Crianças, heróis do dia a dia. |
Debaixo dos escombros de um
prédio atacado pelos soldados sírios, ressurge uma criança, com aparência tão
triste que nossas almas se arrependem de estar em um mundo no qual homicídio não
é palavra de escolha, e sim de dor. Ali, em meio aos destroços, pessoas de bem,
civis, se consomem em lamúrias, como se fosse o fim de um tempo que não precisa
voltar.
E na África, em guerras civis,
quando massacres são velados, sentimos que as guerras particulares são tão
piores do que as que declaradas ao mundo. São milhares de corpos estendidos ao
chão, massacrados, queimados, enterrados como cães, e na maior parte das vezes
deixados às moscas... E em sua maioria, crianças.
Nelas, em tais guerras, o fuzil,
que há muito fazia parte do soldado treinado, pronto para morrer, pois
acreditava na política da guerra e exercia suas obrigações de soldado-cidadão,
agora estava nas mãos de um menino, filho de alguém que o vendeu, ou levado à
força por guerrilheiros suicidas daquela antiga África da qual não gostamos de nos lembrar.
No mesmo país, após as guerras
coloniais europeias, muitos deixaram seus resquícios lamentáveis, e até hoje cidadãos sofrem com restos
de minas explosivas, que, deixadas ao léu, mutilam ou matam. É a geração que
já nasce com as consequências das bestialidades anteriores. E aqui, pequenos
seres que nascem para exercer sua natureza em meio aos campos de trigo, ou na
terra que lhes resta, são as maiores vitimas.
E o racismo?
Não há muito tempo, negros e
brancos se matavam por identidades, e faziam isso dentro de ônibus, de casas,
em praças, em terras férteis, nas quais a maior preocupação era o lugar onde
poriam os pés, e não o que comer. Mas a miséria se estendia aos quatro cantos
do mundo, se arrastando a países conformados, a maioria, não.
A notícia de mortes lentas, de
uma guerra sangrenta, chegava do outro lado, mas não poderiam os países do
ocidente, naquela África terrível, envolver-se de modo particular, assim como o
fez os americanos do norte, em várias nações. Não poderiam dar um basta nas
mortes, tomar o governo, incutir uma democracia, e sentir-se como herói.
O problema era mais embaixo. Ao sair
do campo dos olhos dos países, a situação era pior do que se aludia, pois, após
o termino da época dos massacres, a noticia de que crianças foram o principal
alvo dos massacres revoltou o mundo....
Assim o foi e assim o será. Enquanto
houver o sentimento bestial de guerras, crianças serão usadas como artifício
final para a realização de tarefas horrendas. E não muito longe estamos quando
deseducamos uma criança, mesmo porque, se sabemos o que é educação, por que não
levamos a sério a concretização daquilo que acreditamos? Será que somos
pequenos o bastante para entender que as guerras reais são apenas o produto
elevado de nossa ignorância, e que não é preciso que ela exista para que
possamos eliminar a possibilidade de uma criança ter seus direitos e
obrigações?
Não podemos ser crianças, temos
que fazer algo. Exercer nossos papeis de pais e de seres humanos,
principalmente. Não nos contentar com a frialdade de um mundo que nos leva a
pensar que está tudo bem, tudo certo, e que há programas educacionais em prol
do pequeno que nasce e se revela um louco nas horas vagas...
Não podemos nos deixar levar
pelas propagandas de artistas, jogadores, empresários que lucram sua imagem
quando abrem a boca e dizem, “eu tenho uma instituição para crianças carentes”...
É preciso que tenhamos em nós o que é educação, o que é cultura, o que é amor.
Todos eles se fundem e se revelam em uma viga de aço quando unidos pelas mãos
do homem que segue a tradição.
E quando me refiro à tradição,
ponho-me aos pés das civilizações que um dia nos deixaram legados em todos os
aspectos, de modo que, até hoje, somos agradecidos em realizar algumas tarefas
que tenham algum traço, alguma forma, dos olhos do passado.
De volta ao passado
No antigo Egito, a criança já nascia
voltada ao respeito direcionado ao monarca dono das duas terras – o faraó. Nele
se concentrava a figura dos deuses que estavam, em essência, nos dia a dia dos
pequenos. Para eles, a dedicação ao Egito, desde a tenra idade, era o maior dos
prazeres; entender a função de cidadão e saber o que significava cada um dos
deuses dentro dos mitos, era como se enraizasse, em sua alma, um pouco do homem-deus.
Na Antiga Roma, a grande república, crianças tinham suas amas, e por elas eram cuidadas com rigor
e disciplina, o que era mais afincado quando crescidos e levados por pedagogos
que tinham a obrigação de passar-lhes o que era, primeiramente, a ideia Roma.
A disciplina, a honra, e o amor a
sua Senhora, como era conhecida, eram quesitos que se aprendiam como o ar que se respirava, pois isso
todo o cidadão amava aquela cidade, amava seus heróis, e faziam o possível para
que a criança se tornasse um.
Em Esparta, ainda que fosse em
meio a um mundo cheio de guerras, já teria a singularidade
de ser ou não um patriota das batalhas. Não poderia nascer com defeitos, pois,
a depender da debilidade, seria morto. É claro, se fizéssemos hoje isso, seria
assassinato, pois não somos uma civilização, não somos norteados por princípios
de guerra, mas, mesmo assim, indiretamente, crianças são mortas ao nascer, por
pessoas que têm medo de responsabilidades, e assim as jogam em lixos, em rios,
etc. Não há propósitos claros.
Nesse mesmo país, a criança, a
completar seus doze anos, teria que se iniciar, ou seja, passando por provas que antecederiam seus sentimentos em relação ao que iria encontrar nas
batalhas. Era coisa de leão. Ou melhor, na maioria das vezes, tinham que
enfrentar o olhar do touro, e se pestanejassem, não estaria pronto para a
guerra – ou para o touro.
Educação Hoje
Longe se sermos uma potência em
educação, confundimo-nos muito quando nos referimos a universidades,
faculdades, cursos... como se fossem meios educativos. Não são. São meios
informativos, os quais nos preparam para enfrentar um mundo externo, não
interno. E deste mundo, viviam os generais, os faraós, na maioria das vezes,
educados por escravos, os quais eram mestres iniciados. Alexandre, grande, fora educado por Aristóteles; Marcos
Aurélio, por Epiteto, etc. Estes homens não eram apenas generais, pois possuíam a real educação.
E hoje não temos noticias de que
há professores que possuem relativo saber filosófico no sentido de ensinar
qualquer pessoa, desde os doze ou quinze anos. Pelo contrário. Só temos noticia
de que filosofia é bom depois de questionarmos as religiões atuais, mesmo assim
ainda temos dúvidas acerca do que é filosofia.
Eu, em particular, se tivesse
sido educado dentro desse manancial chamado Filosofia, teria, talvez, tido
menos preconceito das nações, das pessoas, do mundo. Teria feito coisas maiores
e melhores, teria sido mais decisivo nas horas mais dúbias.
Hoje, com o pouco que tenho,
reflito sobre a soberba de um dia ter conhecido a Filosofia e sobrevivido entre
pessoas que a detestam. Não importa. A cultura, depois disso, me abriu a mente,
as possibilidades, me protegeu, me deu armas, e me fez, talvez, um pouco melhor.
E hoje, com um filho de cinco
anos, tenho que ser mais meticuloso, nas horas em que lhe passo algo que, para
os padrões de hoje, é execrável. Tento passar-lhe o amor ao país, à política
platônica – de ter o bem e passar aos demais; ser aristotélico nas horas vagas,
fazendo-o organizar seus brinquedos, deixando claro que cada coisa tem sua
finalidade e seu local de origem; tento fazer-lhe entender as ações e reações
de seus atos, pequenos ou grandes; e o mais difícil, lidar com seu instinto...
E muito mais.
Vai ser uma jornada interessante.
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