sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Filhos de dona Esperança



Hoje, quase de madrugada, percebi uma ventania sinistra chicoteando o telhado de casa. As paredes me pareciam que iam desabar, juntamente com as janelas que, ainda que sejam de ferro entrelaçados, possuem fragilidades à parte. Achei que o "barraco", que fica no segundo andar de uma barbearia, sairia ao vento como naquele filme twister, de Spielberg, quando uma vaca sobrevoa um carro em meio a um ciclone, depois uma grande casa, desapregoada do chão, invade a tela do carro em velocidade.

Um frio de dar nó no coração do mais valente dos homens. Tomei meu café feito pela esposa; refleti acerca do ocorrido, andei dentro de casa como um rato de laboratório, pensando como iria trabalhar com aquele tempo chuvoso e decadente. Não que eu deteste chuva, contudo, havia um sentimento de tristeza em mim, que se igualava àquele momento tão opaco...

É, meu coração estava tão chuvoso quanto o dia lá fora. Estava pior. Com tempestades tão frias e obominavelmente fortes, que precisei ser consolado pelas mãos de minha senhora.

Eu estava com uma dor inconsolável, ou uma semântica afetada, ferida, quase morta. Meu físico não conseguia se deslocar da cadeira, meus olhos tentavam se erguer ante as paredes azuis da cozinha, pequena, contudo, aconchegante, e que me trazia, todavia, em seu centro ideias de morte.

Eu tinha que me levantar e vir trabalhar. Minha mente não poderia me dominar como uma senhora feudal e me fazer acreditar que sou o que ela pensa, o que ela manda... Eu, no fundo, queria e quero me livrar das ideias tristes, sair do submundo dos pensamentos fúteis e racionalizar um futuro melhor ao meu filho. Este, graças aos deuses, trabalha inconsciente – ou seja, brincando o tempo todo – assim, norteando-se para descobertas, alegrias poucas e sutis, agradáveis ou não, mas vivendo, aprendendo, sob pequenos grilhões que ele mesmo cria...

Somos nós. Filhos de intempéries que nós próprios criamos, e delas vivemos ou... morremos. Somos filhos da ignorância que só nos é descoberta quando o mal se fez em nossa mente, corpo ou mesmo espírito – Platão já dizia que sofremos graças a nossa ignorância. E hoje, essa máxima se faz em nossos olhos, e percorrem nossas vistas, se fazem e se desfazem como edifícios pobres e podres numa avenida que se chama vida.

Nada mais há de viver, eu disse, tenho poucos elementos fortes para sobreviver a um mundo que nos destrói, nos corrompe, nos atrela às suas correntes imorais, e antiéticas, tão fortes quanto algemas reais. Nada mais a de fazer. Apenas assistir ao enterro nosso de cada dia, nos enganando com fatos corriqueiros de alegrias e felicidades teóricas, das quais nem mesmo o mais sábio pode nos dar forças internas.

O fim, para mim, está próximo. Está aqui, realizando-se em meu coração. Não sei se existe o inferno, nem mesmo o céu. Apenas sei que dores tais quais essa que sinto e sentirei daqui para frente farão o mais endiabrado dos homens a refletir acerca do que fez, ou mesmo o mais cristão, acerca do inferno, que, para ele, é a pior penitência aos homens...

E figuras metafóricas se fazem. Se revelam em forma de imagens distorcidas, como quadros abstratos feitos por amadores de rodoviária. A consequência disso tudo – desse estado mental pelo qual passo – é mais desejo de sair, e me unir à chuva que cai incessantemente, com suas rajadas de vento, a qual respinga nas paredes frágeis de minha casa, e de minha alma...

Eu, filho de uma grande mãe, de um pai que viveu do trabalho, percebo o quanto não estou fazendo jus aos meus genitores, pois estariam, tão loucos a manobrar suas vidas, correr no meio da chuva, enlamearem-se e mostrar que era apenas uma chuva... Mais nada...

E Era...

Ao abrir a porta, percebo que há águas transpassando as vias da pista que fica no fim da escada que dá acesso à parte inferior do andar. Todavia, me aproximo do fim dos degraus, e consigo ver o que não houve, ou melhor, apreciar o que a natureza havia deixado para os olhos dos mais atentos...

As ruas estavam como que lavadas, e o frio não era aquele do Alasca, e a chuva? Que chuva? O intrometido e belo deus solar já estava clareando as únicas e poucas nuvens que estavam lá para recebê-lo. E o seu show estava prestes a iniciar, com pequenas claridades – maravilhosas – as quais torneavam o alto das árvores e dos prédios com sua simplicidade laranjada, transformando o grande pico do mundo em algodão doce queimado... Sem palavras!

E o caminho para o trabalho foi-me iluminado constantemente pela beleza da vida que se esconde dentro e se revela fora de nós graças à grande esfera amarela do dia.

Talvez o mundo não seja tão mal assim, talvez a esperança não seja apenas uma ancora a se apoiar nas horas mais herméticas, mas sim uma realidade oculta na qual temos que nos apegar, viver, sentir, trabalhar, conviver, e dela sobreviver, pois somos humanos, e não temos apenas que colher resquícios de nossa ignorância não. Somos também parte de uma divindade que se revela em forma de chuvas intempestivas, mas, muito mais, em forma de um sol que nos diz todos os dias “trabalhe o que há de bom em você; ame mais o próximo, pratique o bem, e se esqueça da chuva do tempo, porque a verdadeira chuva é aquela que cai de nossos olhos, em homenagem aos grandes homens e mulheres que fazem de nossas vidas um sol”.






Mãe, a senhora vai ficar boa.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

A Parte que nos Falta

"É ótimo ter dúvidas, mas é muito melhor respondê-las"  A sensação é de que todos te deixaram. Não há mais ninguém ao seu lado....