Muitos falam do amanhã como algo que está para além de nossas vistas ou do depois de hoje; é correto, no entanto, dizer "amanhã vou ser alguém", "amanhã realizarei meus projetos", "amanhã você pode cair em uma cilada, se não souber lidar com as pessoas". Enfim, a palavra 'amanhã' não é mais vista como realizações que podem ser trabalhadas de hoje para amanhã... Parece que não temos mais tempo e sempre alongamos um processo que poderia ser concretizado aqui e agora, não no amanhã ou num futuro próximo.
Temos que treinar nossas atitudes, saber lidar com nossos projetos, os quais são pensados de forma que parecem um navio, de tão grande e extenso que são. De tão grandes, podem vir a quebrar antes que sejam feitos, simplesmente porque não pensamos direito, não o projetamos direito: cada peça deve ser pensada, cada parafuso, procurado, de modo que mais tarde não sejamos pegos pelas surpresas do vento forte que nele pode bater.
O amanhã pode nos trazer benefícios, mas a partir do momento que não temos planejamento próprio, temos apenas palavras, esperanças, sonhos, pesadelos, e uma série de debilidades a que nosso corpo e mente se sujeitam quando não conseguem lidar com o planejamento. Planejar é agir em pequenas coisas, como se estivéssemos realizando pequenos sonhos que estiveram em nossas prateleiras internas. Temos que praticar, trazer à tona, na terra, junto com nossos pés, o que temos em mente, ainda que por pouco se estabilizem. Brincar um pouco com o oculto, talvez.
O amanhã, como uma palavra que nos remete daqui a dez ou vinte anos, pode ser uma forma de engano sóbrio e às vezes até necessário, mas brincar com ela, sorrindo, como se tivéssemos todo o tempo do mundo, é brincar com os deuses, digo, com formas que nos esperam hoje, aqui e agora, para sanar o que se pode ser resolvido hoje, nesse minuto. O tempo não é nosso, mas podemos ser irmãos dele.
Quando vejo pessoas embaixo de pontes, percebo que é um ser humano que poderia sair daquele meio, se levantar, procurar, dentro de suas possibilidades, melhorar seu meio, dando azo a outras possibilidades, enfim, não apenas a este, mas muitos que se encontram em camas, a espera do sol ficar um pouco mais forte para que possa procurar um emprego, se estabilizar, entretanto, ainda dormem, se enrolam em suas cobertas quentes, e ao acordar, sentem que ainda não dormiram o suficiente e voltam para a cama.
A estes, cujo plano é um dia, no amanhã não muito próximo, melhorar sua vida, penso que a palavra amanhã sempre soará como um conforto, uma cama macia com a qual podem sempre contar. Esses, que ainda reclamam de uma família que não o apoia, de uma sociedade que não o vê como um guerreiro, e mais, reclama de um país que se arrasta para mais um abismo, graças a governantes que fazem questão de produzir pequenos galhos somente para eles, como se somente eles pudessem se salvar... Entretanto, não pensam que também tal governo nada mais é que um amontoado de planejamentos sem critérios, nos quais pessoas sem dedicação, sem amor ao país, sem personalidade, assim como aquele que dormia agora pouco, são os reais culpados pela dor de milhões.
Se tomarmos atitudes no sentido de entender que cada um de nós somos um país, que podemos nos autogovernar, cujo sistema não é democrático, mas ditador, nos sentido mais belo da palavra -- mesmo porque só conhecemos a ditadura com imbecis de farda -- no entanto, a natureza nos deu a força para que a realização interna, a partir de projetos internos, fosse não somente para o bel prazer de uma persona folgada, mas para o espírito que nos subjaz a alma, e nos enriquece a cada gesto em função dele.
E isso não é um projeto para amanhã, mas um ideal para o agora.
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