Viver, uma arte
Deus Hermes. A descida do homem ao mistério. |
É natural um ser humano ir ao
fosso de suas possibilidades, é natural que ele se sinta às vezes sem o poder
de lidar com as próprias forças, pois todas elas, a seu ver, já foram usadas na
tentativa de não cair; contudo, lá estamos, presos, inertes, tentado entender o
que nos ocorreu, para que pudéssemos ir tão fundo.
Na Antiga Grécia, um dos deuses
que representavam esse estado era Hermes (ou Mercúrio, na visão romana). Deus
olímpico, filho de Zeus e Maia, cuja função era ser mensageiro, indo ao Hades e voltando, sendo guia das almas
dos mortos para aquele reino. Essa, no entanto, é a função que nos interessa,
mesmo porque ele possuía várias, entre elas a de ser companheiro e irmão de
Apolo, o deus da unicidade, da música. Dizem até que fora assemelhado a Cristo,
em sua função de intérprete do Logos...
Hermes, assim como todos os
deuses, potencialidades naturais assimiladas em mitos, singularizava um
universo do qual o homem se nega a participar para o seu próprio crescimento,
evolução. Um universo que se estende do “Céu” ao “Inferno” como meios de lograr
a espiritualidade humana e quem sabe a compreensão do Todo.
A humanidade precisa disso. Não
há aquele que, por mais sábio que seja, que não tenha passado por ou estado em
um lugar psicologicamente sombrio. Nós, em particular, não somos sábios, e nem
o queremos, mas precisamos passar pelo nosso inferno, seja em qual nível for.
Se levamos algo conosco, não sabemos; se aprendemos com ele, fica de cada um.
A questão, no entanto, vai mais
além. Não reconhecemos, às vezes, que estamos no fundo e precisamos de evidências
para tanto. Há outros, no entanto, que, mais radicais, não só veem como prova
divina, como também querem ser santos no outro dia. Na maioria das vezes, o
inferno se mostra como um pequeno estado de dor e lamentações as quais se revelam
desagradáveis ao ver do sujeito, o qual desiste das provações e da vida.
Outras vezes, as provas são
pequenas demais, como pequenos infernos cujas chamas nem mesmo se parecem com
tais, e fica fácil dele sair; mas, na maioria das vezes, saímos, e entendemos,
e por vaidosismo humano, ou ignorância, voltamos para um pior. A morte.
Nossos sentidos vão ao chão, e
este se abre, e em nosso corpo, uma dor que não dói, mas que arde por dentro,
semelhante ao que chamamos erosão rápida. Nossas mentes pesam ao ponto de nos
deixarmos estáticos. As mãos, os pés, o coração, tudo se esquece de suas
funções... E o pior de tudo. A alma vai ao inferno. Não conhecemos ninguém.
Nossos ouvidos se lacram para as palavras de conforto, e desenhos no céu
começam a se formar... Chegamos ao Hades.
E para voltar dele é preciso que
tenhamos um ponto que reluz frágil, e a depender de nós, tal ponto nada mais é
que nossas convicções, nossas filosofia, nosso idealismo em relação a algo
maior e melhor. Assim, como Hermes, nossas pequenas asas, presas aos pés,
iniciam seu voo, de volta à origem – seja ela psicológica ou não. É preciso
entender o lado sombrio do Hades e o lado luminoso do Olimpo, os dois, em nós,
tão perfeitos e reais, pedem que nos harmonizamos com eles, e tenhamos as
consciência de que não há uma vida somente de céu, mas também não só de
inferno.
Hermes, essa consciência
grandiosa que vai ao dois mundos, faz seu papel assim como fazemos o nosso
materialmente. E nós, que galgamos os dois mundos, o material e o espiritual, temos,
em cada âmbito, o céu e o inferno.
Iniciados
Os grandes homens, os iniciados,
por exemplo, como os faraós, para quem já leu obras nas quais detalhes há sobre
suas iniciações, sabe que nenhuma é gratuita. Todas elas possuem seu preço.
Quer dizer, se se quer chegar ao espirito, ou pelo menos à compreensão dele, se
aproximando dos deuses, passa-se, primeiramente, pelos deuses dos infernos – na
escuridão, no perigo vital, e logo após, sobe-se, eleva-se, iluminando-se.
Outro exemplo que devo citar é o
de Sidarta Gautama, o buda, quando saiu de seu castelo quando todos dormiam, e
fora em busca da sabedoria – das respostas do mundo. Mais tarde, embaixo de uma
grande árvore, envelhecendo, passou por infernos internos nos quais deuses do
mal e do bem se digladiavam pelo seu nome.
O mesmo ocorreu com Cristo, no
deserto, quando se despedira provisoriamente dos seus discípulos para conversar
com Deus. Lá, passara por provações, por desafios, nos quais o diabo era o coadjuvante
na tentativa de reverter seus princípios. Contudo, em sua Vontade, o filho de
Deus o espantou e só fora atentado um pouco antes de sua crucificação. Mesmo
assim, ele venceu.
Logus
Em nosso Logos, o humano, não tem
outro meio de reconhecer quem somos, sem que tenhamos que passar por
dificuldades. Marco Aurélio, o estoico, já dizia, “só acontece com cavalo
coisas inerentes ao cavalo”, enfim, o que ele quis dizer é que correr de nossas
naturezas, por mais difícil que seja, não há como. Temos que correr riscos,
passar por eles, vivenciá-los, senti-los de perto, ou como diria um professor, “sentir
o cheiro da morte de perto, para que a tenhamos como uma realidade!”. Eu fico com o general filósofo, mais uma vez, “Se
a morte te sorrir, sorria para ela!”.
Não somos iniciados tais quais os
grandes do passado, mas nos sentimos um pouco a cada dia na resolução dos
pequenos e grandes problemas diários. Querendo ou não, crescemos no confronto
diário com os monstros internos e externos. Hermes está dentro de cada um a
fazer seu papel diário, de levar seu recado ao mundo mais sombrio do homem; tem
a função de lidar com o próprio Hades, de salvar o mundo; de nos fazer
conectados com os dois aspectos da vida. E quando ele chega do submundo,
sorridente, com a prova de que é apenas algo tão natural quanto o ar que
respira, ele representa o homem sábio.
Para o sábio, não há o inferno, mas o mundo do mistério.
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