E a filha que mais chorava sentiu, em seu coração, chegar mais perto de sua mãe. Seus olhos, vermelhos, cansados de lacrimejar, começaram a cessar as lágrimas como que por encanto. Tentou falar, mas faltavam-lhe palavras; tentou se mover, mas seu corpo, estático, não obedecera. Mas sua alma, embebida de amor, fez com que a pureza voltasse a reinar em si.
Aos poucos, sua voz, trôpega,
balbuciou lentamente uma pergunta que sufocava-se em meio à despedida dos
outros.
- Mãe, minhas irmãs são mais fortes
do que eu, como podes ver. Todas elas, pelo pouco que possuem, conseguem lidar com
o medo, com a dor, com seus conflitos... E eu, ainda, não aprendi a sufocar a
dor, e por isso não consigo entender vossa partida, ainda que necessário for, pois
apenas em pensar em tua ausência meu coração se vai ou avermelha-se de sangue
pisado, de um mundo que não me trouxe nada, a não ser descrença, ao contrário
da senhora, que nos trouxe proteção, segurança, paz ainda que não estivéssemos
sempre unidos... Mãe, o que farei sem
ti?
- Minha filha, não tenhas medo de
chorar, de sorrir, de amar, de realizar. Sabes que em você se escondem
mistérios tão fortes quanto esse Navio que me leva; sabes que em lágrimas se
esconde a verdade, e por isso és verdadeira, és firme, é mulher. E como a rocha
que é maltratada pelas ondas da dor, não serás tu essa rocha, pois jamais serás
vencida. Por ser tão verdadeira, conseguires
o que muitos não o fizeram, que é ver a humildade, o amor, a fé que ao
seu lado estava, mas não enxergavas pela lente opaca do medo.
- Minha querida e divina filha,
ensinou-me mais a mim do que eu a ti. Eu, em meio a seus prantos, estarei, em
meio a tuas orações ficarei; e quando pensares em mim, pense no sol da manhã te
alivia a tua dor, pois, o que o te faz chorar na noite, não impede de sorrir
pela manhã.
E naquele momento, quando ouvi meus
irmãos a falarem cada um de si, me perguntei diversas vezes se valeria à pena
questionar sobre os mistérios além-mar, para o qual todos iam. Questionei a mim
mesmo sobre o porquê daquele imenso Navio, que já encontrava no cais daquele
pequeno porto que se via ao longe. Muitas perguntas, muitas palavras, mas
principalmente muitos sentimentos àquela que partia ante aos meus olhos, e nada
poderia fazer senão observar como um pequeno pássaro deixado pela mãe, e que
estaria por voar sozinho assim que ela se despedisse...
Ao vir aquela senhora que há muito
de mim cuidara, olhei aos céus e como era tarde, e com céu já estrelado, vi que
o grande Navio não iria apenas ao grande mar da Vida, o chamado pós-vida, mas
para as estrelas, a levar a grande Estrela, minha mãe.
Mas, em mim, mesmo com tudo que a
priori já se respondia, me aproximei dela, abracei-a tão forte quanto o abraço
do Amor que ela sentia por nós. Ao mesmo tempo, vieram todos, e num gesto tão
universal quanto familiar, um grande abraço se fez, um grande e sagrado
sentimento se fez naquele pequeno canto.
-Mãe, perguntei, não queria saber
para onde vais, mas saber se estarás bem mesmo com tudo que deixaste ao nosso
mundo, inacabado por natureza, mas que nos ajudou construir como a pedreira de
Deus, com esses tijolos fortes os quais nem mesmo o mais bruto dos homens deles
se desfaz; nos ajudou a trabalhar, mesmo com nossas parcas ferramentas, a
viver, a realizar, a nos doar como um todo, vivificar cada pessoa com nossas
palavras simples, tais quais às da senhora.
Mãe, hoje, sofremos de muitas
coisas, e principalmente do mundo que nos corrói a alma, das pessoas, da paz
mentirosa, da guerra entre a vida e a morte.. Mas vós, mãe, nos ensinou a enfrentar
a brutalidade com trabalho, a insensatez com a simplicidade, a loucura humana,
com gestos de amor.
Mãe, sei que és a tua hora. Mas não
é a nossa. Sabemos que, quando subires naquele Navio, iremos cair em vida,
sofrer ante a todos, e voltaremos nos tornar fracos. Fica conosco, pois seu
lugar é e sempre será conosco...
- Meu filho, disse ela, com
lágrimas na face, não consigo visualizar um ser tão sábio quanto vós. Nem mesmo
Salomão em seus dias mais mágicos poderia entender como um homem suporta tanto
conhecimento. Meu filho, vós que me fazeis tais perguntas, no fundo, sabes a
resposta de todas elas, e quando olhas em meus olhos, e quando ponderas o
porquê da vida, e quando olhas as estrelas em sinal de oração, sabes que estou
ao seu lado, como agora, e estarei sempre.
Continua...
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