Viajei para o Rio de Janeiro. Já faz cinco anos. E a cada dia que passa fico pensando, como eu era apaixonado pela Cidade Maravilhosa. Não sei se pela minha imaturidade, falta de informação ou mesmo bobagens que nos vêm antes da morte, mas acho que essa última não vale! Como eu era apaixonado!
Nos meus sonhos, mares, mares, mares e... mulheres! – claro. Talvez uma quarta possibilidade, agora vejo, de que a Globo, em suas novelas das oito, sob a direção de Manuel Carlos, a mostrar uma Copacabana cheia de fios dentais, mares azuis marinhos; regatas de barquinhos, semelhantes a dos quadros bobos a se desnudar nas paisagens quentes do Rio.
Como eu amava aquele Dedo de Deus quando apontado na direção do sol; o bondinho deslizando no periférico...; o sol despontando como o ser mais alegre do litoral! Caramba, como era lindo!
Foi num dia frio. Não tinha importância. Minha esposa e eu, como crianças, nos arrumamos como se fôssemos para um teatro, ou cinema; meu cunhado e irmã, anfitriões, como se fossem para um passeio na favela. Sem relógios, sem sapatos – de chinelas havaianas --, sorrisos apaziguadores, nos levaram; enfim... Entramos no carro, naquele janeiro de 2005, e partimos para a maior e mais bela cidade do mundo...
E realmente era. No caminho, eu parecia mais um menino sem conversa a espera do parque de diversão, louco para andar na montanha-russa. Que biltre! – meu nível de pureza não era tanto, claro, mas a julgar pelos anos que eu havia pedido a Deus, acho que, de alguma forma, alguém havia me escutado as orações. Talvez tenha sido minha mãe, ela não parava de me vigiar!
Comecei a tirar fotos de dentro do carro, só de pensar que estávamos a quilômetros da Cidade Maravilhosa! Não sei o que pensava meu cunhado, mas minha irmã, com certeza, estava se sentido minha mãe, mesmo levando as próprias filhas!
O frio se fazia teimoso – a chuva idem – e nos instalamos num hotel de segunda (ou de terceira?) para descansar. Quem disse que descansei? Nuuuuunca ! Meu caipirismo era tanto, que achei que fossemos Ets, dentro de uma casa na qual pessoas de todos os níveis, menos o meu, se instalavam, descansavam e dormiam, menos eu e esposa.
Minha esposa – até aquele momento namorada – tão caipira quanto eu, morria de medo em tudo, e eu, como futuro esposo, tive que acompanhá-la no sentimento. Entendem? Assim, no outro dia, comemos de graça, mas tivemos que pagar tudo no final, até o sono que não dormimos. Comida leve, comida fica, comida fraca... Bem! O mais importante é que estamos a caminho do Rio, do amor que há tanto esperava encontrar. Mas o tesão já estava murchando...
As colinas me deram novos ares. O cheiro do mar me deu a vontade de sair do carro e correr em direção ao mato só para abrir – à mão – e ver de longe, muito longe, um trisquinho daquele que simbolizava a gotícula dos deuses, mas o oceano para os peões de fora. Eu era um deles. Tiramos fotos até do cheiro do mar!
Entramos no carro e continuamos. E já estávamos dentro dele, do grande Rio, o mais falado deles. O único. As leis da natureza se reuniram e nunca saíram de lá, percebi. No inicio, um frio, depois, pouco tempo depois, quarenta graus! Não sei se o inferno é essa quentura, mas, se for, muito carioca vai se sentir em casa!
Chegamos mortos de fome. O enterro quase se fez, mas não se podia morrer antes de comer algo às margens da grande Copacabana, uma comida salgada como as algas, quente como a areia, alegre como os habitantes de lá...
Eu, calado como padre em aula de matemática, sorria, bebia, sofria com o sol, e... só. Meu tesão havia se acabado. O Rio de Janeiro acabou para mim. Não queria dizer nada a ninguém. Não queria dizer que o que me impressionava na infância nada mais era que uma lenda criada pela propaganda massiva de uma cidade que, na realidade, era muito bela, tão bela que dava medo, mas que não saltitava aos meus olhos como o amor que tenho todos os dias pelo meu filho.
Minha cabeça mudou. Claro. Mas, naquele dia, achei que estava sendo conduzido por um sentimento falso, ou passageiro, tão passageiro, que – não sei – meu coração murchou. A praia se transformou em lago; as mulheres, em tribufus da Vila; as calçadas, grandes calçadas. Apenas uma coisa me impressionou em toda a estada no grande Rio: as Montanhas. Meu Deus, o que era aquilo! Hoje, se me perguntarem o que eu senti, não sei dizer! Lost talvez!
A visão que eu tinha delas era de que ornamentavam a Cidade, mas, por favor, o que era aquilo?! Deuses? Ilhas? Senhores em forma de pedras a nos observar? Quão eram belas! Achei que iria morrer de medo, no inicio, mas nos acostumamos. O verde, o azul, o amarelo se ressaltavam em suas tonalidades como se houvesse derramamento de cores do céu – era maravilhoso.
De noite, não se via o mar. Escondido pela noite, deixava apenas o farol ao longe piscando, piscando, piscan... De maneira que nos assombrava, além do próprio carioca que não tinha medo das ondas noturnas que iam, vinham em forma de sal desaguando na praia. A lua? Era a mesma. Redondinha.
Segundo Dia
Fomos às ondas, ainda que meio zangado por nos instalar em um apê meio pequeno, todavia de uma cama notória a casais loucos por uma, duas noites quentes – era o Rio de Janeiro se fazendo nas mínimas coisas! E aproveitei o máximo, quer dizer, quase... Simplesmente por causa do pragmatismo obliquo do meu cunhado que, em sua totalidade, nos parecia um largado, mas, na realidade, sabia o que estava fazendo.
A admiração pela cidade não tinha desaparecido por completo, vi. Andamos de carro em busca de praias longes, pois as da zona sul era cheias, mas não perdiam o brilho. Fomos, então, à praia Vermelha, aquela da música do Tim Maia, é, aquele maluco que fez gerações dançarem...! Mas não por isso, claro, beliscamos aquelas águas geladas, maravilhosamente geladas, mas porque a aventura de ir até ela incrível. Nos embrenhamos em um tipo de mata silvestre, a vimos de longe, andamos até suas espumas e... Inauguramos a danada! É claro que outras pessoas já estavam lá a inaugurá-la... Mas se foi. Pronto. O tesão passou.
Comemos e comemos. O Rio tem coisas tão incríveis que nos pareciam as mesmas coisas que comíamos em Brasília! Arroz, feijão, sanduíche, salada... Picolé, sei lá... Mas não eram. Tudo era mais barato. Essa era a diferença. As esquinas, mudando de assunto, eram tão intricadas uma nas outras, que, para atravessar, tínhamos que ter a coragem de Harrison Ford, no filme Avatar! Carros loucos, carros pequenos, pirados, táxis amarelos, que coisa hein!? Nunca tinha visto isso, apenas em novela! Eu me sentia até um personagem global.
Terceiro Dia.
Comemos e comemos. Saímos em busca de uma aventura à noite, num show do Cláudio Zóli, mas não chegamos a vê-lo, nem o show, nem ele, o cantor. Ficamos com medo do carioca nos achar estranhos no ninho – e era o que éramos! – nos seqüestrar e, quem sabe, pedir grana com nossas orelhas... Pois era somente o que eu tinha a oferecer: muito ouvido.
Minha esposa topou na hora. “Vamos embora, amor, está ficando tarde”. E fomos. Minha irmã, cansada de nossas caras estranhas, foi sozinha, nos deixando como cachorros-sem-dono na noite psicodélica de Capacabana. Seu esposo, meu cunhado, coitado, nunca se viu pai de dois caipiras, e naqueles dias, tenho a certeza, ele, na cama como minha irmã, dizia “Fica em paz, mulher, eles só querem se divertir.” – ou não?
Quarto Dia.
Ficamos em casa, entrincheirados pelo sol terrível que se espalhara em nossa consciência. O que nos fez tórridos tanto quanto à esfera solar que nos destruía naquele cubículo chamado apartamento. Mas não fora em vão. Mesmo assim, saímos. Mais uma vez, fomos às compras e, agora, numa feira à beira da praia de Copa, a qual não sei mais o nome, mas sei que me sentia perdido pelas luxurias e pelos preços tão altos quanto a dor que sentia debaixo do meu teto solar – cabeça mesmo.
Tão colorida quanto emblemas de passeatas gays, a feira tinha de tudo. Chapéus imensos, fitas contrabandeadas, cds bons (pirateados, também), comprei, mas não foi dela, mulheres contr..., quer dizer, não sei, cheias do amor pra dar. Mas não foi a feira que me fez bem, para não dizer mal, e sim a ida ao Cristo Redentor, a oitava beleza moderna do mundo, com os braços eternamente rendidos.
No inicio, lá no inicio, quando a bruma se fazia em terra desconhecida – o Rio – pensava esse mero, fraco e sincero escritor que via, ao longe, uma visão. Um homem-estátua, erguido no meio das nuvens, flutuando por mágica, numa terra mais mágica ainda, pequeno, tão pequeno, que dizia eu “não, não conseguiremos subir até lá, não, não vai dar”! – como um caipira a subir as escadas rolantes, subi até o cristo. No inicio de carro, depois, instaladas as escadas que subiam e desciam automaticamente, pude e podemos sentir... os preços, a real luxuria do Cristo redentor, não só nos seus pés quentes, mas nos restaurantes frios em caráter! Nunca em minha vida tomei uma água embalada em uma garrafinha tão cara e quente! Custava o triplo das águas dos mortais que ficavam na terra...
Quinto Dia.
Fomos ao cais. Vistamos um submarino antigo, com a cara de Getulio Vargas. Minha esposa ficou impressionada com as informações sobre a nave... “Meus Deus, eles ficam meses debaixo dágua, nisso aqui?!” – claro que ela exagerou, e eu também dei informações meio além das necessárias, o que a fez falar o tempo inteiro. Meu cunhado, com a cara de papai me tira daqui, queria ir embora junto com a esposa, no submarino, onde cabiam apenas três pessoas! Era muuuuuito pequeno.
Os lugares em que dormiam os marinheiros nos pareciam beliches onde dormiam sardinhas com a cara para cima. O luxo era mito grande. Mas não era de se dizer “Ooooooohhhh, que submarino”, ou seja, não tinha nada ali nele que me interessava. Também, não mandei assistir a filmes americanos em demasia! A propaganda é maciça do grande submarinos nucleares, dos porta-aviões, dos aviões... Enfim, a realidade brasileira nos fazia por os pés nos chão e, quem sabe, cortar os dedos com vidros quebrados.
Sexto Dia.
Já estava amolado com as esquinas do Rio. Ô palhaçada! Era muito turista, gente besta, gente querendo se mostrar, mulheres feias – “as bonitas estão todas no Faustão”, pensei. Meu cunhado, parecendo dono do Rio, não gostava dessa observação. Ficou chateado com minha sinceridade acerca da Cidade que, no sexto dia, já não era tão maravilhosa. E olha, estávamos em uma das zonas mais calmas e decentes do Rio. Depois, fiquei sabendo que havia ensaio de escolas de samba, maracanã, jogo do flu, mas não pude ir... Tudo me parecia claustrofóbico. Não queria sair do apê, não queria ir mais para lugar algum. O Rio, para mim, acabou.
No Sétimo dia
Um susto. Nas praias de Copacabana, um grilo sem asas e sua namorada foram à beira do mar – este ainda meio revolto da noite passada – cheio de mistérios aquosos, espumas friiiisimas, escaldantes. Falo de mim e da minha atual esposa. Junto com as filhas de minha irmã – duas – corremos em direção ao filho de Netuno, que nos olhava feito pai que não conhece a cria. E nós não éramos a cria, realmente!
Ficamos, nós quatro, às margens do grande mar, na praia areiada, cheia de pontiagudas pedrinhas, nas quais pés e mãos de caipiras sentiam dores quentes nas ondas frias. Mas foi dali que senti o cheiro do desconhecido, da morte. Minhas sobrinhas, fortes tanto quanto eu, paradas, estáticas perto de mim, o que era o perigo eminente, pois eu, filho do lago do Paranoá, de carás e jotacás (peixes), estava perto demais daquele que me levaria, me traria e, enfim, me levaria de novo... estou falando do mar.
De repente, uma onda grande – de mais ou menos, cinco metros! – bateu-me os pés, tirando-me do encosto sossegado da praia. A mesma onda tirou minha esposa, a sobrinha menor do mesmo lugar, e a maior, sorte nossa, conseguiu sair correndo. A segunda onda, mais forte, nos levou para dentro do mar. Eu, sem saber o que fazer, fiquei parado, flutuando em meio a sais minerais, faltando apenas bucha e sabonete. A onde tinha me engolido. Nas tentativas vãs de buscar algo que me desse apoio e volta às pequenas dunas, fiquei em paz – eu e eu, ninguém mais. Indo e voltando, como se fosse um boneco de madeira sendo levado e trazido. Mais levado que trazido.
Minha futura esposa levantou-me. Embebido de ondas que brincavam comigo, cai de novo, só que, agora, com uma nova pancada nas pernas, que não se equilibravam nem mesmo com as brisas da Cidade, que, naquele momento, me via como um bobo às margens da praia. O povo estava adorando. Ela ainda, depois de tentar me salvar, viu que a sobrinha também precisava de ajuda, e correu. Não me viu ser sugado pela segunda vez. Que dia!
Dessa vez, quanto subia e descia, sugado pelas ondas, vi ao longe minha irmã, tão bruta no correr, que parecia uma leoa na busca dos filhotes, e era. Sua filha, a menor, estava sendo levada pelas ondas, assim como eu, seu irmão. Minha esposa, coitada, achou que a culpa fora dela, e não das ondas que nos pegaram de surpresa. Quem vai adivinhar?!
Tirando sua filha do mar, minha irmã não sabia o que fazer primeiro. Correu, em segundo, e me salvou. O dia não estava para mergulho. Mas uma coisa eu aprendi: ninguém se afoga melhor do que eu!
Daqui para frente houve acréscimos de pequenos passeios, mas nada que pudesse me levantar o ânimo. E quando isso acontece, sinto-me abatido e, como sou sincero, meu semblante não escondia a saudade daquela vila que se escondia em meio a uma Brasília corrupta, me aguardando, com minha casa, minha mãe, meu cachorro (falecido), meu sobrinho... Enfim, aquela vida besta que deixei no centro-oeste. Quanto olhava o mapa, dizia, pu-ta-que-pa-riu, como estou longe de casa!
Na verdade, eu não tinha nem mesmo passeado o bastante no Rio. Não sei bem o porquê, mas havia algo guardado para o final. Uma lembrança que me ia ficar na cabeça pelo resto da vida. E não era boa.
Antes do final, no entanto, resolvemos andar pela Lapa, lugar onde nasceu e morreu o verdadeiro samba carioca. Lá, um muro grande, simbolizando o local, era o mostruário, o totem, o cartão postal. O bondinho, aquele de que tanto falavam, passava por cima dele, em um ritmo que, deixe lembrar, não era de um trem bala... Por fim, subimos nele. Meu cunhado e irmã, impressionados com a paisagem, diziam “ali é o morro do alemão, mais ali é do Vidigal!”. Eu, compassivo, descansado e acabado, preferia o morro, ou melhor, o morrinho, um lugar que ficava atrás de minha casa, onde poderia correr, subir e descer, soltar minhas pipas, catar pedras bonitas... Mas ali, a realidade de ser baleado, queimado vivo, assaltado do nada, por um marginal à prova de português, era muito melhor, na visão dos anfitriões do passeio. Eu via o sorriso do meu cunhado saltitar no ar, como se ali fosse nosso reduto! Como se estivéssemos vendo de perto as pirâmides do Egito! – eu quero ir para casa!
E fomos. Com as caras tristes, cansadas, desbotadas, o que ficou da grande viagem foi a saudade de voltar, já no inicio, pois o Rio, como uma cidade que hospeda a todos, não é a melhor do mundo, mesmo sendo a mais bela, é a experiência bem sucedida de quem vai para ficar livre de terceiros, do julgo do cunhado, da irmã, do pai, da mãe... É a melhor experiência para quem vai tirar férias, com os olhos voltados a si mesmo, ao real descanso, a fim de sentir, sem pressa, a praia, a vida, os deuses...
Nos meus sonhos, mares, mares, mares e... mulheres! – claro. Talvez uma quarta possibilidade, agora vejo, de que a Globo, em suas novelas das oito, sob a direção de Manuel Carlos, a mostrar uma Copacabana cheia de fios dentais, mares azuis marinhos; regatas de barquinhos, semelhantes a dos quadros bobos a se desnudar nas paisagens quentes do Rio.
Como eu amava aquele Dedo de Deus quando apontado na direção do sol; o bondinho deslizando no periférico...; o sol despontando como o ser mais alegre do litoral! Caramba, como era lindo!
Foi num dia frio. Não tinha importância. Minha esposa e eu, como crianças, nos arrumamos como se fôssemos para um teatro, ou cinema; meu cunhado e irmã, anfitriões, como se fossem para um passeio na favela. Sem relógios, sem sapatos – de chinelas havaianas --, sorrisos apaziguadores, nos levaram; enfim... Entramos no carro, naquele janeiro de 2005, e partimos para a maior e mais bela cidade do mundo...
E realmente era. No caminho, eu parecia mais um menino sem conversa a espera do parque de diversão, louco para andar na montanha-russa. Que biltre! – meu nível de pureza não era tanto, claro, mas a julgar pelos anos que eu havia pedido a Deus, acho que, de alguma forma, alguém havia me escutado as orações. Talvez tenha sido minha mãe, ela não parava de me vigiar!
Comecei a tirar fotos de dentro do carro, só de pensar que estávamos a quilômetros da Cidade Maravilhosa! Não sei o que pensava meu cunhado, mas minha irmã, com certeza, estava se sentido minha mãe, mesmo levando as próprias filhas!
O frio se fazia teimoso – a chuva idem – e nos instalamos num hotel de segunda (ou de terceira?) para descansar. Quem disse que descansei? Nuuuuunca ! Meu caipirismo era tanto, que achei que fossemos Ets, dentro de uma casa na qual pessoas de todos os níveis, menos o meu, se instalavam, descansavam e dormiam, menos eu e esposa.
Minha esposa – até aquele momento namorada – tão caipira quanto eu, morria de medo em tudo, e eu, como futuro esposo, tive que acompanhá-la no sentimento. Entendem? Assim, no outro dia, comemos de graça, mas tivemos que pagar tudo no final, até o sono que não dormimos. Comida leve, comida fica, comida fraca... Bem! O mais importante é que estamos a caminho do Rio, do amor que há tanto esperava encontrar. Mas o tesão já estava murchando...
As colinas me deram novos ares. O cheiro do mar me deu a vontade de sair do carro e correr em direção ao mato só para abrir – à mão – e ver de longe, muito longe, um trisquinho daquele que simbolizava a gotícula dos deuses, mas o oceano para os peões de fora. Eu era um deles. Tiramos fotos até do cheiro do mar!
Entramos no carro e continuamos. E já estávamos dentro dele, do grande Rio, o mais falado deles. O único. As leis da natureza se reuniram e nunca saíram de lá, percebi. No inicio, um frio, depois, pouco tempo depois, quarenta graus! Não sei se o inferno é essa quentura, mas, se for, muito carioca vai se sentir em casa!
Chegamos mortos de fome. O enterro quase se fez, mas não se podia morrer antes de comer algo às margens da grande Copacabana, uma comida salgada como as algas, quente como a areia, alegre como os habitantes de lá...
Eu, calado como padre em aula de matemática, sorria, bebia, sofria com o sol, e... só. Meu tesão havia se acabado. O Rio de Janeiro acabou para mim. Não queria dizer nada a ninguém. Não queria dizer que o que me impressionava na infância nada mais era que uma lenda criada pela propaganda massiva de uma cidade que, na realidade, era muito bela, tão bela que dava medo, mas que não saltitava aos meus olhos como o amor que tenho todos os dias pelo meu filho.
Minha cabeça mudou. Claro. Mas, naquele dia, achei que estava sendo conduzido por um sentimento falso, ou passageiro, tão passageiro, que – não sei – meu coração murchou. A praia se transformou em lago; as mulheres, em tribufus da Vila; as calçadas, grandes calçadas. Apenas uma coisa me impressionou em toda a estada no grande Rio: as Montanhas. Meu Deus, o que era aquilo! Hoje, se me perguntarem o que eu senti, não sei dizer! Lost talvez!
A visão que eu tinha delas era de que ornamentavam a Cidade, mas, por favor, o que era aquilo?! Deuses? Ilhas? Senhores em forma de pedras a nos observar? Quão eram belas! Achei que iria morrer de medo, no inicio, mas nos acostumamos. O verde, o azul, o amarelo se ressaltavam em suas tonalidades como se houvesse derramamento de cores do céu – era maravilhoso.
De noite, não se via o mar. Escondido pela noite, deixava apenas o farol ao longe piscando, piscando, piscan... De maneira que nos assombrava, além do próprio carioca que não tinha medo das ondas noturnas que iam, vinham em forma de sal desaguando na praia. A lua? Era a mesma. Redondinha.
Segundo Dia
Fomos às ondas, ainda que meio zangado por nos instalar em um apê meio pequeno, todavia de uma cama notória a casais loucos por uma, duas noites quentes – era o Rio de Janeiro se fazendo nas mínimas coisas! E aproveitei o máximo, quer dizer, quase... Simplesmente por causa do pragmatismo obliquo do meu cunhado que, em sua totalidade, nos parecia um largado, mas, na realidade, sabia o que estava fazendo.
A admiração pela cidade não tinha desaparecido por completo, vi. Andamos de carro em busca de praias longes, pois as da zona sul era cheias, mas não perdiam o brilho. Fomos, então, à praia Vermelha, aquela da música do Tim Maia, é, aquele maluco que fez gerações dançarem...! Mas não por isso, claro, beliscamos aquelas águas geladas, maravilhosamente geladas, mas porque a aventura de ir até ela incrível. Nos embrenhamos em um tipo de mata silvestre, a vimos de longe, andamos até suas espumas e... Inauguramos a danada! É claro que outras pessoas já estavam lá a inaugurá-la... Mas se foi. Pronto. O tesão passou.
Comemos e comemos. O Rio tem coisas tão incríveis que nos pareciam as mesmas coisas que comíamos em Brasília! Arroz, feijão, sanduíche, salada... Picolé, sei lá... Mas não eram. Tudo era mais barato. Essa era a diferença. As esquinas, mudando de assunto, eram tão intricadas uma nas outras, que, para atravessar, tínhamos que ter a coragem de Harrison Ford, no filme Avatar! Carros loucos, carros pequenos, pirados, táxis amarelos, que coisa hein!? Nunca tinha visto isso, apenas em novela! Eu me sentia até um personagem global.
Terceiro Dia.
Comemos e comemos. Saímos em busca de uma aventura à noite, num show do Cláudio Zóli, mas não chegamos a vê-lo, nem o show, nem ele, o cantor. Ficamos com medo do carioca nos achar estranhos no ninho – e era o que éramos! – nos seqüestrar e, quem sabe, pedir grana com nossas orelhas... Pois era somente o que eu tinha a oferecer: muito ouvido.
Minha esposa topou na hora. “Vamos embora, amor, está ficando tarde”. E fomos. Minha irmã, cansada de nossas caras estranhas, foi sozinha, nos deixando como cachorros-sem-dono na noite psicodélica de Capacabana. Seu esposo, meu cunhado, coitado, nunca se viu pai de dois caipiras, e naqueles dias, tenho a certeza, ele, na cama como minha irmã, dizia “Fica em paz, mulher, eles só querem se divertir.” – ou não?
Quarto Dia.
Ficamos em casa, entrincheirados pelo sol terrível que se espalhara em nossa consciência. O que nos fez tórridos tanto quanto à esfera solar que nos destruía naquele cubículo chamado apartamento. Mas não fora em vão. Mesmo assim, saímos. Mais uma vez, fomos às compras e, agora, numa feira à beira da praia de Copa, a qual não sei mais o nome, mas sei que me sentia perdido pelas luxurias e pelos preços tão altos quanto a dor que sentia debaixo do meu teto solar – cabeça mesmo.
Tão colorida quanto emblemas de passeatas gays, a feira tinha de tudo. Chapéus imensos, fitas contrabandeadas, cds bons (pirateados, também), comprei, mas não foi dela, mulheres contr..., quer dizer, não sei, cheias do amor pra dar. Mas não foi a feira que me fez bem, para não dizer mal, e sim a ida ao Cristo Redentor, a oitava beleza moderna do mundo, com os braços eternamente rendidos.
No inicio, lá no inicio, quando a bruma se fazia em terra desconhecida – o Rio – pensava esse mero, fraco e sincero escritor que via, ao longe, uma visão. Um homem-estátua, erguido no meio das nuvens, flutuando por mágica, numa terra mais mágica ainda, pequeno, tão pequeno, que dizia eu “não, não conseguiremos subir até lá, não, não vai dar”! – como um caipira a subir as escadas rolantes, subi até o cristo. No inicio de carro, depois, instaladas as escadas que subiam e desciam automaticamente, pude e podemos sentir... os preços, a real luxuria do Cristo redentor, não só nos seus pés quentes, mas nos restaurantes frios em caráter! Nunca em minha vida tomei uma água embalada em uma garrafinha tão cara e quente! Custava o triplo das águas dos mortais que ficavam na terra...
Quinto Dia.
Fomos ao cais. Vistamos um submarino antigo, com a cara de Getulio Vargas. Minha esposa ficou impressionada com as informações sobre a nave... “Meus Deus, eles ficam meses debaixo dágua, nisso aqui?!” – claro que ela exagerou, e eu também dei informações meio além das necessárias, o que a fez falar o tempo inteiro. Meu cunhado, com a cara de papai me tira daqui, queria ir embora junto com a esposa, no submarino, onde cabiam apenas três pessoas! Era muuuuuito pequeno.
Os lugares em que dormiam os marinheiros nos pareciam beliches onde dormiam sardinhas com a cara para cima. O luxo era mito grande. Mas não era de se dizer “Ooooooohhhh, que submarino”, ou seja, não tinha nada ali nele que me interessava. Também, não mandei assistir a filmes americanos em demasia! A propaganda é maciça do grande submarinos nucleares, dos porta-aviões, dos aviões... Enfim, a realidade brasileira nos fazia por os pés nos chão e, quem sabe, cortar os dedos com vidros quebrados.
Sexto Dia.
Já estava amolado com as esquinas do Rio. Ô palhaçada! Era muito turista, gente besta, gente querendo se mostrar, mulheres feias – “as bonitas estão todas no Faustão”, pensei. Meu cunhado, parecendo dono do Rio, não gostava dessa observação. Ficou chateado com minha sinceridade acerca da Cidade que, no sexto dia, já não era tão maravilhosa. E olha, estávamos em uma das zonas mais calmas e decentes do Rio. Depois, fiquei sabendo que havia ensaio de escolas de samba, maracanã, jogo do flu, mas não pude ir... Tudo me parecia claustrofóbico. Não queria sair do apê, não queria ir mais para lugar algum. O Rio, para mim, acabou.
No Sétimo dia
Um susto. Nas praias de Copacabana, um grilo sem asas e sua namorada foram à beira do mar – este ainda meio revolto da noite passada – cheio de mistérios aquosos, espumas friiiisimas, escaldantes. Falo de mim e da minha atual esposa. Junto com as filhas de minha irmã – duas – corremos em direção ao filho de Netuno, que nos olhava feito pai que não conhece a cria. E nós não éramos a cria, realmente!
Ficamos, nós quatro, às margens do grande mar, na praia areiada, cheia de pontiagudas pedrinhas, nas quais pés e mãos de caipiras sentiam dores quentes nas ondas frias. Mas foi dali que senti o cheiro do desconhecido, da morte. Minhas sobrinhas, fortes tanto quanto eu, paradas, estáticas perto de mim, o que era o perigo eminente, pois eu, filho do lago do Paranoá, de carás e jotacás (peixes), estava perto demais daquele que me levaria, me traria e, enfim, me levaria de novo... estou falando do mar.
De repente, uma onda grande – de mais ou menos, cinco metros! – bateu-me os pés, tirando-me do encosto sossegado da praia. A mesma onda tirou minha esposa, a sobrinha menor do mesmo lugar, e a maior, sorte nossa, conseguiu sair correndo. A segunda onda, mais forte, nos levou para dentro do mar. Eu, sem saber o que fazer, fiquei parado, flutuando em meio a sais minerais, faltando apenas bucha e sabonete. A onde tinha me engolido. Nas tentativas vãs de buscar algo que me desse apoio e volta às pequenas dunas, fiquei em paz – eu e eu, ninguém mais. Indo e voltando, como se fosse um boneco de madeira sendo levado e trazido. Mais levado que trazido.
Minha futura esposa levantou-me. Embebido de ondas que brincavam comigo, cai de novo, só que, agora, com uma nova pancada nas pernas, que não se equilibravam nem mesmo com as brisas da Cidade, que, naquele momento, me via como um bobo às margens da praia. O povo estava adorando. Ela ainda, depois de tentar me salvar, viu que a sobrinha também precisava de ajuda, e correu. Não me viu ser sugado pela segunda vez. Que dia!
Dessa vez, quanto subia e descia, sugado pelas ondas, vi ao longe minha irmã, tão bruta no correr, que parecia uma leoa na busca dos filhotes, e era. Sua filha, a menor, estava sendo levada pelas ondas, assim como eu, seu irmão. Minha esposa, coitada, achou que a culpa fora dela, e não das ondas que nos pegaram de surpresa. Quem vai adivinhar?!
Tirando sua filha do mar, minha irmã não sabia o que fazer primeiro. Correu, em segundo, e me salvou. O dia não estava para mergulho. Mas uma coisa eu aprendi: ninguém se afoga melhor do que eu!
Daqui para frente houve acréscimos de pequenos passeios, mas nada que pudesse me levantar o ânimo. E quando isso acontece, sinto-me abatido e, como sou sincero, meu semblante não escondia a saudade daquela vila que se escondia em meio a uma Brasília corrupta, me aguardando, com minha casa, minha mãe, meu cachorro (falecido), meu sobrinho... Enfim, aquela vida besta que deixei no centro-oeste. Quanto olhava o mapa, dizia, pu-ta-que-pa-riu, como estou longe de casa!
Na verdade, eu não tinha nem mesmo passeado o bastante no Rio. Não sei bem o porquê, mas havia algo guardado para o final. Uma lembrança que me ia ficar na cabeça pelo resto da vida. E não era boa.
Antes do final, no entanto, resolvemos andar pela Lapa, lugar onde nasceu e morreu o verdadeiro samba carioca. Lá, um muro grande, simbolizando o local, era o mostruário, o totem, o cartão postal. O bondinho, aquele de que tanto falavam, passava por cima dele, em um ritmo que, deixe lembrar, não era de um trem bala... Por fim, subimos nele. Meu cunhado e irmã, impressionados com a paisagem, diziam “ali é o morro do alemão, mais ali é do Vidigal!”. Eu, compassivo, descansado e acabado, preferia o morro, ou melhor, o morrinho, um lugar que ficava atrás de minha casa, onde poderia correr, subir e descer, soltar minhas pipas, catar pedras bonitas... Mas ali, a realidade de ser baleado, queimado vivo, assaltado do nada, por um marginal à prova de português, era muito melhor, na visão dos anfitriões do passeio. Eu via o sorriso do meu cunhado saltitar no ar, como se ali fosse nosso reduto! Como se estivéssemos vendo de perto as pirâmides do Egito! – eu quero ir para casa!
E fomos. Com as caras tristes, cansadas, desbotadas, o que ficou da grande viagem foi a saudade de voltar, já no inicio, pois o Rio, como uma cidade que hospeda a todos, não é a melhor do mundo, mesmo sendo a mais bela, é a experiência bem sucedida de quem vai para ficar livre de terceiros, do julgo do cunhado, da irmã, do pai, da mãe... É a melhor experiência para quem vai tirar férias, com os olhos voltados a si mesmo, ao real descanso, a fim de sentir, sem pressa, a praia, a vida, os deuses...
Garoto do Rio adorei seus relatos de suas ferias,principalmente da onda de 5 metros,kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk.
ResponderExcluirValeu meu amigo adorei seu Blog!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!