quinta-feira, 14 de julho de 2016

Don Quixote e os Homens de Pedra





... Continuando com minha saga-suga, posso dizer que essa que vou expor--lhes é uma das mais incríveis partes da minha vida em que pude perceber o quanto sou -- ou pelo menos no instante em que ocorreu o fato, fui -- louco, precipitado, mas ao mesmo tempo, de acordo com um prisma melhor, fui justo. Esse atributo, no entanto, como posso adiantar-lhes, não foi fruto de uma consecução racional baseada em preceitos familiares ou mesmo social -- foi mais que isso --, foi Kanteniano.

Eu morava em uma rua de minha cidade, nela havia vários condomínios alugados e eu, por mais crível que não pareça, fazia parte de um desses aluguéis. Tinha ele dois andares, sendo que o primeiro era residido por um casal de mais um menos vinte a trinta anos de idade, e uma criança linda, com seus oito anos.

Nesse condomínio de tudo acontecia; pauladas, visitas loucas, pancadas, violência, família desencontradas, show de prostitutas na madrugada, enfim, graças as deuses, tudo passou. O que ficou, no entanto, foi apenas um ato. Um desses que jamais em minha pobre vida pensei que iria acontecer, em razão de minha alienação pessoal em relação aos problemas alheios -- até aquele dia. Ou melhor, até o texto anterior!

Na parte de cima, meu filho, minha esposa, uma babá que cuidava de nosso filho durante a semana, e eu, este que lhes fala. No mesmo andar, repartindo conosco a metragem do terreno, um outro casal de cidadãos piauenses, os quais  não davam as horas antes de se perguntarem um ao outro. Mas eram pessoas boas, e isso é o que importava... 

Todavia, naquele dia (calma, vou começar), eles estavam tão assutados quanto gatos dentro uma carrocinha cheia de cachorros, pois não conheciam minha cidade -- e eu, sim. Seus modos, pensamentos, atos, restritos apenas ao que faziam, me fazia pensar e muito antes de soltar qualquer piada, ou mesmo iniciar qualquer conversa. E foi assim que os conquistei. E eles a nós,

Entretanto... ninguém se conheceu no dia em que o andar debaixo quase foi abaixo. Era Copa do Mundo, em 2010, e eu tinha comprado uma TV 42', e meu filho, Pedro, espantado com os fogos, dizia.. "Pai, fogo! Pai, fogo", se referindo aos estrondos do lado de fora, os quais se pareciam com bombas na França! Mas naquele dia...

No dia em que o famigerado dono do apê debaixo iniciou sua sessão de Muai Tai, tendo como sparring sua própria esposa... O barulho foi tão grande, que meu filho, ouvindo, cochichou aos meus ouvidos, "Pai, fogo, fogo!". Para quem não sabe, sparring é aquele que leva surra de graça nos treinamentos de lutas profissionais, como boxe, judô, caratê, MMA... etc. E, ao meu ver, a esposa do covarde estava sendo alvo de uma injustiça, que, mais uma vez, eu presenciava.

Vidros se quebrando, mulher gritando, criança chorando, e um marido dizendo "Eu não te traí, não, sua vadia!!". Meu peito se encheu de dor, minha cabeça se mergulhou num mundo confuso, meu coração disparou, e logo liguei para a polícia, a narrar o que acontecia naquele contexto. Minha esposa, ao ouvir também, não queria que eu me metesse no conflito, mesmo porque, segundo razões populares, ninguém se mete em briga de casal...

Entretanto, não pude pensar assim. O que passava pela minha cabeça era a figura de uma mulher indefesa sendo espancada por um ser, cuja barriga me parecia mais um tanque de lavar roupa, e uma cabeça de paraibano, louco para pegar em um facão. Imaginei uma criança em meio àquela loucura, correndo para cima e para baixo... E então...

Fui ao vizinho e pedi a ele que descêssemos e dessemos um jeito naquilo. Sob argumentos falhos de minha esposa, a dizer que não valia à pena, de que  a mulher merecia tudo aquilo (pasmem!), conversei com o casal do lado, por fim. E com um gesto estranho, para não dizer engraçado, o vizinho foi sozinho, a correr os quatorze degraus que nos separava dos debaixo, e não ficou mais que dez segundos de tempo, como se o tempo da descida fosse o mesmo da subida!

"chame a polícia mesmo!", disse ele. "Está tudo quebrado lá embaixo!"... Mas eu já tinha feito o chamado, e a infeliz não tinha sequer pensado em chegar. Enquanto isso, pauladas, gritos continuavam, e o tempo passava...  passava... e todos afoitos, "Você não poderia ter chamado ninguém", disse minha esposa. "Agora, vamos ficar com cara de tacho, de bobos, e eles, nem tão aí pra gente!"... Foi quando eu me revelei, "Você só pensa nas opiniões, no quem podem pensar de nós, mas se ele mata a esposa?"

Duas horas depois...

A polícia chegou. Todos calmos. Ouvimos o policial pedir explicações ao casal, que, com as mãos dadas -- deu pra ver --, pareciam duas ovelhas no frio, se enroscando uma na outra. "Por aqui está tudo bem, policial"... "Pode ficar em paz", disse o barrida de tanque, covarde, que, com certeza, adestrou a família em seu favor. Os policiais, assim, como pedras a fazer seu trabalho -- de rolar o chão sem questionar nada, se foram, sem mesmo nos procurar. O mais importante é que ela, a mulher, estava bem.

Assim como no primeiro caso, este segundo me fez ser alvo de críticas em razão do meu comportamento; mas não tive medo de ligar para os policiais, e mais, iria sozinho se pudesse, se  os policiais demorassem mais. E isso, de pronto; sem pensar. 

A Justiça, a Ética, a Moral devem ser nossos espelhos, referenciais, nossas sementes... E se eu quero um mundo melhor, não posso deixar de mão tais valores.






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"É ótimo ter dúvidas, mas é muito melhor respondê-las"  A sensação é de que todos te deixaram. Não há mais ninguém ao seu lado....