Aqui, discorro um pouco sobre minhas irmãs, que levam em seus olhos a determinação e a coragem legadas pela mãe.
Rose e mãe: agora é com a gente, mana. |
A casa das cinco mulheres
Minha mãe, além de Raimundo, João e Eu, homens da casa, teve cinco meninas, Rosângela, Rejane, Rosemeire, Ruth e RoseMar – “Tudo no erre e no jota”, dizia... A primeira nascera em Minas Gerais, mas foi em uma dessas andanças para Brasília que a fez nascer e ser mineira, nada por acaso. Hoje, Nana, Carmem, Tindô, Nanana, Rosinha, como pode ser chamada, mora com sua família um tanto quanto longe de casa, mas já fizera parte do núcleo, morando junto, pertinho da casa principal – isso durante muito tempo. Hoje, Nana tem vários filhos e netos.
Rejane, ou Bia, que hoje nos deleita com sua simplicidade Josefiana (de Josefa), já passou por perturbações de natureza psicológica bem complexas, mas já estabilizou-se graças ao apoio da família, que a acolhe e a torna mais social todos os dias. Bia não se casou, e não teve filhos... Mulher de sorte!
Rosemeire, a mais sensível das mulheres, mora um tanto longe de nós há algum tempo, mas sempre esteve conosco em nossos problemas. Seu esposo, César, de personalidade forte, é o responsável-mor pelas histórias que a modificou, e hoje, por consequência, tornou-a uma religiosa forte. Com quatro filhos, Meire, como a chamamos, surpreende na educação dos filhos, ainda que com poucas ferramentas...
Ruth, a de personalidade forte, brigona, chorona e amável, vive das filhas e esposo. Atualmente, tem um salão nos fundos da casa principal, pois fizera cursos para tanto. Depois que minha mãe se foi, Ruth quase se deixou levar pela dor, mas não a deixamos. Sua educação às filhas se estrutura nos ensinamentos de minha mãe, assim como todas o fazem.
Rose, a pequena, forte, feliz, amorosa, integrada ao núcleo, revela-se, a cada dia, uma pequena mãe a todos – com um 'probleminha' chamado Lucas, seu filho adolescente, o qual se torna um potro indomável, e não se consegue dar a ele estudo, obediência, educação, disciplina, amor, graças a uma falha no passado-adolescente da mãe, que tenta, todos os dias, redimir-se ao que fizera. Mas ele sabe que não poder levar essa desculpa pelo resto da vida, pois terá que voar um dia sozinho, e a vida vai exigir dele muito mais que os quesitos acima.
E para essas filhas minha mãe deu toda a sua forma, todo o seu ser para que pudessem levar sua vidas em família, fosse na doença, na saúde, no amor, em tudo. Todas elas, ainda meio titubeantes pelo desaparecimento da mãe, ainda se encontram claudicantes em suas vidas, pois ainda que não queiram a imagem da senhora sorridente, forte, nos quadros, nas fotos, e a timidez de uma criança reluzindo em seu sorriso nas horas mais simples, traduz o que tentamos ser, o que precisamos ser, pois não a temos mais.
Como disse uma querida amiga, cuja mãe também se foi há pouco tempo, “Regis, ela vem nos sonhos nos visitar, não se preocupe”, e é verdade. Todas as vezes que sou pego de surpresa com sonhos nos quais minha mãe reluz, aquela parte que falta, aquele conflito, aquela guerra interna, aquela pequena dor incessante... tudo se vai...
Mas acordar e saber que não a temos, é acordar em meio a um conflito eterno, dentro do qual somos obrigados, mais que tudo, sobreviver, pois já tivemos baixas demais nessa batalha grandiosa da vida, e não queremos perder mais ninguém tão cedo, pois a última quase nos levou.
Hoje, depois das recordações de casa lotada em fins de semana, com filhos, netos, bisnetos, me sinto na grande obrigação de unir a família, porque, depois que a coluna mestra se foi, começamos a falar como habitantes de uma isolada Torre de Babel, na qual, no passado, ninguém compreendia ninguém.
Sabíamos que seria assim, com uma dificuldade inerente a uma família que dava seus problemas, almas, dores a uma mãe que se fingia de Cristo, apenas para ver seus filhos sorrirem. E sorriamos, e chorávamos, e guerreávamos, nos separávamos, nos uníamos, abraçávamos... E sempre, no fim, estávamos todos ali, presos ao grande colo da mamãe-urso, o qual acreditávamos seria eterno... Assim, como todos que têm mãe.
O que temos, atualmente, é um dever. Dever de nos integrar, de nos conhecer melhor, e iniciar um processo psicológico, no qual somos o sujeito e o objeto. A partir de agora, sem a genitora que nos dava seu ar em meio às festas, às reuniões familiares, como a segurança de que não estávamos exagerando em tudo, temos que buscar, em sua sombra, em sua disciplina, ou mesmo nas imagens de nossa cabeça, a fortaleza que nos deixara.
Órfãos? Não, não acredito que somos órfãos de mãe. Somos apenas filhos que viram o corpo de uma senhora que se foi. O espírito de minha mãe está em todos os cantos da casa, está na vizinhança, no caminho do pão (caminho que fazia, cedinho, para a padaria), nos olhos de minhas irmãs, nos gestos de bondade de cada um de meus irmãos, na dedicação de todos, nas plantas que adormecem ao redor da casa, no quintal... enfim, nas coisas mais simples e belas do nosso dia a dia.
Continuo com a homenagem no próximo texto...