sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

A Filosofia do Sol e da Chuva: pais e filhos


Kalil Gibran, filósofo indiano, em sua obra O Profeta, reverbera acerca de todos os valores existentes e necessários à vida do homem. Fala do amor, da verdade, do casamento, da união... Enfim, em um romance no qual um sábio, Mustafá, é o personagem principal, que, antes ir para a sua terra natal, responde a várias perguntas de moradores de uma cidade, Orfalese, onde o recebeu, onde o amou. E que agora, indo embora, dá de presente sua sabedoria em forma de palavras belas, quase um poema, em respostas. Sempre que um homem desse vem ao mundo e nos disserta acerca de tudo que nos é valoroso, devemos ficar atentos, mesmo porque o que nos interessa é o que o copo traz, não o copo.

Na obra, depois de vários, uma mulher quer saber sobre Filhos. Ele, o mestre Mustafá, responde “Nossos filhos não são nossos filhos, são filhos do Universo; somos apenas veículos nos quais eles vêm e os educamos para a vida” – após isso, completa “Somos Arcos, nos quais flechas são atiradas, e elas são os filhos”. Deixando ainda entender que somos flechas de um Arqueiro – este seria Deus – nos usando como Arcos, que somos.

Gibran, o filósofo da obra, remete-nos ao ensinamento clássico, no qual não apenas ele, mas muitos outros nos faz refletir acerca de nossa existência, comportamento, apego, família... E tudo que nos cerca dentro de uma realidade mais profunda da qual sempre fugimos em entender.

Quando se refere aos filhos como flechas, e nós, Arcos, tudo bem. Mas, ao dizer que não são nossos filhos, acredito que não só a mim, mas a muitos soa como um conto do qual levaremos milhares de anos para levar para compreeder; ou seja, por ser um conto, não levaremos nunca.

Mas a finalidade de Gibran é nos tornar mais desapegados desse universo visível, no qual, e do qual partidos e chegamos, a toda hora. Claro que, quando se refere a filhos, somos mais pragmáticos; é quase que impossível sermos flexíveis a filosofias, a religiões nas quais se coloca em xeque a relação pai e filho.

A questão do desapego, principalmente a nós, seres deste século tão pegajoso, é ainda uma utopia. Não faz sentido qualquer obra, qualquer autor, que nos eduque ao contrário do que hoje temos como o maior tesouro de nossas vidas. Talvez no Oriente, não sei; mas hoje, como a grande maioria cristã, e outras religiões na influência quase direta da mesma filosofia, fica irrealizável filosofias que tentam nos reeducar frente ao que temos como o que é certo para nós. É como quebrar um dogma.

NA REALIDADE, há possibilidades tais de entender a profundidade das máximas e dos textos clássicos, por isso o são. As chaves para a compreensão de um texto de Gibran são as mesmas para a abertura da porta para a compreensão de outros textos clássicos: o conhecer a si mesmo. Outra máxima, agora, platônica.

O conhecimento humano, legado de todas as épocas, nos diz que viemos de várias encarnações, e que nosso corpo – esse ser tão cultuado e confundido conosco mesmos – não seria nada mais que um veículo preso a nós, e nós seríamos o que subjaz a tudo que pensamos ser, tudo que estivesse além de nossas opiniões a respeito de alma e do espírito; diz a sabedoria clássica que reencarnamos pela ignorância, e que, enquanto humanos, passaremos pela roda da encarnação, em ciclos, até a ultima ronda, a fim de alcançar a real natureza humana-divina. É como se nos dissesse “somos únicos e dentro desse plano divino não há nada que seja de nossa responsabilidade, apenas o crescimento interior. Mais nada. E nada podemos mudar.”

É perturbador a alguns, pois atinge e ao mesmo tempo vai ao encontro de muitas filosofias nas quais se restringem e ao mesmo tempo revelam aos poucos tal realidade, que passeia pelas escrituras ainda que de forma velada.

Gibran, em sua filosofia indiana, uma das mais antigas do mundo, revela sem restrições o que ela traz; isso nos faz um pouco trêmulos pela verdade que carrega; mas, pelo fato de ser uma verdade, nos faz, aos poucos, refletir e tentar ver nas coisas, na família, na sociedade, milímetros de realidades nas quais estão embutidas as filosofias eternas.

Quanto ao filho, esse sol que nasce em nossas vidas, ainda que milímetros de verdades nos bata a porta, ficamos com a nossa, pois nos ensinaram que eles dependem de nós, e nós deles – é o aspecto familiar falando mais alto. Ensinaram a nós que não somos arcos, mas pais que devem se preocupar e morrer quando a morte vem a ele, de alguma forma figurativa, metafórica, ou real aos nossos filhos; fizeram-nos acreditar em nossa fiel educação cristã de todos os tempos, que ele somos nós, e nós a eles...

Contudo, quando crescem, a realidade da grande filosofia humana clássica se desvela aos poucos, e não queremos ver. Ficam rebeldes, querem seus lugares, ficar independentes, construir seu caminho, com ou sem o pai. Alguns, no entanto, a minoria, serve-se dos pais para tudo, ainda que maduro o bastante, até para tirar as calças precisam de nós. A rebeldia, a independência, atitudes de liberdade frente a regimes seriam, talvez, uma forma de dizer que deles não somos donos, apenas pais. Os arcos, aqueles cuja educação os nortearia para as lhanuras da vida, não seriamos nós, mas seres semelhantes a nós – é o que queremos na maioria das vezes.

Pais há nesse mundo que sofreram em tempos árduos e que sofreram em suas épocas, e viram, de perto, o próprio inferno. É mais que natural não querer que seres humanos sofram, muito menos filhos. Todavia castramos todas as possibilidades de que ele – o filho – passe pelas mínimas estreitezas que a vida lhes dá. Daí nasce o medo, a dependência, a retração em dar passos sem o pai, enfim, várias ‘doenças’ seculares nascem desse medo genitor, porque ele passa e que somos responsáveis.

E o pior, as atitudes ficam sempre à mercê de um pai, ainda que distante. As decisões são dadas a terceiros, porque o pai não queria passar tal responsabilidade a ele. Devíamos, nesse fato, aprender um pouco com determinados animais que fazem questão de empurrar a cria a fim de que voem para se alimentar. Nós, não. Mesmo que o filho não se ache digno de buscar seu alimento ou não o faz por mera preguiça, o pai, com sentimento de que lhe apraz, o faz e busca, vai atrás, consegue e educa, tortuosamente, o passarinho-velho. Daí nascem os psicólogos!

A RESPONSABILIDADE a que nos dispusemos aos nossos filhos é muito grande, desde o dia em que nascem até a data de sua saída de nossas vidas – não da família. O apego físico nos torna escravos, achando que o que sentimos é amor. Ou seja, a falta de uma filosofia educacional que nos direcionaria ao espiritual é muito grande. A atual nos faz confundir paixão, apego e amor. Dizer que “nossos filhos não são nossos filhos” ainda está como milhares de idas da terra à lua (!) para nós, seres ocidentais vazios de sabedoria.

O Amor, o verdadeiro Amor, de pai para filho, não estaria na criação mas no desapego, na sinceridade do desapego, pois a Tradição nos diz que somos todos irmãos de um grande pai – o Uno. Todos dele viemos e para ele retornaremos.

Epíteto, em sua grande obra, do mesmo homônimo – estóico, que fora escravo e professor de outro grande estóico, o grande general Marcos Aurelios, -- ensina-nos a desfazer de nossos apegos de maneira sutil e, por que não dizer, agradável?

NELA, Epíteto, cuja obra era levada até para os campos de batalha, diz “aprenda a lidar com morte. Saiba que tudo se vai. Tudo tem seu tempo. Tudo volta para onde veio, até mesmo as pessoas mais queridas”. E lá na frente diz “Comece dizendo: ‘se esse copo quebrar é porque voltou para o lugar de onde veio’; e assim por diante. Se um de meus amigos morrer, é porque voltou para o lugar de onde veio’” .

UM AUTOR que corrobora com Epíteto é Platão, em A República, na qual traduz a Justiça de forma racional, no entanto de maneira esotérica aos nossos olhos, diz que a República deve conter, acima de tudo, Guardiões, na qual a proteção seria tão necessária quanto à liderança advinda dos filósofos: os Guardiões deviam ser filósofos também, ou melhores até. Mas o que incomoda a todos é a formação dos guerreiros e guerreiras. Por intermédio da música, da dança, da ginástica todos seriam educados – uma pausa para a palavra educação.

Com relação às crias, sabendo do apego dos pais aos filhos, Platão, para uma República Ideal, diz que mães não devem saber da existência dos filhos reais; estes seriam, antes do reconhecimento da genitora, levados a uma educadora, com a qual ficaram todos os rebentos. Assim, sem conhecer os reais filhos, a mãe teria amor por todos eles. O real Amor, no entender do filósofo.

BLAVATSKY, uma filosofa de nosso tempo, diz que cada indivíduo nasce completamente diferente de todos aqueles já existentes; é um ser único, cujas características físicas não são relevantes, pois não implicam na evolução do individuo. A autora, claro, assim como todos os filósofos acima, é uma iniciada. Todos eles falam e teorizam sobre algo de responsabilidade humana, todavia, ainda que épocas passem, pessoas e suas opiniões mudem, suas teorias não mudam. São ensinamentos universais de um passado no qual um dia foram leis, hoje são apenas reverberações em nossas mentes. Todos os filósofos falam de algo que ainda será alcançado, ainda de maneira atrasada, mas que será alcançado.

No que se refere à educação de filhos, somos ainda mais crianças ainda, mas o pouco que temos, devemos às grandes culturas, e seus filósofos, como o grande Platão, que influenciou a cultura mundial com seus livros e que, até mesmo hoje em dia, soa como uma porta de saída aos nossos mais angustiantes problemas, ainda que torçamos o nariz.

Quando ao apego, filho de uma educação arcaica, nos faz mais responsáveis e conscientes de nossos frutos, de nossa família. E isso já nos deixa a existência mais válida.

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