terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Viver o Mito






Viver o mito é possível. 

Assim como se mistura a terra à água da chuva, podemos transformar dois ou mais elementos em um terceiro que solidifica o homem, e que o deixa acima das vaidades mundanas. No entanto, transformar tais valores ínfimos em reais é a nossa sina. Ou melhor, revitalizar nossos objetivos, elevá-los com a necessidade natural de engrandece-los, e fazê-los de ideal... É o papel do homem que vive o mito.

Ser forte acima de suas possibilidades, radicalizando a frialdade de suas emoções hediondas e as transformando em energias para o dia a dia. Olhando o sol, cerrando os olhos ante o grande anel que fora deus no passado, trazer à tona sua visão interna o que realmente foi é e sempre será, respirando os ares do passado, no qual disciplinas reais e supraeducacionais, regadas de uma tradição além mente, duelavam com um progresso do qual fazemos parte.

Porém...O  progresso, como pando de fundo de interesses cegos, pode ser também flores negras de um caminho que teimamos dar certo, e sempre o dará, quando sentimos no peito a necessidade de alcançar nossa parte oculta, ou, como sempre digo, o morador do terceiro andar, porque nada se consegue sem luta ou, como diriam os romanos, sem guerra.

Contudo, se as perdermos, há sempre a máxima que diz “melhor perder com honra, que ganhar sem honra”. E, como caminhos, essa máxima foi trilhando os dias dos grandes espartanos, dos persas, egípcios, guerreiros que fizeram parte de momentos tão espirituais quando qualquer um de nós em qualquer templo atual.

Na realidade, foram homens-mitos. Dentro deles permeava a certeza – não dúvidas --; permeava o heroísmo, religado a Heros, a Marte, a Júpiter, na Roma e Grécia antigas, e até Quetzoquatle, o deus das armas, da guerra, nas culturas ameríndias.

Eram deuses em forma de gente. Andavam sobre a terra, cultivavam outros deuses, realizavam proezas irrealizáveis pelos atuais heróis, falavam e contavam histórias imortais, nas quais, eles, os mitos em forma de homem, eram protagonistas, senão seus pares, ou mesmo seus ancestrais.

Não eram apenas homens, não. Não eram. Ainda sim, com simples atos, choravam, amavam, viviam como nós, e morriam. Tornavam-se estrelas, brilhavam mais que o sol, e na noite, eram lembrados na grande fogueira dos honrados. A fogueira, tão simbólica quanto à escuridão – cor do mistério osiriano, clamava mais histórias, mais sorrisos, mais batalhas no amanhã...

A fogueira, tão alta quanto uma árvore, adormecia acesa, pois os mensageiros ocultos dos deuses nela se esquentavam e amavam cada ato dos homens. O sonho ao seu redor era de morrer em batalhas e descer aos infernos e guerrear junto com Seth, quando no Egito; com Hades, quando em Roma.

O inferno era o maior dos mistérios. Se a bem-aventurança existia, pensava o guerreiro, o lado mais místico e desconhecido do homem seria o lado sombrio, aquele que ele mais temia, ao passo, caminhava ao encontro dele, somente para desvendar o que mais traria sua alma, ou, no mais provável,  o outro lado da vida...

O homem-mito guardava em si a paz dos deuses e a sua guerra. Dormia com a consciência sábia, e acordava um deus. Suas armaduras, quando havia, eram apenas um traje simbólico, assim como a própria natureza se resguarda em dar as plantas, pedras, às montanhas, ou mesmo ao céu. Espadas, fechas, tacapes, sintetizavam nas mãos do homem-mito a guerra imortal na guerra mortal. Para nós, é algo complexo.

E hoje, em meio aos homens que rebuscam na história a compreensão desse homem-mito, somos vitoriosos em viver um pouco desses valores com (e pelos quais) vivemos no passado. Mesmo não compreendendo o que realmente são, entendemos que existe a necessidade de sermos, na prática, um pouco deles...

No acordar, no tomar de um banho, no vestir, no sair da madrugada, no frio que nos recolhe os braços, fúria do vento que nos bate a alma, na dor da qual não podemos falar, na paz mínima atrás da porta... O homem-mito se revela. No amadurecer de um caráter, no podar de uma personalidade, nos atos de consciência quando todos já estão cansados do mundo... No conseguir heroico, mesmo que tenha a simplicidade lúdica... Enfim, o homem-mito bate à porta do homem de hoje, porém se transforma em mera ferramenta de uso falho quando esquecido no fundo de nossos corações.

Viver o mito é possível.

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