... Muitos me conhecem pela minha fragilidade física, mas também pela minha vontade anormal. Não tão anormal, claro. Mas, de vez em quando, ela se tangencia de seus limites, indo além. Quando no texto anterior me referi a atos sagrados, nos quais poderiam refletir a Justiça, a Ética e a Moral, não fazia alusão apenas a algo teórico, mas prático.
Em minha pobre e insignificante vida, digo isso porque poderia sê-lo maior e melhor em razão de certos carmas físicos que carrego -- pude demonstrar que, mesmo com o pouco que tenho, mover uma pedra em favor da humanidade, ou mesmo de algo que brilha no alto de nossas cabeças -- estou me referindo às cadeias universais que englobam a totalidade do cosmos.
Falo dos dias em que temos aquele sobressalto natural e humano, que nos faz um pouco melhor em nosso chão, a fazer um pouco melhor do que as formigas, ou melhor do que o animal cujo instinto nada mais é que uma esfera que a eles comanda. Explico: temos o instinto, mas podemos superá-lo, elevá-lo e torná-lo nosso subserviente quando podemos.
E quando esse instinto se faz escravo, e nós, o seu senhor; quando as emoções se elevam, em questão de segundos, quando seu corpo para de reclamar em nome do conforto, quanto sua mente, em nome de vários inconscientes, não pede, nem mesmo raciocina; quando tudo que está ao seu redor possui a comunhão com o seu eu -- de forma que não saibamos lidar com isso racionalmente --, ou quando sentimento de equilíbrio em nome da Justiça lhe toma... Não se pensa. Se faz. E pronto.
O cachorro e o menino
Eu tinha um pastor alemão, lindo, de porte grande, obediente, dócil -- para os familiares, mas para os demais, não. Chego a dizer que envelheceu sem precisar ser domado, como a maioria dos cães pastores devem ser. Hórus, seu nome, tinha ciúmes do dono, da família, e amava ficar ouvindo histórias de namorados no portão de casa.
A vida para ele foi injusta, ou como poderia dizer filosoficamente, justa, pois fez seu trabalho, e cumpriu seu ideal de cão. Hórus foi obrigado a ser levado para zoonoses, pois tinha problemas no pêlo, que passou para o resto corpo, e teve que ser levado às pressas para morrer na agulha. Segurei meu choro.
Antes desse cachorro, desse grande ser, nasceu Lucas, meu sobrinho, que, à época, tinha seus dez anos. Os dois (cachorro e menino) se davam muito bem. Dias de glória. Dias em que colhíamos histórias engraçadas, ao passo didáticas à criança, que sorria, chorava e fazia peraltices em nome de seu crescimento...
O Justo
Um dia (calma!) eu, o cachorro e o menino saímos do portão, ganhamos o mundo a fora, e isso em uma noite bela, em que luzes e holofotes nos iluminavam em nome de algo que nos iria acontecer. Uma noite, somente uma para ficar em nossas mentes, até mesmo na do cachorro, que, naquele dia, estava saltitante e nervoso...
Talvez estivesse ele a farejar o que eu e o menino jamais o faríamos. Injustiça. E lá longe, com um brilho fosco, ela irradiava falha, mas ficara mais forte quando dela nos aproximávamos: uma senhora de mais ou menos quarenta anos era espancada por dois homens, em frente a um bar, situado ao lado de uma oficina, mas que na hora não havia tanta gente, apenas homens bêbados, vulgares, miseráveis, pobres em sentidos completos, a não fazer nada quanto ao que ocorria...
Nesse mesmo dia, eu me desconheci. Com um celular na mão, com o cachorro na outra, e com o menino Lucas do outro lado, à direita de meu braço, gritei : "O que é isso?? O que vocês estão fazendo??", como um demônio louco, gritei e a assustar o ato covarde dos desafetos, cheguei com o cachorro, que latia mais do que devia, com força suficiente para sair de minhas mãos e pular em cima dos dois biltres!
Lucas, o menino, disse "ligue para polícia, tio!", e assim, nervos à pele, coração saindo pela boca, dei o celular a ele, que discou, discou, e nada conseguia; enquanto isso, em meio ao clima tenso, tentava dizer algo que os fizesse parar com a violência -- e pararam. Sem saber o que dizer, disse, "Olha, eu tenho influência por aqui, e posso colocá-los na cadeia, posso sim!", e, como dois desinformados, deixaram a coitada de lado... deixando-a falar: "Eles são meus irmão, mas são covarde, eles não me deixa em paz, e estão me batendo!"...
Nem sei se a ouvi, mas pedi que ficasse perto de mim, num ato de proteção. Ela agradeceu. Os dois, na tentativa de justificar o injustificável, disseram "Ela é uma vadia, ela é nossa irmã, ela tem que ir pra casa!"... Diante do que ouvi, fiquei frio, pedindo ao cachorro para se acalmar (em vão), e insistindo ao Lucas que falasse com a polícia -- era mais fácil baixar uma nave espacial por ali e nos levar, trazer, etc, do que a polícia chegar...
A violência passou. Peguei o celular e teatralizei uma conversa com um policial. Depois disso, os três, com medo, se foram. A noite passou. Cheguei em casa, contei aos meus familiares, o quais não tiveram palavras, e fui dormir.
Mais tarde, me perguntei do porquê fiz aquilo. Não soube me responder. Só sei que minha alma se mostrou ou mostrou algo que jamais poderia repetir, se por um momento eu pensasse, calculasse, ou agisse de alguma outra forma.
Hoje posso dizer... Dever cumprido.
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