sexta-feira, 5 de outubro de 2018

A Flauta "Mágica"

Sempre gostei dos contos. Um atrás do outro eu lia quando os descobri  tardiamente em minha vida. Descobri que o sentido de cada um tem uma grande profundidade na vida do homem, a deixar sempre rastros misteriosos em direção ao ser, ao espírito. Contudo, alguns são mais raros do que outros e interpretá-los seria, no mínimo, uma falta de compostura deste que lhes fala.

Assim, preservo, com chaves de ouro, alguns contos nos quais predominam desafios, mistérios, formas abstratas, as quais vão fazer sentido apenas ao mestre, não a mim. Por isso, gostaria de trazer à tona apenas um em especial, com vista a elucidar algum elemento que sobrevoa nossas mentes quando o contamos: a Flauta Mágica. 

Tocado em filarmônicas mozartianas, com harmonias belíssimas e enigmáticas, o conto em questão nos remete ao alto, para cima, mas ao mesmo tempo nos revela o lado frágil humano em acreditar em esperanças falsas, preservadas, propositalmente, por seres que amam escravizar a mente do mundo, e nós, dentro desse contexto, só nos deparamos com essa realidade depois que os dedos estalam e nos acordam de uma realidade inventada...

O conto fala de um reino tomado pelos ratos, grandes ratos, onde pessoas normais não poderiam fazer nada a não ser reclamar de suas presenças. A saber desse desastre natural, o rei comunica aos cidadãos que dará um muito dinheiro àquele que exterminar os roedores. Tempos depois, aparece naquele reino um tocador de flauta, um homem inteligente, elegante, a tocar o instrumento como uma divindade em terra.

O rei, ao receber o cidadão, sobra-se em risos, pois não entendera a presença daquele que, apenas com uma flauta, exterminaria, segundo o cidadão que viera de fora, aquela espécie que sossobrava nos cantos da realeza. Entretanto, após deixar claro por meio de sua canção que levaria os ratos para fora do reino, o "Tocador de flauta" iniciou seus trabalhos caminhando por todas as partes, dentro de fora das casas, de modo que sua música atingisse somente o ouvido dos pequenos animais.


Ninguém imaginava, ninguém acreditava, até que, no meio da rua, vários roedores, em fila, seguiam o Tocador. O rei, maravilhado, observava junto com seu povo a mágica se fazendo aos seus olhos, como que por encanto. Nunca em sua vida de rei tinha presenciado tamanha natureza de domínio junto a uma espécie que só dava asco: o rato.

Horas depois, levados para bem longe, os ratos não mais voltariam. Assim, após seu eficaz serviço, o enigmático cidadão foi a majestade a solicitar o justo dinheiro prometido. Porém, ao chegar ao palácio, vira um rei mesquinho, que, mesmo não acreditando no que vira, achou que o Tocador fizera seu trabalho de forma muito fácil, rápida, para não dizer enganosa... E por fim, achou melhor não pagá-lo pelo trabalho. Revoltado, virou-se e saiu do recinto sob risadas de todos que o observavam: ele voltaria.

Pela manhã, o tocador tocava uma música diferente, bonita, mas que não hipnotizava ratos, gatos, cães, e sim... Crianças! Todas elas, uma por uma, assim como os roedores, em fila, seguiam o homem da flauta, que, sorridente, levava a todas para bem longe do reino e mais tarde reservaria ao rei uma surpresa desagradável.

Ao acordar, todos gritavam enlouquecidos na porta do reino, enfurecidos, tristes, em fúria, revoltados, com a mesma pergunta: "onde estão nossas crianças?!!". O rei não sabia. De repente se achega nas imediações o grande tocador de flautas, do qual ninguém mais se lembrava, mas ao mesmo tempo não se esqueceriam jamais. E em meio a dor do povo, ele fala: "Elas estão bem; eu as levei para bem longe, graças ao rei que não me quisera pagar. E agora, só as trago depois de pago"...

O rei, não acreditando naquelas palavras, foi logo pedindo a seu tesoureiro para pagar-lhe e assim, após o ocorrido, uma música se fez no ar, engrandecendo a todos, elevando a emoção dos mais próximos e claro das crianças, que, em fila, voltavam de longe.

Obrigado, disse o homem misterioso e sua flauta mágica. E foi embora para sempre.



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