terça-feira, 2 de agosto de 2011

Nilos Ocultos

...Engraçado, bem que me parece um diário esse blog!...

Hoje, escrevo não com a pena da galhofa, como sempre!, mas com o coração de um menino que singra os mares bravios longe dos pais biológicos em busca dos grandes pais espirituais, os quais, como árvores e frutos, nos esperam em algum lugar da vida...

Filósofos na área
Depois de muito tempo longe da Escola de Filosofia – há mais de dois anos – pude rever, abraçar meus amigos, sorrir com eles e curtir uma das mais belas palestras já vistas. O que era para ser uma micropalestra, aos nossos olhos, se tornou um dos grandes momentos àqueles que se abrigam na grande alma da tradição.

Fernando Schwars, antropólogo, educador, filósofo, escritor etc, e muito mais, veio da França, lugar em que possui uma Escola de Filosofia da qual é diretor, para lançar seu livro “Egito Invisível’. Ali, frente a um auditório com mais trezentos filósofos (!) ou mais, o senhor de aparência sábia sentou-se a espera, com parcimônia, do inicio dos lisonjeios a sua pessoa, de um outro mestre que, sentado ao lado daquele, seria o “tradutor possível” do “portunhol” que saia calmo e audível a todos...

Não foi necessário traduzir a beleza da palestra que mais parecia uma oração ao grande Egito Antigo.

Schwars sentiu que poderia ficar à vontade, mas sabia que o “à vontade” poderia lhe servir de ônus mais tarde, por isso caprichou, iniciando suas falas se referindo ao invisível em nós: a emoção, a paixão, os desejos, os quais seriam o inicio do que ainda é válido, pois são advindos da alma.

Assim, nesse caminho, o filósofo nos colocou a necessidade de entender a tradição egípcia quando se referiam aos mitos, ao seu invisivel: “É necessário entender a morte para compreender a Vida”, disse ele, que, em uma breve máxima, expôs o pensamento daquele pais, o qual sempre fora visto pelos antigos como o reflexo do céu na terra.

E nesse mesmo contexto, abriu nossos pensamentos ao falar de Osíris, aquele que fora morto por Seth, e ressuscitado pela esposa-irmã, Isis, o qual não era apenas um ser que foi despedaçado pelo irmão, mas uma simbologia natural da Morte, da Vida, da união e da Harmonia entre os seres. E nesse mesmo contexto, discorreu acerca de Maat, uma deusa de asas abertas, representada, na maioria das vezes com uma pena de avestruz, a qual simbolizava a Disciplina, a Ordem, e como ele mesmo apregoou “a solidariedade” entre os seres...



O mais claro ficou sobre a deusa foi quando o mestre claudicou em seu espanhol, mas elucidou o seu mito, quando Maat espera o morto no céu e, como uma balança, pesa o coração do homem, no prato, e no outro a pena da Justiça...

Para muitos, a simbologia se resume em pesar o coração do morto e pronto. Já que a pena da Justiça seria a mais leve, com certeza, reencarnaria a criatura que jurou em falso, no inicio, e por isso sendo condenada a vários carmas, além do próprio...

Schwars disse apenas uma frase, “se teu coração está pesado, você não está em equilíbrio, portanto você não está em Maat”, resumiu. Depois disso, a simbologia profunda se tornou tão compreensível quanto o nascimento de uma criança. O filósofo sabia o que falava.

Fernando Schwars, o Nilo em pessoa.

Hoje, sabemos que o Egito está tão depredado quanto qualquer muro, contudo os egípcios clássicos sabiam disso, que tudo isso aconteceria com o tempo, mesmo porque seus trabalhos não eram voltados à pedra, a altura de seus templos, mas à formação do caráter humano, o que os fez trabalhar em função dos deuses com afinco; e mais, acreditavam que a parte oculta, a da harmonia entre os seres, a organização na agricultura, a astrologia, a ligação com o celeste era deveras importante; mais que isso, era natural.

Sabiam que o Nilo, grande rio responsável pelo bem estar daquele povo, teria que ser canalizado de forma que houvesse encanamentos fortes, os quais até hoje, de alguma forma, idealizaram o atual Egito na consecução de suas construções modernas.

Contudo, ressaltando, não era um trabalho a esmo, por necessidade concreta, mas espiritual, do qual retiravam seu alimento, tanto externo quanto interno, a bem-aventurança e, quem sabe, a subsistência milenar deste povo. E o era, tanto que tribos, clãs de vários povos foram reconhecidos à época como povos que se harmonizavam com o maior império de todos os tempos. Não há maior prova de amor do que essa.

O amor à deusa Maat, talvez, seja o principio de tudo isso, pois sabiam seu significado, que praticavam em nome de uma aliança infindável em seu trabalho, na honra aos outros homens e aos deuses, os quais estariam em tudo... em todos.

Assim como Horus, cuja liberdade do pássaro significava o poder no céu, assim como Maat significa a leveza da harmonia, Isis, a intuição natural no universo, os egípcios eram o símbolo do homem de bem consigo mesmo e com o uno, tanto que diziam que o egipcio não tinha  outro céu, além do proprio Egito, pois “O Egito era o céu na terra”, e nada os fazia sair dali, pois morrer nessa terra era o sonho deles.

Hoje

Atualmente, não há egípcios que relevam seu trabalho e que buscam honrá-lo, muito pelo contrário, se houver algum habitante natural de linhagem realmente egípcia, tenho a certeza de que seus olhos estão aterrorizados pelo embate do terrorismo psicológico de uma política fria e calculista, interesseira, de uma democracia que os faz sentir asco do próprio país.

Hoje, em meio ao medo, vive o habitante desse país que fora berço de muitas civilizações, o berço de várias especialidades, do primeiro livro, dos primeiros heróis – como o grande Ramsés, que reinou por quase sessenta anos, e que deixou vários filhos (espirituais) em seu lugar...

Mas o grande berço do Nilo entra em decadência, semelhante às grandes nações douradas que nos deixaram mares de conhecimento. Contudo, o grande Egito nos proporcionou apenas uma ínfima parte de seu conhecimento, que, embora invisível aos olhos dos homens, é visível aos olhos dos sábios que sabem que uma nação clássica não se mostra gratuitamente com finalidades faraônicas, como dizem por aí, mas esconde uma realidade oculta, e que persevera no coração de todos, como aquela balança eterna, como a disciplina em qualquer nível, como a organização em nosso Nilo interno, como a fortaleza do grande Osíris harmonizando todas nossas diferenças, lá em nossa alma, às vezes, fria, mas que, ao compreender um pouco desses mitos, sobe com o sol... O Deus em nós.




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"É ótimo ter dúvidas, mas é muito melhor respondê-las"  A sensação é de que todos te deixaram. Não há mais ninguém ao seu lado....