Um gotícula, um príncipio. |
Ao ouvir uma música, fecho os olhos e penso na natureza de cada instrumento. Nada substitui a harmonia, o equilíbrio de uma orquestra que traduz, em forma de som, quando chega ao extremo de nossas almas, a espiritualidade, lá na consciência mística de cada um de nós.
E quando abro os olhos pela manhã, sinto uma fresta me bater na face ainda cerrada pela penumbra que se encerra aos poucos, até que o quarto todo, ainda hermético, se torne uma caverna iluminada pelos poucos raios que nela adentram. O sol, simpático, disciplinado, obediente às leis naturais, nunca perde a hora, o dia, e nunca deixa de cumprir o seu grande papel justo, vocacionado, e belo, nos dando uma alvorada no fim da tarde. Isso, todos os dias...
Nele, nesse grande disco solar, o equilíbrio e a harmonia com tudo e todos é de tão fácil compreensão que nunca nos questionamos a respeito de um dia ele, o grande disco (se pudesse, claro) um dia cansar-se de levantar-se, e dormir, ao som da grande música vital, a qual não ouvimos, mas que há em cada pétala de rosa iluminada... Temos a certeza de que se houvesse esse cansaço, morreríamos em pouco tempo, ainda que houvesse tempo de construir um “sol particular” à humanidade, pois o real, este que se esvai como um rei, deixando rastros de beleza e ética, jamais pode ser substituído...
O sol, a chuva, as cataratas, as montanhas mais altas e incríveis do mundo, as geleiras, e a própria terra, não dormem, não descansam, não questionam, não se suicidam, mas fazem parte de uma Filarmônica Divina na qual todos possuem seus violinos, violoncelos, pianos, flautas, sem falar nos corais de pássaros, e de suas árvores dançarinas que nunca param de bailar ao som das brisas simples ou aos ventos fortes.
As árvores, em si, trabalham em prol de nossa natureza, e não pedem férias, e quando adormecem aos olhos humanos, estão apenas, aos divinos, sintetizando a vida dentro de si, a fim de que mais tarde frutos belos fiquem ao alcance dos seres em sua volta – inclusive e principalmente o homem...
E a orquestra sustentável continua na terra ao som dos vermes simples que carregam os minicadáveres, limpando a natureza... Tais seres, com seus papeis inteligíveis e ao mesmo tempo racionais, traduzem a importância de uma natureza que necessita se assegurar tanto embaixo das nuvens quanto em cima delas. Isso é inato ao homem.
Tão inato que ao vir pássaros fabricando seus ninhos, se alimentando e ensinando seus filhotes a pular dele, passamos a acreditar em algo maior que a nossa própria natureza, que sempre acreditou ser separada do todo. Depois de mais exemplos os quais nos subjulgam falhos, continuamos a duvidar que somos o centro do universo, e que possuímos dons universais de modificar o passado, o presente e o futuro... Pensamento que nos faz, às vezes, sonhadores, nos sentido mais infantil da palavra, pois, na realidade, nada mais somos que um desses instrumentos naturais, os quais podem ajudar a grande orquestra da vida a tocar a grande música divina sem que cesse para ouvir um mundo que ainda não teve tempo para ouvi-la...
Todavia, há tempo...
Em nome dessa orquestra a que tanto bate em nossos ouvidos quando fechamos os olhos, desse sol que se adentra em nossos quartos, quiçá, de modo sorrateiro e belo, nos dando, em segundos, a consciência nata de que podemos abrir os olhos reais e fazer parte desse equilíbrio...
E quando isso acontece, nos revelamos tão limpos quanto à natureza na qual nascemos. Quando acontece, o coração recebe o sinal de que estamos indo ao encontro do céu interno, reflexo do externo, o qual transborda tal qual cálice de vinho de alegria.
Aqui, o homem se revela limpo, harmônico, não apenas em ideias teóricas simpáticas, mas, em seus atos; vem a beleza do trabalho voluntário dentro do qual renasce, a cada dia, a cada minuto, um novo homem, que saberá comungar com seu próprio meio a sustentabilidade universal, e saberá que não é dono do meio, seja da águas, da terra ou do ar. Não matará baleias em nome da estética, não caçara raposas, em nome de rainhas sem nome, não exterminará tubarões pelo simples fato de achar que este é o real assassino das águas, não usufruirá do bens alheios, pois saberá que o único bem é o próprio universo dentro do qual vive-se, morre-se e nasce, sempre em forma de plantas, seres e sóis... De tantas coisas ele entenderá, e vai chorar em demasia, e levantará a bandeira da real sustentabilidade, em uma terra em que ele nunca havia pisado, a terra oculta do seu ser... Pois ele venceu a si mesmo.
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