segunda-feira, 14 de março de 2011

Sem segredos


Sabe aquele momento de pura felicidade em que nos encontramos às vezes, quando ouvimos uma música clássica que nos inspira o dia todo – ou pelo menos nos minutos em que ela desliza em nossos ouvidos, desce para alma e chega àquela parte que, como diriam os mais sensíveis, subjaz a tudo e mergulha no infinito escuro dos sentidos, nos fazendo fechar os olhos e sorrir como bobos em frente a uma orquestra?...

Sabe aquele momento em que você é surpreendido por um milagre natural, que somente você presencia e fica como um ser especial por alguns instantes, observando, amando, colocando as mãos no rosto, lacrimejando num rosto seco de saudades por algo verdadeiro?

Sem falar naqueles dias em que, mesmo havendo a mais forte ventania e respingando chuvas em sua roupa nova, e suas botas, sapatos, sei lá, de repente pisam numa poça suja a transbordar em sua calça limpa como se fosse apenas contigo, e, ao ver o seu rosto demasiadamente leve, sorridente aos outros que passam loucos pelo tempo ruim, que não passa, mas você, ali, com aquele ser estranho introduzindo um sentimento de liberdade, de amor e paz, tanto quanto qualquer guru...


Lembra-se dos dias em que se machucava ao cair no chão cheio de pedras pontiagudas, notava-se o joelho ferido, saindo aquele sangue quase negro, e que, ao tocá-lo, sentia-se dor, a dor real? Todavia o mesmo joelho, o mesmo sangue deixavam de existir apenas pela mente que passeava entre campos belos, tais quais aqueles que se veem em viagens longas, e que nos fazem viver momentos férteis de ideias, de humanidade?... Pois, eu me lembro.

E nos dias movimentados, cheios de crianças, mulheres, pais e filhos disputando a sala, a cozinha, o quarto, o teto. Depois de histórias contadas por irmãos, cunhados cheios da cerva; de sobrinhos, filhos e netos eloquentes em seus pedidos de lanche, almoço... Enfim, após o terremoto familiar... o silêncio... esse ser magnífico que se esconde dentro de cada um ainda que não saibamos. Esse ser divino que nos faz refletir acerca do nosso papel na vida, no universo, vem acentuar a razão na noite ou mesmo no inicio da tarde, quando pássaros iniciam seus sonhos.

Nós, humanos, precisamos disso dessa paz a que tanto almejamos desde que somos... Humanos, mas somos traspassados por sentimentos contrários ainda que dormimos, ainda que descansamos, ainda que pensamos, há, contudo, pensamentos de que não precisamos ser assim, muito pelo contrário. Dizem que a vida é um emaranhado de leis que devem ser obedecidas à revelia, sem ao menos perguntarmos o porquê.

Não devemos acreditar nisso. Há o silêncio das esferas, dos átomos, do próprio sol, que nos intensifica internamente sem pedir nada a ninguém, com seu jeito belo e silencioso, com o qual nos deparamos todos os dias, mas cai no vazio ao ser confrontado com o barulho das cidades, dentro do qual nos perdemos.

A prática leva à perfeição. Nosso porto seguro, nossa alma, esconde um lugarzinho, ainda que franzino, estreito, para nós é como um paraíso inteiro com direito a cachoeiras de mel, ondas de chocolate, surfando descalços a mil metros do mar. Temos o arco-íris, temos o pote no final dele, temos o que quisermos, mas é preciso escutar aquele ser do terceiro andar que ultrapassa nossos corpos e mentes, e viver, simplesmente viver de bem com a vida.

Sei o quanto é difícil, mas imaginemos um daqueles monges tibetanos que, mesmo em meio à multidão – Dalai Lama – parece estar entre as nuvens, sorrindo aos pássaros que beliscam seu ouvido bem carinhosamente.

Hoje, agora, talvez esse lugar que supera tormentos externos – intrigas, conflitos, violência moral, etc – nos faça acreditar que não é preciso viajar, como diria Marcus Aurélio, não é preciso ler tanto livros de autoajuda ou mesmo buscar um lugar seguro. Nós o temos, bem pertinho. Aqui dentro.



Regis

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