Quando partimos do princípio que podemos fazer coisas incríveis, sempre nos imaginamos subindo montanhas, escalando-as com intuito de alcançar seu pico, e lá de cima dizer, Eu Consegui! E vamos descer da belíssima vista da qual tiramos fotos, e as enviamos por instagran , sei lá. Não menos do que isso, corremos para alcançar nosso recorde, ultrapassando linhas imaginárias, pessoas, tempo, horas, e lá estamos sorridentes em nome de um número que tanto sonhavam ver em seus cronômetros!
E nossas aventuras imaginárias se estendem, cedendo espaço ao difícil, ao complexo, ao que aquilo resumimos como sobre-humano. Lá vem o equilibrista a subir prédios se proteção, amarrar fios entre dois edifícios, e com uma vara, imensa, sem rede para segurá-lo na queda de mais de cinquenta metros, andar entre os dois e conseguir seu feito inédito, tudo isso, lembrando, para fazer parte de um livro que coleciona recordes de loucuras humanas...
Sem falar nos mais interessantes, para não dizer intrigantes, que descem escadas de cabeça para baixo, chutam com as duas pernas, batem pênalti com calcanhar, enfim, falam de trás para frente, e morrem tentando ser mais complexos do que são e somos. Muitos se chamam de aventureiros, recordistas, artistas, mas eu os denomino de medrosos.
Pessoas assim não têm uma vida familiar, profissional ou qualquer vida na qual possam se instalar emocionalmente. Muito pelo contrário. Fogem e tentam escalar, correr, fugir de suas obrigações junto ao ser humano e por que não dizer da sociedade? Claro que há casos em que pessoas há nesse mundo que o fazem por uma boa causa, a buscar patrocínio, angariando fundos com vistas a alimentar creches, escolas, bairros inteiros, mas estes não fazem marketing, propaganda massiva em nome de seus projetos -- e quando o fazem, são vistos como coitados, ante a situação que nos encontramos (falta de emprego, inflação alta, corrupção, morte infantil, homicídios, genocídios sociais) -- e em pouco tempo desaparecem, mas aqueles que fazem das suas piruetas heroísmos são vistos em cadeia nacional e são levados ao Fantástico!...
Aventura, a meu ver, hoje, ao contrário do que dizem, tem tudo a ver com emoções, com fé, com coragem de fazer aquilo que alguns raramente fazem -- não no sentido louco da questão --, mas algo mais simples, belo, puro e natural como um levantar de cabeça na hora do jantar, olhando os olhos de quem está contigo; o segurar de uma mão, nas horas mais bobas, sem precisar que as dores apareçam para que tal ato simbolize humanidade... Um abraço quente na despedida do trabalho, na chegada do colégio, na hora de levantar; uma palavra engraçada no meio daquela novela maldosa, que só nos desce o astral, sorrir sozinho sem ser confundido com louco...
Nossa meta é chegar aonde seres humanos têm dúvida de nossa chegada. É ser o melhor, maior, elevado, sábio, conhecedor dos segredos de Deus, mas não nos portamos como seres que somos; nossas macaquices, sem ofensa aos primatas, nos destronam de nossas pretensões, e nos desalojam de nossos abrigos, onde, normalmente, precisam de nós, de nosso amor em forma de palavras, afagos, carinhos simples, paz.
E por não sermos praticantes desse esporte não olímpico, tudo isso nos parece complexo.