Nascer todo dia, esse é o meu conselho. Se todos passamos por diversas intempéries naturais de um ser humano, é porque somos seres humanos, não cavalos, porcos, aves, periquitos ou macacos. Somos seres que acordam em meio a guerras diárias, mas também em paraísos escondidos, e não sabemos. Estes, tão escondidos em nossa alma, porém, tão visíveis quando nossa própria imagem no espelho, são os grandes responsáveis pela nossa vivência – ou melhor – pela nossa sobrevivência num mundo de pessoas que não se compreendem e não esperam se compreender, mesmo porque não as interessa.
Somente quando lhes toca o “calcanhar de Aquiles” é que se tornam vulneráveis a qualquer diálogo em sentido até mesmo bíblico. Não podemos esperar que nossos calcanhares sejam arranhados, tocados... e olharmos para o céu pedindo perdão a Deus, não, não podemos. Olhar para si mesmo é compreender que somos seres religiosos, seres que perdoam, que amam ou que podem compreender o amor; olhar para si mesmo e ver um grande sol se fazer pela manhã, tão belo e ursal, sorrindo em nome de tudo que é misterioso e divino. Olhemos. Oremos.
Ele se vai na tarde, claro, mas nós não; ficamos a observá-lo novamente nos questionando “o que ele ganha com isso?”, “Por que tamanha bondade se somos seres tão brutos e não lhe damos absolutamente nada?” – são apenas indagações advindas de nossos corações frios e sem amor, cuja sabedoria não passara nem perto.
E assim, permanecemos intactos ante sua beleza indo embora, transparecendo um deus que se deixa luzir em sua calda alaranjada, até se acabar... E não aprendemos nada sobre ele, de novo.
Suas chamas ainda ficam em nossa memória, como uma miniexperiência filosófica sobre a qual não temos nem mesmo ferramenta para entender, mas buscamos à medida que sorrimos a alguém, abraços alguém, damos amor a alguém. É ele, o sol em nós, fluindo misteriosamente feito sangue invisível em uma alma perturbada e ao mesmo tempo cheia de raios aos semelhantes que por ela passam.
As chamas desse grande deus continuam na música de Bach, elevando a alma ao mais quente dos cimos. A música enfeitiça como uma lua que brilha nas ondas de um mar distante, sem ninguém, apenas um observador, o próprio espírito, ao longo, na praia, clamando nosso nome.
Nada disso é imaginação, nem mesmo abstração. É revelação. É religião.
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