terça-feira, 8 de novembro de 2011

Dédalo e Ícaro (Ensaio Final)

O inicio de um grande voo.


Dédalo, arquiteto, e seu filho, Ícaro, presos e condenados pelo rei de Creta, que se desagradou pela construção do labirinto, o qual também era uma construção do hábil grego – ficam exilados em um grande castelo cujas torres são as mais altas da Grécia. Lá, com seus artifícios manuais, do nada, reinventa, da forma mais espetacular possível, asas de seda para alçar voo e fugir.

Nesse dia, o da fuga, Dédalo pede a Ícaro que não voe alto demais, pois suas asas poderão se desintegrar com o calor do sol. Avisa, ainda, que não poderá voar baixo demais, porque a água do mar poderá molhá-las e ele, seu filho, afogar-se.

Contudo, ainda que avisado diversas vezes, o jovem Ícaro, ao pular da janela do castelo no qual estava preso, juntamente com seu pai, salta e ganha o céu. Maravilhado com o feito, olha toda a paisagem, faz rasantes, mas não se contenta em voar em paralelo ao idoso, que o havia avisado...

“- Icaro, meu filho – disse ele quando tudo ficou pronto -, recomendo que voes a uma altura moderada, pois se voares muito baixo, a umidade emperrará tuas asas, e se voares muito alto, o calor as derreterá. Conserva-te perto de mim e estarás em segurança”.


Ícaro sobe, sobe... e não volta. Dédalo, receoso, grita o nome do filho em vão. Este, tão fascinado pela beleza da liberdade, vai em direção ao sol... Suas asas, de seda, não aguentaram. Ícaro cai. O mar o engole.

“- Ícaro, Ícaro, onde estás?” – gritou o pai, aflito.


Retidão



Em todas as culturas antigas – Incas, Maias, Hindu --, havia uma filosofia a respeito da retidão universal. Na antiga Índia, por exemplo, o nome dessa retidão chamava-se (ou ainda se chama...) Darma. Em cada nível no qual vivemos, e no maior dele, o universo, tudo estaria sujeito a uma Lei, a lei dármica. O contrário disso chamar-se-ia Carma. Era a lei da Ação e Reação.

Ao homem comum, essa lei também vigoraria, dentro dos níveis a que ele passaria nessa e noutra vida, como acreditavam os antigos. Então, por que em sua vida diária não seria possível a concretização dessa lei?

Sim, e é nela que o homem tradicional se baseia, vive e se educa. Exemplo disso é a vida egípcia, ao falar de Maât, sua deusa maior da Justiça, à qual todo povo obedecia e nela se pautava para decidir seus atos. Sem esse parâmetro, não havia como viver.

Em outras tradições, repetia-se, com outros deuses. Na Grécia, com Zeus e seu oposto, Hades. No Egito, Seth ao oposto de Osíris; Odin, na mitologia nórdica, e Loki, o seu oposto. E assim, por diante...

Mas nossa cultura se distanciou de tais preceitos, e transformou tudo isso em folclore, ou como dizem hoje, no pior sentido da palavra, em mito.

Mas a simbologia persiste. E como um coração que muda de corpo, mas não de cor, a semântica dela nos permite atravessar mares e entender um pouco do que os deuses nos reservaram...

O significado

Na mitologia budista, diz-se que Buda, antes de iniciar-se, ainda um garoto debaixo da grande árvore da sabedoria, ouviu ao longe um som tocar. Era o alaúde de um menino que, ao lado do pai exigente, tentava sonorizar em vão algum som. O pai, paciente, teria dito: “Não toque com as cordas frouxas, pode não sair som algum; e não as deixe esticadas demais, pois podem arrebentar”.

Era o inicio de uma das grandes filosofias adotadas por um dos maiores iniciados de todos os tempos. Sindarta, naquele dia, teria se transformado em Buda, graças a sua “percepção” (siting, visão...) em torno do acontecido que o fez ‘ver’ com os olhos do espírito a razão de tudo.

Antes, dele, porém, outros iniciados já descreviam, com seu entendimento, por meio dos seus sitings, a lei dármica, ou melhor, o Justo Meio – como reza a filosofia budista. Assim, temos em vários mitos não somente gregos, como também hindus, maias, de forma diferente, descrições acerca dessa grande lei.

No mito de Dédalo e Ícaro, quando aquele pede ao filho para que este não voe em direção ao sol, muito menos baixo demais ao ponte de lamber as águas, em razão das asas serem de seda, presumimos o mesmo entendimento.

Ícaro não poderia voar nem muito alto ou muito baixo, caso contrário, não voaria, ou melhor, morreria afogado nas águas do mar. E Ícaro, símbolo dos homens que acreditam que as leis não geram causa e efeito, teve suas asas derretidas, e morreu afogado.

Assim como o jovem Ícaro, somos embriagados, desde sempre, a conceitos relativos, dos quais somente sabemos que o são quando erramos o bastante, caímos, sofremos, e às vezes morremos, e percebemos por meio de questionamentos do tipo “por que isso só acontece comigo?”, “Por que isso está acontecendo, eu não fiz nada!”... E assim por diante.

Contudo, a história está cheia de exemplos dos quais, se não fôssemos tão teimosos, poderíamos tirar proveito, mas não somos sábios o bastante. Não precisamos, claro, nos refinarmos em livros, em conselhos, pois a própria vida nos belisca na alma, no físico, no espírito, e às vezes nos deixa amargurados até o fim de nossos dias – se não nos matarmos, é claro – cheios de sofreguidão, graças aos nossos erros presentes e passados.


Ícaro é mais que uma metáfora. Ele alude uma lei de ação e reação que nos banha todo os dias, seja em pensamentos, em atos, dos quais só criamos consciência depois de idosos, ou nem isso. O jovem representa muito mais que a teimosia humana, Ícaro representa a humanidade e sua dificuldade em entender a própria vida, dentro da qual fazemos o que queremos, confundindo conceitos, principalmente o de liberdade.

Segundo os Estoicos, liberdade nada mais é que “Seguir a lei divina”. O que estaria fora disso chamar-se-ia debilidade humana. Dentro da liberdade, então, teríamos uma natureza que estaria seguindo a lei dármica, com ou sem carma, pois até mesmo os seres de espécies diferentes da dos homens também estariam dentro, sem exceção. Todavia, apenas o homem, na sua evolução, teria a consciência – ou poderia ter.

Liberdade do sol, da chuva, dos pássaros em serem pássaros, dos frutos de serem frutos, das árvores em serem árvores, e do homem e ser Homem, o que, na realidade, é menos possível do que todos os exemplos.

Dédalo seria a Lei. Dono da perfeição, o senhor, cujas asas seriam feitas para a liberdade real, chega a mostrar as duas faces da Lei (ação e reação) ao jovem, porém, assim como todo ser humano, se desfaz dos conceitos tradicionais, cai na personalidade interesseira, esquece as leis universais; cai no mal, assim como muitos de todos os mitos o fazem, e nos mostra quão volúveis somos ao passageiro, ao efêmero, sujeitando-nos à dor, ou ao mal.


O sol

O sol e o Mar.



O sol, o invisível ser em cada um, tornar-se Ideal. Todavia, de forma não gratuita, buscamos com nossas parcas ferramentas, contudo eficazes, a depender de quem as manuseia. Como ‘Ícaros’ que somos, nos iludimos com a perfeição de nossas asas, e vamos ao encontro de sóis efêmeros, dos quais não se pode tirar nada, a não ser a grande experiência de levantar de uma grande queda. Às vezes, não.

O Mar, símbolo de nossas horizontalidades, funciona como o próprio homem em sua ignorância, mas, a depender do próprio homem, harmoniza-se e serve de apoio ao mundo espiritual. Em nosso caso, mergulhamos como ‘Ícaros’, todas as vezes que caímos, ou seja, sempre. Subir será sempre (sempre!) mais difícil que descer. Seja no aspecto físico, seja no aspecto espiritual.

E o céu, sempre simbolizado, em todas as culturas, como o lugar paradisíaco dos homens bons, esforçosos, e de bem, será sempre a meta coletiva – ainda que relativa. E quando temos asas para alcançá-lo, nos distanciamos a cada voo, ao contrário do pássaro. E a terra, o mar – tudo que se refere à horizontalidade --, nos darão escadas imensas, mas sempre nos apaixonaremos pelos degraus...








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