso, foi deixado embaixo da cama, sem qualquer pensamento tangível em relação ao que ele poderia fazer-lhe. Ao deitar-se, o homem, feliz por ser uma pessoa do bem, ou mesmo por ser grato a Deus pelo que era com os homens e com o animais, coisa que sempre falava mais alto em seu coração, jamais se queixaria pelo que fez com aquele que, segundo em seus pensamentos, seria o pior dos animais, em uma visão mais bíblica da questão. Não, ele não acreditara nisso.

Porém, por ser de um coração imenso, de um ser humano de pouco uso do seu racional, não percebera que o animal não refletia, não amava, não possuía a consciência humana. Pelo contrário. Acreditava que, por tudo que lhe fizera, seriam amigos "do peito", de anos e anos, nos quais passariam por experiências humanas versus animal, de um modo que jamais ser-lhe-ia esquecível.

Entretanto, noutro dia, seu "fiel" amigo subira-lhe a cama, dera-lhe uma picada rápida, e o velho, como não havia ninguém por perto há bastante tempo, achou melhor sentir aquela dor e morrer por ali mesmo, sem que ninguém o soubesse.

A cobra, grande réptil, venenosa, astuta, dona de uma rapidez esmerada, não fez apenas o seu papel, como também se arrastara para fora e não voltara mais. O homem, um ser de grande inteligência acima dos outros animais, agira, naquele dia, não com seu racional, mas com paixão e humildade, o que lhe dera cegueira para o outro lado da vida, de um mundo no qual havia não apenas outros seres,  como também suas naturezas, suas ferramentas, suas pretensões ante ao próximo -- o que era distinta da do homem.

Uma grande professora de filosofia um dia nos disse que, ante aos animais, devemos trabalhar com harmonia, o que é diferente de "viver com eles, ao nosso lado". Pois sabemos que cada animal tem sua individualidade e cada um trabalha em um plano completamente diferente de nós, seja no sentido material, seja no semântico, principalmente este que, como acreditamos, se assemelha muito com o nosso às vezes -- como o cachorro, o gato, o golfinho... -- nos deixando mais próximos deles.

Contudo, a proximidade não nos revela muito do que são, apenas o que acreditamos ser. O que são, por meio de suas brincadeiras, de seu carinho ao humano, de seu aparente amor a nós, nada mais são que características que se igualam ao que temos em nós, pois elas, neles, buscamos. Mas o que realmente são está bem longe do que podemos definir, e isso nos deixa mais longe de entender os animais.

A parte filosófica

Harmonia ao todo não significa se revelar mais que outros em termos de carinho, ou mesmo querer ser mais humano ao ponto de elevar-se à luz divina, não. O que temos já é o bastante. Temos amor ao próximo, à natureza e àqueles que ainda vão nascer em prol de um mundo melhor. Não precisamos usar de divindade como se fôssemos um iniciado nos mistérios sagrados, os quais até mesmo, certeza tenho, não usariam de artifícios caridosos com animais ou mesmo seres humanos.

Há de haver o respeito, e isso quer dizer, deixar que os outros passem pelo que devem passar, aceitando suas dificuldades, pois somente elas servem de degraus com vistas ao crescimento interno, e também externo, a depender do que passam. Questão é que acreditamos na compaixão, e tal sentimento toma conta de nossos corações à medida que damos passos em direção às armadilhas da vida.

Os romanos sabiam disso, por isso, todas as vezes que um inimigo estava a perder uma luta, não havia o sentimento de "oh, e agora, o que faço? É um ser humano!", não. A filosofia romana, tradicional, da qual todas um dia vieram, dizia que eliminar o inimigo não era apenas uma forma de respeito, mas também de harmonia, pois lhe fazia com ele não fosse humilhado, sem honra, e partiria para o céu daquela pátria -- ou de outra cultura, a depender do inimigo.

Hoje, o que nos toca, na realidade, é um sentimento cristão. Queremos ser Cristos, queremos nos igualar à sua bondade, compaixão a todos e a tudo, mas nos esquecemos de que até mesmo Cristo, seja qual for a parte bíblica do fato, tenho a certeza de que se houve ou não participação dele com os animais, foi bem simbólica. Ou seja, com sentido não literal.

A História, por fim, nos ensina que devemos ser apenas humanos, usando não apenas de humanidade no sentido mais profundo da coisa, mas sabendo que todos, inclusive a nós, possuímos naturezas distintas, caminhos distintos, o que nos faz seres belos por excelência. Não podemos acreditar que espécies, principalmente que rastejam, rosnam, brutais ou não, tenham sentidos gêmeos aos nossos, mesmo porque, até mesmo na nossa espécie, não somos física, psicológica, emocionalmente iguais, por mais que nos pareçamos.


Usemos de sabedoria,

A Parte que nos Falta

"É ótimo ter dúvidas, mas é muito melhor respondê-las"  A sensação é de que todos te deixaram. Não há mais ninguém ao seu lado....