Queria falar de uma pessoa que nos faz muuuuuita falta, mas não sei por onde começar. Geralmente se começa falando dela, da pessoa, com muito carinho, de maneira que saibamos usar as palavras, sem tropeçar, sem “tropegar”. Não, eu não queria apenas me referir a essa pessoa de maneira carinhosa, mas saudosa, como se ela entendesse o quanto sentimos – e sinto – falta dela. Mas as palavras me faltam, além do coração que é pequeno, tão pequeno, que não chora mais de tanta saudade.
Queria falar do meu irmão João. Para muitos, Piaba. Para os mais íntimos “Inhão” – codinomes advindos de seu pai, Luis Piaba, e de sua infância perfeita, na qual se escutou musicas belas, namorou-se meninas ingênuas, viveu-se em meio a brigas talvez mais ingênuas ainda. Disputaram corações, ganharam partidas, uniram-se na dor...
Embora tenha sido a época da ingenuidade, grandes homens se fizeram á época de meu irmão. Luther King, Mahatman Gandhi, Indira Gandhi, Louis Armstrong... nomes inesquecíveis nas mentes e veias dos jovens na década de setenta. Sem falar na luta juvenil pela volta da democracia, numa ditadura severa, cruel. Contudo, João, Mundão – Raimundo, Gilvana, Rosângela, Beleza (Graciliano), Claudete, ocupados em beijar seus pares não deram trela aos cassetetes, às músicas de ordem de Chico Buarque, Geraldo Vandré, Caetano... É claro, não eram idealistas! Queriam dançar, se pudessem, ao ritmo de um Woodstok diferente, como por exemplo... Michael Jackson e os Jackson Five, Marvin Gaye, Diana Ross... Enredar seus mundos ao passo firme do funk, soul, à mercê dos cabelos imensos, nos quais não era qualquer escova que neles penetravam...
Muitos foram pegos pelo serviço militar. E nosso querido irmão João, percebendo que sua didática teria que sair do papel, foi para a aeronáutica. Hoje, percebe-se que nela um pouco de sua educação estendeu-se; ao deixar os passos antigos da música ritmada – todos sabem que Piaba nunca encontrava o ritmo da dança -- , começou a ritmar aos passos da ordem, da disciplina, e dentro dela achou a natureza de uma outra educação, a dos filhos. Quem o conhecia sabia que tudo o que fez foi baseado na ordem que aprendera nas forças armadas; que seus filhos beberam e muito nas águas de sua disciplina.
Mas a educação de um homem nunca é completa. João não fora perfeccionista a vida toda, nem poderia. Era ser humano. O que fica na realidade é toda a esfera que bordou em torno de sua vida particular. E dentro dela a organização, a elegância, a pouca e sincera educação ao filhos, que eternamente refletirá e causará espanto, mesmo em seus netos, que o conheceram e sorriem ao ver o símbolo do time do avô, Fluminense.
Tricolor doente, como a maioria dos torcedores deste time, Piaba revelava-se escudeiro, como nas histórias de Don Quixote, só que, agora, defendia a escuderia tricolor carioca, como a própria filha. Extensivo aos filhos, o time, no ano que se encerrou, estava tão doente quanto o nosso querido irmão, porém, numa arrancada, os dois se reabilitaram – João no hospital e o pó-de-arroz no campeonato --, o fluminense teria que vencer todos os jogos para não ser rebaixado; João, impulsionado pela alta que os médicos lhe deram, não se cuidava, pelo contrário, acreditava que tudo dependia da força de vontade, mas não dos cuidados que havia que tomar... Assim, voltara para o hospital.
O time do coração, que andava mal das pernas, seguira todos os caminhos, e não perdera desde o inicio, como lhe haviam pedido – a torcida inteira, quase como um médico nas orelhas de cada jogador: “Não desistam nunca”!
E assim, partiram para uma realidade que teriam que enfrentar a cada jogo; do outro lado, João, enfermo, passava por situações por que jamais pensava em passar – já durava um ano a leucemia. A seus olhos, e aos nossos, a doença jamais o prenderia, pelo fato de todos os dias nos passar a fortaleza, a paz, o humor, a longevidade de suas características fortes do passado – contudo, não tão fortes como antes. Sua energia não era a mesma, sua voz não era a mesma, seu físico de jogador atacante que vencera todos os zagueiros... Não era o mesmo. A luz se ia. Ali, o guerreiro não tinha mais forças, depois de tantos meses no leito dos hospitais, depois de tanto tempo forçando a face, ainda que triste por dentro, feliz ao ver um membro da família.
... E o time vencia todas, como mandava o figurino. Fred, Maicon, Conca... sob o comando de Cuca, vencia todas as partidas – perdendo apenas pelo cansaço a semifinal da Sul americana, o que não o fez menor no jogo de ida.. Contudo, por uma expulsão, mas com o placar de três a zero, revivemos um outro campeonato em que ganhamos, mas não levamos a taça...
Continuaram a vencer, vencer... E João a esmorecer. Os deuses já haviam se retirado do seu lado, mas as pessoas não. Sua esposa, Claudete, que o conhecera em épocas douradas, e desde então fora sua amiga, companheira, esposa e mulher, sempre a lidar com a vida – com a sua e com a dele, como se fossem um – de maneira que nem mesmo as lendárias Valquírias a compreendiam, nunca o abandonou, pois Dete, esposa do grande guerreiro, tinha tanta vida quanto um batalhão de mulheres. Assim eu a vejo.
No último dia do campeonato, num domingo, o Tricolor carioca só dependia dele...; João... Não sabíamos. Acreditamos que não. Em território inimigo, com a torcida cem por cento contra, o pó-de-arroz subiu ao palco como um time que daria a vida para se tornar o único time do campeonato não perder uma partida em treze, mas se a perdesse naquele dia estava fora da temporada na primeira divisão no próximo ano.
João, sem armas, forças, pedia para viver, ao mesmo tempo não mais sofrer. Como seu time, João não poderia ter desobedecido à lei, às regras da vida, ao grande jogo a que obedecemos todos os dias – jogo este em que estamos embutidos desde o dia em que nascemos... Até nossa própria ida ao desconhecido. Muitos sofrem por pequenas e grandes desobediências, mas João, o grande irmão que vivera em função de uma grande família, que dera aos filhos uma educação invejável, que amava a música, os vinhos, a boa conversa; que amava os irmãos – e nós a ele --, além dos amigos de infância, de juventude e na maturidade, todos eles, perdera todas forças naquele dia, talvez pela desobediência, talvez pelo caminho que teria que passar, talvez por muitas coisas que a nós sempre serão desconhecidas. Eu fico com a certeza dos deuses, ou seja, nada nos acontece por acaso.
Quanto ao time, podemos dizer que, naquele domingo, seis de dezembro de dois mil e nove, houve duas vitórias. O Fluminense não caiu por vencer, e João, vencido, subiu, fora para o desconhecido, onde somente aqueles que deixam lembranças memoráveis vão e nunca mais – fisicamente – aparecem.
João nos deixou sua simpatia, além dos sorrisos e piadas sutis; nos deixou o amor à vida; João ficou em nossos corações, almas, vidas, em todos os lugares por onde passou e amou; João ficou em nossos olhares, pois temos um pouco dele em nossas faces, corpos, cores, origens; deixou-nos quase que de maneira fictícia, pois até agora não entendemos o porquê da morte tê-lo levado tão cedo.
Para alguns a morte é o inicio, para outros é o fim. Para mim, é o mistério infinito pelo qual, assim como a vida, todas as leis pelas quais passamos aqui, em vida, continuam, bem depois, muito depois.
Feliz aniversário, irmão. Obrigado por ter sido o que foi.
Queria falar do meu irmão João. Para muitos, Piaba. Para os mais íntimos “Inhão” – codinomes advindos de seu pai, Luis Piaba, e de sua infância perfeita, na qual se escutou musicas belas, namorou-se meninas ingênuas, viveu-se em meio a brigas talvez mais ingênuas ainda. Disputaram corações, ganharam partidas, uniram-se na dor...
Embora tenha sido a época da ingenuidade, grandes homens se fizeram á época de meu irmão. Luther King, Mahatman Gandhi, Indira Gandhi, Louis Armstrong... nomes inesquecíveis nas mentes e veias dos jovens na década de setenta. Sem falar na luta juvenil pela volta da democracia, numa ditadura severa, cruel. Contudo, João, Mundão – Raimundo, Gilvana, Rosângela, Beleza (Graciliano), Claudete, ocupados em beijar seus pares não deram trela aos cassetetes, às músicas de ordem de Chico Buarque, Geraldo Vandré, Caetano... É claro, não eram idealistas! Queriam dançar, se pudessem, ao ritmo de um Woodstok diferente, como por exemplo... Michael Jackson e os Jackson Five, Marvin Gaye, Diana Ross... Enredar seus mundos ao passo firme do funk, soul, à mercê dos cabelos imensos, nos quais não era qualquer escova que neles penetravam...
Muitos foram pegos pelo serviço militar. E nosso querido irmão João, percebendo que sua didática teria que sair do papel, foi para a aeronáutica. Hoje, percebe-se que nela um pouco de sua educação estendeu-se; ao deixar os passos antigos da música ritmada – todos sabem que Piaba nunca encontrava o ritmo da dança -- , começou a ritmar aos passos da ordem, da disciplina, e dentro dela achou a natureza de uma outra educação, a dos filhos. Quem o conhecia sabia que tudo o que fez foi baseado na ordem que aprendera nas forças armadas; que seus filhos beberam e muito nas águas de sua disciplina.
Mas a educação de um homem nunca é completa. João não fora perfeccionista a vida toda, nem poderia. Era ser humano. O que fica na realidade é toda a esfera que bordou em torno de sua vida particular. E dentro dela a organização, a elegância, a pouca e sincera educação ao filhos, que eternamente refletirá e causará espanto, mesmo em seus netos, que o conheceram e sorriem ao ver o símbolo do time do avô, Fluminense.
Tricolor doente, como a maioria dos torcedores deste time, Piaba revelava-se escudeiro, como nas histórias de Don Quixote, só que, agora, defendia a escuderia tricolor carioca, como a própria filha. Extensivo aos filhos, o time, no ano que se encerrou, estava tão doente quanto o nosso querido irmão, porém, numa arrancada, os dois se reabilitaram – João no hospital e o pó-de-arroz no campeonato --, o fluminense teria que vencer todos os jogos para não ser rebaixado; João, impulsionado pela alta que os médicos lhe deram, não se cuidava, pelo contrário, acreditava que tudo dependia da força de vontade, mas não dos cuidados que havia que tomar... Assim, voltara para o hospital.
O time do coração, que andava mal das pernas, seguira todos os caminhos, e não perdera desde o inicio, como lhe haviam pedido – a torcida inteira, quase como um médico nas orelhas de cada jogador: “Não desistam nunca”!
E assim, partiram para uma realidade que teriam que enfrentar a cada jogo; do outro lado, João, enfermo, passava por situações por que jamais pensava em passar – já durava um ano a leucemia. A seus olhos, e aos nossos, a doença jamais o prenderia, pelo fato de todos os dias nos passar a fortaleza, a paz, o humor, a longevidade de suas características fortes do passado – contudo, não tão fortes como antes. Sua energia não era a mesma, sua voz não era a mesma, seu físico de jogador atacante que vencera todos os zagueiros... Não era o mesmo. A luz se ia. Ali, o guerreiro não tinha mais forças, depois de tantos meses no leito dos hospitais, depois de tanto tempo forçando a face, ainda que triste por dentro, feliz ao ver um membro da família.
... E o time vencia todas, como mandava o figurino. Fred, Maicon, Conca... sob o comando de Cuca, vencia todas as partidas – perdendo apenas pelo cansaço a semifinal da Sul americana, o que não o fez menor no jogo de ida.. Contudo, por uma expulsão, mas com o placar de três a zero, revivemos um outro campeonato em que ganhamos, mas não levamos a taça...
Continuaram a vencer, vencer... E João a esmorecer. Os deuses já haviam se retirado do seu lado, mas as pessoas não. Sua esposa, Claudete, que o conhecera em épocas douradas, e desde então fora sua amiga, companheira, esposa e mulher, sempre a lidar com a vida – com a sua e com a dele, como se fossem um – de maneira que nem mesmo as lendárias Valquírias a compreendiam, nunca o abandonou, pois Dete, esposa do grande guerreiro, tinha tanta vida quanto um batalhão de mulheres. Assim eu a vejo.
No último dia do campeonato, num domingo, o Tricolor carioca só dependia dele...; João... Não sabíamos. Acreditamos que não. Em território inimigo, com a torcida cem por cento contra, o pó-de-arroz subiu ao palco como um time que daria a vida para se tornar o único time do campeonato não perder uma partida em treze, mas se a perdesse naquele dia estava fora da temporada na primeira divisão no próximo ano.
João, sem armas, forças, pedia para viver, ao mesmo tempo não mais sofrer. Como seu time, João não poderia ter desobedecido à lei, às regras da vida, ao grande jogo a que obedecemos todos os dias – jogo este em que estamos embutidos desde o dia em que nascemos... Até nossa própria ida ao desconhecido. Muitos sofrem por pequenas e grandes desobediências, mas João, o grande irmão que vivera em função de uma grande família, que dera aos filhos uma educação invejável, que amava a música, os vinhos, a boa conversa; que amava os irmãos – e nós a ele --, além dos amigos de infância, de juventude e na maturidade, todos eles, perdera todas forças naquele dia, talvez pela desobediência, talvez pelo caminho que teria que passar, talvez por muitas coisas que a nós sempre serão desconhecidas. Eu fico com a certeza dos deuses, ou seja, nada nos acontece por acaso.
Quanto ao time, podemos dizer que, naquele domingo, seis de dezembro de dois mil e nove, houve duas vitórias. O Fluminense não caiu por vencer, e João, vencido, subiu, fora para o desconhecido, onde somente aqueles que deixam lembranças memoráveis vão e nunca mais – fisicamente – aparecem.
João nos deixou sua simpatia, além dos sorrisos e piadas sutis; nos deixou o amor à vida; João ficou em nossos corações, almas, vidas, em todos os lugares por onde passou e amou; João ficou em nossos olhares, pois temos um pouco dele em nossas faces, corpos, cores, origens; deixou-nos quase que de maneira fictícia, pois até agora não entendemos o porquê da morte tê-lo levado tão cedo.
Para alguns a morte é o inicio, para outros é o fim. Para mim, é o mistério infinito pelo qual, assim como a vida, todas as leis pelas quais passamos aqui, em vida, continuam, bem depois, muito depois.
Feliz aniversário, irmão. Obrigado por ter sido o que foi.
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