terça-feira, 22 de julho de 2014

Evangelho de São Tomé: sementes.

É preciso que saibamos, no limiar de nossa jornada, entender o que nos traz as entrelinhas do mistério, ou pelo menos o inicio dele. Não podemos nos conformar com o que vemos, mas também com o que está implícito. Faz parte de nosso conhecimento próprio. Faz parte do homem ir atrás de um pequeno foco de luz, mesmo que se acostume com a escuridão.



A Semente cai em cada um de nós. Até mesmo no mais hediondo dos homens.






Disse Jesus: “Saiu o semeador. Encheu a mão e lançou a semente. Alguns grãos caíram no caminho; vieram as aves e os cataram. Outros caíram sobre os rochedos; não deitaram raízes para dentro da terra nem mandaram brotos para o céu. Outros ainda caíram entre espinhos, que sufocaram a semente e o verme a comeu. Outra parte caiu em terra boa, e produziu fruto bom rumo ao céu; produziu sessenta por uma, e cento e vinte por uma.”

A palavra de Deus, aos cristãos, ainda que entendida dentro de suas estruturas frágeis como algo de maior valor na vida humana, segue sendo, simbolicamente, universal, quando tratada à luz da filosofia clássica, quando nos referimos a ela como uma semente lançada ao mundo, como grãos de areia, ventilados pela brisa natural do tempo.

Esse grão de areia, no entanto, vem a ser a sabedoria dos grandes homens, a qual, lançada a determinados grupos, com singularidades naturais de homens e mulheres que querem o bem à humanidade, são mais que grãos jogados ao vento... São faíscas de pedras preciosas, que vão refletir mais tarde atos de civilidade ao próximo – como caridade, compreensão, amor...

Pode ocorrer, no entanto, as mesmas faíscas serem apenas pó insignificante, quando caem em outros grupos cuja tendência é transgredir, desfazer ou mesmo destruir a natureza das coisas. E transformar o mundo naquilo que ele é hoje.

A Terra, esse ser no qual pisamos e colhemos nossos frutos diários, possui a natureza de cuidar daquilo que nela se planta; fazer crescer a árvore, e nela o fruto, e em muitas vezes o abrigo aos que nela vivem. A nossa terra, essa na qual nos enjaulamos no entanto – o nosso corpo – também tem a tendência de nela brotar o que plantamos, de construir ou destruir nossos ideais, sem que percebamos.

Da terra, esse ser imenso, do qual só saímos após nossa alma dela desabitar, e mesmo assim, segundo algumas tradições, em razão do nosso materialismo, ainda ficamos permanentes nela após algum tempo, nos ensina que somos a semente, que caímos, nascemos em diversos lugares, que possuímos culturas e outras vezes não, mas sempre há a possibilidade de tangenciarmos às nossas ignorâncias locais, nas quais geralmente pensamos que somos obrigados a morrer.

Mas o homem comum, aquele que pensa, que reflete, que possui suas crenças, que entende Deus de uma maneira vasta, que não se inclina a valores dados, mas tradicionais, no sentido filosófico da questão, sabe que, mesmo com a estrutura que nasce, com a pequena ferramenta que os deuses que deram, pode, a pequenos passos, realizar seus sonhos, praticar o que há de mais humano em si; conhecer a si mesmo, e passar às gerações o que se espera de um homem.


A semente, a palavra de uma tradição que nos move internamente, pode ser levada pelo pássaro, ou como diriam os mais sábios, pelos homens que já nascem voando, ou pode ser comida pelo verme, isto é, pelo homem que devasta humanidades, como ditadores, fascistas ou por lobos revestidos de cordeiros, em sistemas democráticos.


A semente pode ser levada ao mais ortodoxo cristão até o mais sábio, no entanto, seu uso pode ser como o de uma faca que cai na mão de um homem que se alimenta de caça e que faz as orações junto com seus filhos à mesa; ao passo pode servir a mesma semente de uma faca, ainda que frágil e simples, assassinando pessoas, pelas mãos do homem que interpreta mal o conhecimento ou que o faz de arma para subsistir às multidões, pelos interesses que a ele convier.




Voltamos amanhã!

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