Sabe... Quando se acorda no frio triste de dar nó, eu me sinto um herói. Não um herói real, daqueles que salvam vidas, mas talvez um daqueles que se adentram no mar da vida, sem mesmo ter um barco de papel para nele navegar, ou mesmo se salvar, me sentindo sozinho, sendo levado pela tempestade que não passa nunca...!
E me vou, espetacularmente, ao frio, enfrentando... Enfrentando... Quando de repente, abro a janela pela manhã: uma fumaça global tomando conta de tudo, e não consigo sequer ver as árvores, as pessoas, nada! Não, não estou em Roma e nem mesmo Nero estava lá pondo fogo na cidade, a culpar a todos os judeus, brasileiros, italianos, pelo ocorrido, etc rs. Era o efeito da seca, e a fumaça, mais uma das centenas de focos de incêndio, iniciada sem testemunha...
O frio, naquele momento, se foi como que por mágica. Percebi que o que nos move o destino, a partir de agora, são a seca, as queimadas, a fumaça, o desespero das crianças, dos idosos que não têm o corpo propício ao que a natureza nos oferece... ao que a natureza a eles oferece!
As crianças, isso inclui meu filho, têm o corpinho tomado pelo calor, que derrete as possibilidades de brincar, comer, saltitar... Enfim, estaciona-os com fraldas sujas, a serem trocadas a cada hora. Não há herói que dê jeito.
Metáforas, adeus!
E a fumaça continua a cerrar os olhos do homem que já não enxergava, já não caminhava ou mesmo vivia em função de algo válido. Agora, mais do que nunca, seus olhos precisam ver que as consequências de seus atos são reais, não apenas uma teoria clássica. Precisa entender que as figuras de linguagem, como a metáfora, os símbolos, desaparecem como por encanto e nos fazem refletir acerca de uma realidade tão forte quanto qualquer pedra... A nossa realidade.
E dentro dela, acredita-se que o homem é o dono dos animais, e não somos. Acredita-se que somos únicos filhos dotados de vida e que as árvores são um amontoados de folhas e flores em bosques, florestas, em vasos de enfeite... E que os pássaros são seres inferiores, assim como todos os seres que perambulam horizontalmente, também o são. Embora pareçamos superiores, não somos.
A realidade deve ser interpretada como o chão em que pisamos. Nele há os seres que crescem, nascem, morrem e renascem, ainda que sejam em corpos diferentes, não apenas nós, humanos, com nossas mentes ambíguas no acreditar de algo que nos faça realmente definidos. E, por causa dessa indefinição, somos obrigados a entender certos atos de bestialidades, sejam eles nas ruas, nas esquinas, e agora, mais do que nunca, em um pequeno ato, mas que está deixando a todos sem a fauna, na qual vivem outros seres que estão abaixo de nossa cadeia alimentar, mas não por isso inferiores a nós. Estou me referindo ao ato voluntário de atear fogo nos campos, nas florestas, no verde, que, com essa seca, deixou-nos com paisagens cinzas, assim como nossos olhos de lágrimas.
Estou me referindo ao homem que joga o cigarro da janela do carro, que joga o palito semiacesso ao léu, do homem que acende uma fogueira ás margens da secura e acredita que Deus vai soprá-la e apagá-la até virar cinzas molhadas; dos homens que jogam garrafas ao chão, em meio ao cerrado, que com o calor intenso transforma aquela garrafa em lupa gigante, e quando temos esse efeito, mais cedo ou mais tarde, temos folhas velhas se desintegrando com a pequena chama, depois com várias chamas, até a maior delas...
Precisamos nos assentar à realidade e entender que não há super-homens, mulheres-maravilhas, homens-aranhas, a nos salvar dos homens-maus, mas homens responsáveis pela vida em todo o sentido, inclusive no profissional, – os bombeiros. Humanos, por mais incrível que pareça, com força e disciplinas para salvar vidas vegetais, animais e humanas, acima de tudo.
Contudo, não há sempre esse Corpo de salva-vidas perto de nós, e sim nós, como cidadãos, como filhos de um mundo, como pais e como mães e amigos; como cientistas, filósofos, matemáticos, literatos, etc, ideários, ricos, magnatas, intelectuais! Porém, sem o mínimo entendimento do que é realmente a natureza. Nesse aspecto, seremos sempre ignorantes.
Tradição.
Enquanto no passado tínhamos a natureza como parte de um todo no qual também somos parte, hoje, graças ao esquecimento coletivo, ou à pratica dele, somos obcecados em descartar uma outra realidade: estamos nos matando.
Não adianta dizer ao homem que apenas a mata, os animais, as flores e o cerrado se consomem com o fogo, pois, ainda que não acredite, estamos nos consumindo não apenas na chama do egoísmo, da ganância, dos interesses, mas, muito mais, da chama que transforma a maior das árvores em cinzas; sim, estamos nos matando aos poucos. Não apenas as crianças, os idosos, mas a todos. Há uma Teia invisível nos religando até mesmo ao que não acreditamos, ou seja, ao ódio (quando criado), mas também ao que acreditamos e por ele vivemos, ao Amor.
A Grande Teia da vida, desde que o universo é a razão de estarmos vivos, existe. Portanto, já faz muito tempo que somos um pouco animal, vegetal, mineral, somos vermes, somos terra, água, ar e fogo, e mais que isso, humanos. Somos aquela lata jogada das vidraças, o papel irrisório, embrulhado na palma da mão que vira lixo no chão antes de ser ir para a lixeira.
Somo inclusive o fogo que arde em nossa pele, a criança que falece por falta de ar, ao que morre esquecido por falta de auxilio longe de todos. Somos tanto Hitleres, quanto Papas, enquanto nossa mentalidade senil, desenvolvida para fins divinos, desfaz um mundo que levou bilhões de anos para ser construído... Somos destruidores de universos!
O grego construia, amava, e, em sua educação magistral, não acreditava em um mundo desligado, desconectado, pois não seria mundo, nem mesmo uma natureza, por isso, dentro de seu legado como civilização, o todo estaria dentro e fora de si. E, se houvesse um grego tradicional ainda vivo, com seus dois mil anos de idade, diria “estamos nos maltratando, estamos nos extinguindo”.
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