quarta-feira, 1 de março de 2017

"Cão-parações" filosóficas.






....Estava longe do último voo de Falcão. Ele aprontou e muito! Houve um momento em que pensei em dá-lo, vendê-lo ou mesmo pedir metade do preço que nele dei ao antigo criador de cães pastores -- o que era a melhor saída. Nem passou pela minha cabeça fazer qualquer negócio com "especialistas" em cães, assim como são os "especialistas" em bebidas, que, não podem ver uma garrafa de vinho, que começam a mudar o vocabulário, mostrar palavras desconhecidas de um vocabulário pífio.
Não eu não queria isso.

Embora em tivesse motivo para tanto, eu não queria. E sim mostrar a mim mesmo que sou responsável não somente pelas pessoas que cativo, mas pelos animais também, e meu cachorro, ainda que tivesse seus instintos de lobo à flor da pele, um crescimento além do imaginável, dentes que me davam medo, não poderia abrir mão dele. E se o observo assim, imagine as pessoas com quem vivo ou mesmo os transeuntes de um bairro pacato, onde só se criam pequenos cães na coleira -- e o meu, imenso, fora dela.

Falcão chegou a um tamanho considerável -- porte de um animal adulto, sem ser adulto ainda; um latido que abafava qualquer outro da rua a quilômetros! Estes "detalhes" pude vê-los com satisfação, pois percebi que cuidava bem dele, dando-lhe ração na hora, caminhando, brincando, enfim, tudo em seu devido tempo -- as vezes, tinha que se adaptar ao meu horário, mesmo porque eu tinha um filho, uma esposa e um trabalho antes dele (ou depois?).

Eu estava começando a me cansar, quando chegou, sem minha autorização, a época do cio dos animais da rua, das casas, do bairro inteiro, de modo que meu amigo pastor não ficara fora da festa. E nela, quem mais se prejudicou foi eu... pois nem sabia o que fazer quando a pequena cachorra, que vivia no mesmo terreno que o meu, e que era da minha irmã, começava a se insinuar para os cães de fora e de dentro do terreno. Era o momento fértil dela, sem reflexões, apenas instintos, arrebentando e arrebatando corações.




Minhas dores de cabeça, pressão, físico, tudo tomou proporções sem limites, sem escalas, pois Falcão e seu latido, suas inquietações, além de força que fazia na coleira, me deixaram quase doente (ah se fosse só isso); ainda me deram quedas, quando quase fui arrastado por ele ao ver um outro cão invadindo seu território no qual sua donzela se resguardava para ele (?), ou para outros, que ela mesma escolhia. Toda ação exige uma reação.

E eu, após tempos, encontrei um amigo que me predispôs um outro, que era adestrador. A este contei histórias tristes, alegres, amargas, incríveis, abaláveis, enfim, não adiantou nada. Ele me cobrou uma grana preta para adestrar o inadestrável Falcão.

Foram quatro semanas, doze aulas, e quase mil reais de gastos, Mesmo assim, Falcão, o "Marley" da vez, não conseguiu ser completamente disciplinado. Não porque o rapaz era ruim, mas pelo fato de eu, este que lhes fala, ter deixado passar tanto tempo sem chamar alguém para pô-lo na linha. Foi o que me dissera antes de me cobrar a última aula. E tinha razão.

Um cão como ele, daquele porte, não poderia ser disciplinado da maneira como eu estava fazendo. Com liberdade, com ansiedade, com tapas, e as vezes pancadas, durante um ano. Porém, ressaltei a ele que, antes de completar um ano, chamei um adestrador que se achava, para ficar com meu cão durante uns dias, para reconhecimento -- isso quando ele tinha uns sete ou oito meses -- mas o faker disse que tinha que esperar dar um ano para que iniciasse o procedimento. E quando chegou, não quis saber do meu cão.

Falcão, hoje, graças ao real adestrador, e às minhas tentativas de reeducá-lo frente ao que me ensinara, está mais calmo, mais manso, morde pouco, e é tratado com amor pela minha esposa. Meu filho, que já o amava antes de qualquer ensinamento, o ama muito mais agora.




Ensinamento

Aprendi que somos covardes. Não queremos mudar nossos vícios, mas somos obrigados a mudar o dos animais, dos jovens, das crianças, burlando seus instintos, como pequenos cães, leões, mas nos esquecendo de que temos uma personalidade que jamais deixará o instinto para trás. Vai nos fazer cães no cio, desrespeitosos, e pensar somente em algo "inadestrável", como o sexo.

E quando penso na coleira em que levo meu cachorro, penso no grande exemplo que meu antigo mestre me fez dar em relação aos deuses, que nos dão disciplinas por meio dos problemas e que não aprendemos. A coleira, nesse caso, seria a própria experiência conseguida durante anos, ou mesmo nossa sabedoria, que não nos deixa sair ao léu para um mundo irreal, dentro do qual acreditamos ser a saída para a real liberdade...

Estamos sempre errados. A liberdade é uma lei, segundo os antigos. A coleira, assim, seria a nossa lei, que nos prenderia em nome de um conhecimento além vida, do qual somos eternos biscadores. Não os cães. Teríamos um mestre a segurar nossa "coleira" ou mesmo os deuses ou uma grande experiência pela qual passamos e percebemos que sem ela não iremos a lugar algum... E se nada nos segura, nossos instintos, opiniões, racional, vontade pessoal, tudo desfaz nossos objetivos ou nosso ideal.

No entanto, descobri que, para se ter essa ideia, é preciso que tenhamos, na prática, uma liberdade falha, opiniões sem propósitos, vontades instintivas, as quais nos tornam cães humanos, além de experimentos que nos proporcionam o mal em si. A passar por isso, procuramos nossa próprias coleiras ou elas mesmo surgem com o passar dos anos, em nós.

E posso dizer com propriedade, todos esses anos em que passei sem coleira, usufruindo de liberdades vulgares, dando opiniões voláteis, posso dizer... todo homem precisa de um compromisso, de um ideal, de uma liberdade real, que nos possa levar aos deuses, ou pelo menos sobre eles refletir e mudar um pouco o que somos, humanos, mas também cães nas horas em que os instintos falam mais alto.













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"É ótimo ter dúvidas, mas é muito melhor respondê-las"  A sensação é de que todos te deixaram. Não há mais ninguém ao seu lado....