quinta-feira, 15 de abril de 2010

A grande BATALHA


Vejo a vida como uma grande batalha, na qual legiões de guerreiros tentam sobreviver ao relento, ao sol e céu aberto. Em meio a sangues, em um chão que não se olha quem está morto – seja amigo, ou amiga, parentes ou afins... – tenta-se, de alguma forma, levantar-se a cada bombardeio, pois de joelhos se fica, quando bombas nos ensurdecem... Nos transformam a cada queda. Os estilhaços respingam nos rostos humanos, se infiltrando como sanguessugas, as quais, em cada lama, não perdem tempo – comem veias, salivando mais e mais sangues...

Vejo o céu sombreado pelo furor divino, pelo qual se vivia há tempos. Uma sombra negra tal qual a noite fria em que se vive há mais tempo ainda. As nuvens reais morreram, e eu, filho da ignorância e da relutância, ainda claudico até o fim de minhas batalhas pessoais. Não sei por quê. Talvez por não entender o dissabor humano em competir, mesmo com a morte em seus olhos; morte de crianças, de jovens, de idosos, e de homens de bem... Competir, ainda que terremotos consumam a estupidez – até aí tudo bem --, mas também a inocência dos puros de natureza, não pude entender...

Nesses dias, a batalha da vida me fez ver o quanto, em guerra, somos indisplicentes, frios e bestiais. Houve o terremoto no Haiti, destruindo o velho mundo, e depois o real terremoto, além do principal, abalar as estruturas humanas: a corrupção, o roubo, o tráfico de crianças, a dor de pessoas implorando por comidas, fosse da pior qualidade ou não, clamando a Deus a resposta às grandes indagações negras... Ali, uma realidade me sucumbiu: a de ver seres da mesma raça disputando o que não havia – casa, comida, espaço – e distribuindo dores, gritos, apelos.

A minha batalha diária torna-se até celeste comparada à daqueles que ruminam larvas, pedras, barros no Haiti (e em outros lugares)... Ainda somos carmicamente beneficiados pelo destino, eles não. Já não bastasse ser um dos paises mais pobres do mundo, um grande terremoto o destrói quase por completo, levando milhões de inocentes com ele. Não há respostas humanas para tanto...

Ver na tela o que foi sentido de perto não nos traz o real sentimento de perda daqueles homens e mulheres, filhos da esperança. Não, não nos traz. Contudo, nos transforma em filhos do medo, da insegurança... As imagens são fortes e chocam.

Vejo, nesse mundo imenso, nessa pequena batalha diária, que somos humanos, mas apenas (apenas, repito) até o primeiro duelo chegar. Num nível maior, somos humanos até o primeiro abalo sísmico... Num nível maior ainda, até que nos roubem o que amamos... não há nada que se compara a um ser humano com seus interesses levados ao chão; nada semelhantes a ele, quando um filho, uma mãe, uma família são ofendidos... a realidade se vai, e uma decrepitude de sentimentos nos iguala a animais de cujo alimento foi tirado. Num nível maior (bem maior que o último), não nos igualamos a nada. Simplesmente, matamos, roubamos, infligimos... Nos alimentamos, tudo em nome da fome, da dor, da revolta que nos impuseram há muito, sem saber. Torna-se, quando vem o momento, grotesco – palavra que não chega nem perto do que quero dizer – o linguajar, o agir, a verossimilhança com o bestial, o pensamento... tudo, menos um ser espiritual em busca de uma evolução interna – é o que somos, até o momento.
A batalha continua... E mais um terremoto demonstra o que foi dito. No Chile, um país, aparentemente civilizado, abalado pela natureza terrena, sentiu em suas estruturas, humanas e prediais, o que o Haiti havia sofrido em menos de um mês...

Com todo aparato médico, além do de segurança – incluindo bombeiros, policia, exército... – o pequeno país de luxo, em relação ao primeiro país, demonstrara o que seus irmãos haitinianos não o fizeram: como urubus, voaram às lojas, saqueando, atirando, destruindo até mesmo esperanças. A meu ver, toda civilização, em meio a uma guerra, a um terremoto, maremoto... Desconhece a lei, assim como um soldado em batalha, que atira para todos os lados, que corre louco em meio aos bombardeios, que clama a mãe, sem tê-la, que mata o amigo no auge da insanidade que o torna desconhecido a ele próprio... O Chile, aparente país educado, tornou-se o símbolo da desordem ao ser surpreendido pelas forças de uma natureza que não escolhe lugar, horário e vida para agir. País pequeno, mas que era indiscutivelmente referencial em comportamento humano, pelo menos em relação a muitos... Naquele dia, tornou-se um homem surdo e mudo dentro de abalo.

As batalhas não são apenas as declaradas. Assim eu as vejo. Todos os dias o homem tem que (e deve) lutar contra si mesmo no sentido de saber lidar com esse leque de possibilidades ocultas aos seus olhos. A questão talvez não seja de cunho fácil, pois não se tem manual de como se comportar dentro de uma guerra na qual homens lutam pela sobrevivência de sua espécie, ainda que custe a vida dos outros – estranho não?. Um exemplo disso é a pobreza em que se encontram milhões de favelados em diversas cidades deste país. Subir e descer morros, não é algo gratuito, lisonjeiro, muito pelo contrário. Torna-se uma experiência diária àqueles que lá moram. Em meio a bandidos sem disfarces que andam até mesmo com bazucas aos olhos do mundo, transformando-se em heróis tortos às crianças daquele lugar, o morro é um estopim, onde policiais temem seus “donos”, e rezam pelos seus filhos que ainda não nasceram.

Essa é a batalha de todos. A nossa batalha. Contudo, há um mal muito maior disfarçado. O mal que se veste de homem de bem, que vê as favelas como algo de bom ao ser humano, criando redutos eleitorais a pessoas pobres, cuja honra é a única coisa que criaram, mas desfalecida pelo mesmo homem que anda e sorri, cheio de idéias sombrias, expressas teoricamente como a salvação do mundo favelado. Negros, brancos, mestiços tornam-se, ali, símbolos da discriminação, além da pobreza que lhes é dada ao nascer, pois não possuem a oportunidade de crescer, e quando têm, revelam-se homens cheios de maturidade a enfrentar mundo, no entanto, nem tanto, pois não conseguem sair do seu meio, acreditando que a solução é fazer algo pelas crianças, jovens e adultos, com uma educação dada pelos mesmos homens que o fizeram pobre no passado. Isso não é ser socialista.

Hoje, não entendemos a realidade das coisas, e podemos entendê-la somente quando uma maior nos bate a porta – como a dos terremotos, enchentes, desabamentos ou mesmo problemas pessoas, nos atingem, como disse. O Rio de Janeiro, exemplo maior de beleza natural, mas também reduto de imbecilidades, nos mostrou a maior realidade por que passa a comunidade daquela cidade, todos os dias. Nas favelas, nas estradas, nas pontes, enfim, em lugares que, se você fechar os olhos, não vê muita coisa, mas, se você começar a tentar entender, verá que o caldeirão é bem maior que nos mostraram as chuvas que caíram há semanas.

Morros desabando. Casas, idem. Mortes por todos os lados. Ruas inteiras alagadas. Rios transbordando. Bocas de lobo cheias de lixo. Buracos imensos, como clateras, como armadilhas aos carros. Para o carioca, o mundo acabou – assim como para o haitiniano, chileno...

Mais tarde (bem mais tarde), após flashs televisivos intermináveis, perceberam que a culpa era dos políticos. Realmente era (e é), mas também somos responsáveis por tudo que nos acontece em batalha, principalmente com aqueles que discriminamos pela cor, pelo estado social e por muitas diferenças.

Ao subir o morro, muitos sentem admiração. Sentimento esse que deveria ser substituído pelo de humanidade. Toda a favela, seja qual for, tem um pouco de nós – o mal de nós. Ela se ergueu pela nossa ignorância, pela nossa maldade, pela frieza que nos é inerente, e que nunca nos extinta. O político é a ponte dessa maldade. A democracia, o tapete onde são pisados todos os valores pelos quais devemos (ou deveríamos) lutar e a que, desde antes de nosso nascimento, temos direito. A sujeira se vê depois.

A maior batalha de todas por que passo talvez seja contra mim mesmo. Não todas aquelas que citei. Talvez porque sou tão medroso dentro da batalhas quanto qualquer criança que sobe um pé de manga e fica lá no alto sem saber do perigo da queda...

O que está faltando em mim talvez seja o “E se cair?...”/ “e se machucar?”... / Se cair, levanta, e se machucar, cura-se. Eu quero voltar a ter a coragem de poder modificar minha vida e subir em todos os pés de manga possíveis e cair, levantar, e se eu morrer na queda (!) que seja com honra. Ética. Humanidade. E se eu for para o inferno – coisa que inventaram aí para os ricos (pobre vai para o céu) – que eu me encontre com meus grandes amigos!

E que venham as batalhas.


Obs: até o fechamento deste texto, tínhamos notícia de que a China sofreu um terremoto no qual morrera mais de pessoas.

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