sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Cícero: a Idade e o Tempo

Jovem Cícero lendo suas poesias preferidas.

Cicero, grande orador romano, nos deixou um legado fraterno sobre a velhice. Sempre dizia o mestre que ao chegar à idade divina, assim ele se referia àquele que chegasse à terceira idade, o homem cuidaria mais de si mesmo, seria mais respeitado, e deixaria os desejos de lado, indo ao encontro de tudo que um dia foi feito para o homem-filósofo: a natureza.
Sua simpatia à idade não era apenas um refúgio, assim como o é para homens que sempre possuem desculpas naturais com fins reclusos, ou melhor, sem a possibilidade de avançar na vida e conseguem usar seu racional para tudo, inclusive ler jornal o dia todo. “somos onde a juventude quer chegar”, dizia. Pois sabia que, mesmo naquela época, jovens tinham seus devaneios bobos, comparados com os de hoje.
Todavia, eram devaneios que “atrapalhavam” a consciência humana jovem em reconhecer a realidade da vida, de que somos perecíveis em corpo, e que antes de sermos fortes, guerreiros, homens, também temos uma raiz que nos faz espirituais, a qual só se é reconhecida quando chegamos à idade terceira.
Mal sabia ele (ou sabia?...) que a juventude de hoje é propícia a ser enterrada antes de seus pais. E como tal a referida se esvai com pouca sabedoria (ou nenhuma...) em meio a frutos podres de uma educação desvirtuada, sem sinais de vida.

O velho e sábio Cícero: morte como continuação.

Cícero, em seus diálogos, nos cita os grandes homens que envelheceram e tornaram suas vidas tão magnificas quanto qualquer uma na tentativa de assemelhar-se a elas. Uma delas é a de Platão, que morrera fazendo o que queria, escrevendo com magnificência suas obras. O grande orador também fala da admiração dos jovens aos espartanos, que quando chegavam, idosos, em seus coliseus, e estes, lotados, tinham a complacência em respeitar, como em uma cerimônia sagrada, a vida do velho homem, que, com certeza, estaria ali porque passou por batalhas, em nome de seu país, de sua família, de sua sociedade, dos deuses, e ainda vivo.
Era belo, dizia Cícero, em ver todos a se levantar e aplaudir o grande homem, que, com certeza, estava ali apenas como um espectador dos jogos do coliseu, mas, para muitos, símbolo maior e troféu de uma nação guerreira.
Cicero sabia que a juventude era uma natureza pela qual devíamos passar, porém de maneira regada, sem excessos. Por isso, passou seus dias a ler velhos sábios e a praticar sua oratória ainda em vida tenra, além de sair de situações que pediam estratégia de um jovem que estaria crescendo em meio a uma república tão amada quanto Roma, o que lhe propiciou ideias grandiosas e uma sabedoria firme ante seus inimigos.
O grande orador veio a dizer que o homem deveria se sentir mais realizado em idade avançada, porque agora realizaria o que pretendia, ou seja, ficaria mais culto, mais elegante não apenas com as palavras, mas seu modo de vida seria um espelho a outros que procurariam sê-lo.
Cícero no cita quatro condições sine qua non para admirar a velhice.
- A privação dos melhores prazeres.
O mestre sabia que o homem é um ser de vontade, mas também de desejos. São forças distintas, porém advindas do mesmo corpo, e que podem lhe dar condições, a depender do individuo, de reconciliar-se com sua natureza, indo ao encontro de si mesmo. No entanto sabemos que, quando jovem, tais pensamentos filosóficos se esbaldam para o mar de infantilidades, a furtar-se de responsabilidades, obrigações, até mesmo acerca de seu comportamento ante a sociedade, simplesmente por causa dos desejos.
Quando da velhice, não podemos dizer o mesmo, simplesmente porque a própria natureza nos priva dos prazeres, a retirar do humano forças hormônicas, com o intuito de leva-lo a outro raciocínio, o de que precisamos pensar no espírito, na vida e na morte.
- O enfraquecimento do corpo.
Ao contrário do que podemos dizer acerca dos jovens, que sempre acreditam que força é algo que deva prevalecer eternamente, sabemos que, quando se vem a velhice, corpos enfraquecem, se tornam volúveis a determinadas atividades, por isso a complacência da reclusão, mas não da vida, pois há atividades nas quais se pode sentir-se útil, forte internamente, filósofo e passar aos pequenos e aos jovens experiências capazes de edifica-los.
- Afastamento da vida ativa
O que não quer dizer que devamos ficar menos fortes ou menos ativos. A velhice nos propõe maneira de viver como somos, não como crianças, jovens, mas como somos velhos – o que não significa ser diferente no pior sentido da palavra, talvez muito pelo contrário. A razão, claro, chega a sentir-se vazia, mas ao “treiná-la” ao proposito a que um dia chegará – a velhice – tornar-se-á mais fértil e útil tanto quanto na idade tenra.
- A velhice nos aproxima da morte
Já dizia um filósofo, “nascer nada mais é que viver para a morte”. Talvez esteja simbólico demais para a nossa compreensão; mas Cícero, filosofo-orador, sentia que havia uma necessidade de entendemos mais o “outro lado” da vida, não apenas em pequeno, mas principalmente na velhice, o que é natural.
No entanto, quando o homem estaciona sua mente em torno de seus objetivos, a própria morte, segundo alguns, já o tomou – e isso é real. Para isso, Cícero dizia que a morte nada mais era que a continuação natural de uma vida que vivemos aqui, em sociedade, porém a fazer algo simples, como se estivéssemos regando uma planta e a vendo crescer.
A velhice nos aproxima da morte física, dizia, não da espiritual que nos transmite a paz a que tanto almejamos quando jovem, isto é, numa época em que aspiramos a todos os ideais, mas nunca nos reconciliamos conosco mesmos, o que acontece na velhice.
Enfim, saber viver é saber morrer, e vice-versa, na visão de nosso grande orador.



obs:
Cícero nasceu em 106 a.C. em Arpino, uma cidade numa colina, 100 quilómetros a sul de Roma. Por isso, ainda que fosse um grande mestre de retórica e composição Latina, Cícero não era "Romano" no sentido tradicional, e sempre se sentiu envergonhado disto durante toda a sua vida.

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