...Nem todos têm a mesma paixão, o mesmo amor, os mesmos sentimentos. E quando penso que meu filho ainda não desencadeou nele o desejo de ler, graças aos jogos da internet, fico contando nos dedos os dias em que ele, um dia, vai soltar a "primeira", depois a "segunda" e partir para o mundo das novas experiências nas páginas de um bom livro.
Não que ele não goste totalmente. Muito pelo contrário. Houve dias em que nossas emoções eram voltadas à leitura, às práticas teatrais frugais, como ele mesmo gosta de citar quando coisas simples são aludidas, ainda que sob enfoque de seus olhos infantis, nós líamos contos, revesávamos na explicação, escolhíamos o personagem, como a bruxa ou mesmo o lobo, os quais, em filosofia, são tão importantes quanto os heróis, a desenvolver sempre interpretações dentro de sua compreensão.
Não há mais isso...
Seus olhos hoje, perdidos loucamente entre o controle de seus jogos e televisão, se calam e não mais se mostram interessados naquilo que um dia uma criança de sua idade, há mais de dois mil anos atrás, era obrigada a escutar de seus pais, sempre voltados à educação de seus pequenos, os quais, quando adolescentes, partiam para a batalha, fosse qual fosse.
Agora, apenas eu, em minha plenitude, continuo a caminhar junto a ele, o puxando para o meu lado, como se estivesse puxando um ser petrificado pelas magias do outro mundo que não ensina, não embeleza a vida. Sabe, no entanto, meu filho que em suas reminiscências faço porque é necessário, porque é pétreo, pois ninguém mais além de mim o poderá levar a ser alguém...
Ontem, em uma tentativa de levá-lo a ler um pequeno livro, com páginas imensas, com o nome de "Rei Arthur", pensei que poderia retirá-lo de suas pendências da rede mundial, e a principio não foi possível, pois meu filho se mostrou preso ao que ele mesmo construiu, ante a uma televisão que destrói sonhos ou inventa alguns em meio a tantos que esperam por nós. Assim, em razão de seu lindo rosto ficar enraivecido pelo meu convite à leitura, deixei-o de mão; entretanto, não desisti.
Quando mais tarde, a descer as escadas do quarto à sala, já o fiz com o livro por mim antes escolhido, sem desistência, firme, e o já pedindo que desligasse aquele aparelho imenso, devorador de ideias, castrador de vidas, homicida. Levei-o para fora, dizendo que o ar estava melhor, sem calor, bom para refletir as ideias do livro, e deu certo..
Sentou-se perto de mim o menino nada maluquinho. Entreguei o livro de "Arthur" a ele, que o desdenhou no início, a dizer, do seu modo, que já ouvira alguma coisa sobre aquele rei. Mas, assim mesmo, o pedi que iniciasse a leitura, devagar, sem pressa, pausando, levando seu olhinhos ao que realmente interessa, não às figuras apenas. E o fez.
Ao chegar em termos desconhecidos, pedi para continuar e ele, assim, me deu o livro. Li como se fosse o último de minha vida, tentando passar-lhe cada personagem, cada ato, cada simbologia implícita, mas... era cedo demais. Porém, no limiar de minha voz, quando menos percebo, o vejo de pé a imitar os cavaleiros, os escudeiros, até mesmo o mago Merlin quando colocava a grande espada na bigorna para no futuro um rei nascer... Me empolguei e o fiz sentir mais com minhas explicações, cheias de emoção, e tive um grande alívio... Ele estava amando!
"Pai, você parece que está explicando que nem professor do meu colégio; tá muito legal" -- disse, com sua voz infantil, mas sincera. "Então vamos continuar", eu falei. Depois desse crédito, passei a questioná-lo a respeito do livro, e quando o fiz em relação à espada presa, ele me disse, "Pai... Arthur conseguiu tirar a espada porque ele não era cavaleiro, não era nada..."...
E depois de pensar e refletir acerca de sua reposta eu pontuei, "Você tem toda razão, filho!", "Arthur, em sua inocência, não era nem escudeiro, muito menos cavaleiro, mesmo porque fazia tudo como era lhe passado, assim como se passa para alguém algo que deve fazer porque, sem fazer, algo falta, e assim por diante... ", disse eu, filosofando ante a uma criança que um dia sofreu um avecê, e hoje discute comigo acerca da tradição.
Ele, no entanto, com sua pequena cabeça, olhos mal direcionados, foi obrigado a concordar comigo, ainda que não tenha entendido nada sobre o que reverberei... Não tem importância, pensei... E finalizei nossa leitura, de modo que não o cansasse e continuasse a amar o que amo tanto -- ler.
Depois de refletir sobre a espada na bigorna, pensei muito sobre o que somos e o que buscamos ser. Somos tantas coisas dentro de nossos interesses, projetos, em meio a uma sociedade que nos rotula e aceitamos tais rótulos, e voltei a pensar na espada... "Será que conseguiríamos retirá-la daquele lugar?..." -Não. A busca consciente exige um ideal de pureza, de voltarmos a sermos humanos, ainda que o sol falso nos arda os olhos.
Até amanhã.