quarta-feira, 30 de março de 2011

Homens e Caminhos


Ontem, parece-me que todos os problemas pessoais me vieram à tona. E eu, tão perdido quando uma barata, correndo dos grandes pés da falta de solução, num grande ato heroico, ligo a TV e, no momento mais certo possível, um grande filme está por começar. “Um Grito de Liberdade”, um clássico da década de oitenta, que conta a história do povo africano na época do apartaid – segregação racial que se deu na mesma década, na qual negros e brancos não falavam a mesma língua.

Nessa época, tão difícil para a África do Sul, nasceram vários lideres pelos direitos humanos, entre eles Nelson Mandela, vivo até hoje e presidente do país, eleito democraticamente, após uma grande reforma no regime da África.

Contudo, não se esquecem as mentes mais saudosas da África de que um grande homem, com sua sensatez, inteligência, honradez, humanidade, que lutou severamente até a morte pelo sue povo, chamado Steve Beecou, levou vários africanos a serem eles mesmos, independente do regime.

O filme não exalta a figura de Steve, mas o mostra de maneira fiel, como sempre foi: fiel aos princípios de humanidade e igualdade, ainda que sob a violência brutal dos brancos que detinham o poder. Poucos se falavam, e, se falavam, eram escondidos a fazer planos para uma vida melhor, em suas casas.

Às vezes, do nada, vinham policiais de toda a espécie transformar a vida daqueles homens e mulheres sem direitos no país em um inferno, atirando, estuprando, queimando alojamentos simplórios, e todos os tipos de animalidades. A desculpa deles, dos animais, era de que estavam em território do governo e que aquela minoria tinha que sair, pois estavam transformando aquele lugar em local perigoso à saúde pública.

Não contavam, contudo, com a voz do grande homem, que se “rebelava” contra atos semelhantes. Sua indignação, no entanto, não era fazer passeatas, brigar contra brancos nas ruas pelos negros, mas dizer a verdade e vivê-la apesar de tudo, e para isso Steve tinha as palavras. Que palavras!

Sem medo de “confrontar”, como ele mesmo dizia, as autoridades, sempre fazia alusão aos negros como um povo que gostaria de ser eles mesmos, não brancos, pálidos, ou com modos brancos; queriam ser negros com suas vidas respeitadas, com seus modos, crenças, opiniões, política, ainda que não educados para tanto, porque a educação em voga era branca, ou seja, com professores que possuíam ideias, modos, opiniões dos heróis, dos pastores, dos salvadores, dos educadores brancos.




Como todos sabem, a educação não têm cor, muito menos a religião. Partidarizá-las por uma maioria que detém o poder é racismo. E de racismo viviam os Bantus, tribo da qual saiu a maioria negra africana, e que dela saiu Steve Beecou.

Um ser que ‘violava’ as leis racistas, tentando, sob a luz da razão não negra, nem branca, mas a universal, entrar nas mentes públicas – juízes, promotores, chefes de polícia, advogados – e fazer-lhes entender que ser branco não era ruim, mas que seus atos já não eram humanos, e sim de seres bestiais que tentavam dominar um país com leis desiguais a ponto de assassinar crianças e mulheres indefesas, e outras bestialidades não contadas no filme. Fazer-lhes entender que ser negro era e é ser humano, com sua cultura, com suas vestes, com família e emprego, os quais eram tirados e violados literalmente longe da opinião internacional.

Claro que um ser como esse não era apenas um homem, era um idealista, destes que não tinham medo de viver no chão proibido, desses cujo céu só existe para os privilegiados, mas que fazia questão de olhar para cima, pois o céu não tem dono. Desses homens que tinham a estrutura simples, até mesmo o andado, mas tão forte quanto larvas a destruir um mundo débil quando suas palavras fortes e reais ao ouvidos brancos vinham às claras... Para os negros, conforto; para os brancos, traição às leis e à África do Sul.

Não era apenas um homem tentando mostrar uma realidade pisada pela maioria branca, mas um ser que se sentia na obrigatoriedade de falar o que via e o que sentia – e isso o levou a ser o mais procurado e odiado depois de Mandela na África do apartaid.

Por fim, morre assassinado. No fundo de uma cela estreita, seu corpo, espancado ao extremo, nu, cheio de dor, e sua cabeça, com o crânio à amostra, teriam sido vistos por um médico que fora convidado para saber se Steve não estaria fingindo. O doutor, triste com o que vira, pediu que o corpo de Steve fosse levado com urgência ao hospital mais próximo, mas a policia não o quis e o levou ao hospital mais distante, dentro de uma ambulância precária, sem acompanhante, com a cabeça batendo fortemente no casco da viatura... levando nosso querido amigo ao óbito, antes de chegar ao suposto destino.

(Volto no próximo....)

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