terça-feira, 13 de março de 2012

De Volta às Origens


Eternas guerreiras, obrigado.



Eu havia perdido a noção do belo e do simples nessa vida, nesse oceano em que desenvolvemos nossas personalidades sempre voltadas ao complexo. Pensei que tudo por que lutávamos – a volta à nossa origem, ao simples, à verdade – estaria tão longe quanto o homem de seus mistérios sagrados.

Como eu estava errado! Tão errado, que tive medo quando encontrei. Eu me senti eu mesmo, e tenho a certeza de que muitos – graças a uma senhora belíssima de princípios fortes – também se sentiram assim. Tal senhora era minha mãe.

Tudo isso se deu em um evento no qual a forte senhora e várias outras mulheres foram homenageadas graças ao Dia da Mulher, senão... Quer dizer... Não sei, talvez houvesse outra ocasião na qual fossem lembradas, mas nada melhor, do que ouvir da boca, dos olhos, da alma das senhoras as venturas em uma época em que muitos se acomodaram, muitos se fizeram, outros fizeram muitos, e outros se realizaram honesta ou desonestamente. Época da construção da capital Brasília.

O inicio


Uma jornalista de nome Tânia havia telefonado para minha irmã, e disse a ela para levar algumas fotos de nossa mãe, já em seu descanso eterno,  pois haveria um evento no qual várias mulheres, entre elas nossa genitora, seriam homenageadas na Semana da Mulher.

Nesse grande evento, todos da família deveriam ir, pois haveria uma homenagem em particular a nossa mãe, porém, o que vimos foi a síntese do que somos e do que poderíamos ser antes e depois da realização do evento. O evento em si norteou-me.

A metade da família chegou atrasada, graças ao trânsito. A outra metade chegou em cima da hora, mas as homenagens não haviam começado, graças à compreensão da jornalista, que sabia o que aconteceria naquele dia, naquela hora, em um dia tão perto do fim de semana. Enfim, a família quase toda estava unida em torno de uma das mais lindas formas de mostrar o que somos e de onde viemos, e por que motivo, pelos olhos e alma das mais belas e lindas senhoras que beiravam a setenta a noventa anos de idade, contudo com uma jovialidade estelar, quase transcendente, chegando a burlar nossas consciências quanto ao que podemos fazer em um mundo tão velho e sem ideal.

Na sala onde havia um pouco mais de quarenta pessoas, aparece-nos a anfitriã, a jornalista Tânia Fontenelli. Uma pessoa, por assim dizer, incrível. E, pelo que nos passara, senti que seu trabalho, o de recolher depoimentos femininos a respeito da origem da Capital, fora um daqueles trabalhos que, em vida, não se fazem mais. E mais, acredito que, agora, seu dever foi cumprido.

Assim que me viu, sentiu que devia me congratular por estar ali, assistindo ao seu trabalho, o que já me deixara bem à vontade. Porém, ao questionar a respeito de minha pessoa, ficou tão feliz quanto eu, por saber que eu era filho de uma das mulheres mais fortes e incríveis que ela tinha conhecido -- minha mãe; logo após, chegaram meus familiares, os quais sentiram o mesmo que eu na recepção. Era um momento histórico.

Ali, naquele dia, perceberíamos o quanto nossa mãe havia lutado com todas suas forças para criar um bando de crianças em meio a poeiras e batons.

Nossa heroína

Nunca, em nossa vida, tínhamos sido homenageados. Mas a pessoa que nos deu tal presente não estava ali, ou melhor, estava em astral, em mente, em lembranças. Sua alma, tão presente quanto à nossa, levitava em nossos corações e nos fazia sentir, de novo, ao lado dela, como nos velhos tempos....

Sua figura, forte, austera, sincera e meiga nos transmitia (e nos transmitiu) uma paz fora do comum, e isso é o que nos falta hoje, após a sua ida. E quando os depoimentos começaram, sentimo-nos presos às cadeiras de filmes futurísticos, nos quais até mesmo público participa. Naquele dia, no entanto, apenas nós, da família, tínhamos esse privilégio, quando a dona de nossos corações apareceu recontando, de maneira sábia e simples, seu passado brilhante de heroína, que salvou a muitos, inclusive nós, da vulgaridade natural humana, pela qual poderíamos ter passado sem ela, essa figura bela – chamada Josefa.


Depoimentos.

Foi uma aula de simplicidade. Todas senhoras ali entrevistadas nos deram aulas de amor ao trabalho, de consciência em relação a nós mesmos, pois não tinham que esconder suas almas com vergonha de dizer quem eram e porque fizeram tudo aquilo.

Foi mais que isso, havia entrevistadas que se sentiam no período em que a capital estava prestes a iniciar sua construção e nos faziam rir, outras vezes chorar, mas que, em nenhum momento, nos transmitiu o medo, a dor, o desespero da miséria pelas quais passaram – foram heroínas.

A natureza feminina de confronto, de alguma maneira, é mais prática e viva do que a dos homens, pois é regada de feminilidade, ainda que debaixo de chuva e lama, poeira e lágrimas.

A maioria dos depoimentos falava da simplicidade da época, e faziam comparações com a atual – cheia de roubos, estupros, violações – ao contrário da passada, que nos limiares de uma construção, formava família, uma grande família, com princípios e valores ainda por ser formarem, mas que não pendiam para a violação dos direitos das mulheres e nem dos homens...

Eram valores que ainda em suas cabeças atuais residiam, por isso, a beleza de ouvir todas elas.

“Eu vinha de Berorizonti. E meu marido dizia ‘vamos pra Brasília’, lá vai ser o nosso lugar agora; e quando nós chegávamos, ficávamos espantados, pois não havia mais nada, a não ser trabalho, trabalho e trabalho...”

“quando meu marido disse ‘nós vai morar é aqui’, e eu fiquei abismada, pois a casa parecia um galinheiro!”

“Nós pegava e levava todas calça dos piões, porque ficava toda suja de barro, dos pés ao joelho”.

“Tinha a Casa da Placa da Mercedes, e todos os homes fazia fila, era mais de duzentus, um atrás do outro”

“Sim, era pau de arara. Um atrais do outro, assim e assim (gestos)”

“No dia da comemoração, eu coloquei o meu melhor óculos. E fui. Não sabia porque riam de mim, não. Eu tinha o meu mió vestido, meu mió óculos! Mas despois eu fui ao banheiro, e vi: minha cara estava toda amarela (de poeira), e quando eu tirava o óculos... a marca”.

“Tinha o clube dos rico e o clube dos pobres. Mas nóis dava um jeito de ir nos dois”

“Eu fazia comida pros piões, sim, e fazia todos os dias. Mas meu marido e eu conseguimo viver até hoje, graças a Deus!”

“Muitos conseguiram diploma de contador, em sê contador”

“Era muita gente, gente demais! Todas ela vindo de longe, de todas as parte; parecia que Brasília tava sendo invadida!”

“Era a coisa mais linda do mundo!”

“A coisa mais triste que eu vi foi quando o Jânio (Quadros) mandou todo mundo ir embora. Ele não queria vê nenhum nordestino por aqui mais. Até os home chorou.”


O ensinamento

As expressões de cada uma delas, que se formavam no telão, nos davam a impressão de que o mundo, para elas, tinha estacionado apenas para aquele dia, o dia delas. Mas para mim, esse que vos escreve, foi o dia em que tivemos uma consonância com o passado, com o nosso passado; dia no qual aprendi que temos que entender que todo o universo, ainda que nos pareça fútil e desagradável aos olhos, deve ser respeitado e amado, e por isso deve ser levado a gerações sua história, pois a sua essência sempre vai prevalecer – é o caso de Brasília.

Aprendi que somos mais que imagens em espelhos, e almas que em busca de uma verdade infindável, nós temos – cada um de nós – uma história para contar, não apenas aos filhos, aos netos, mas ao mundo, e quem sabe propagar em sua grande alma um pouco da nossa.













Nenhum comentário:

Postar um comentário

A Parte que nos Falta

"É ótimo ter dúvidas, mas é muito melhor respondê-las"  A sensação é de que todos te deixaram. Não há mais ninguém ao seu lado....