terça-feira, 7 de agosto de 2018

Guerreiro do Norte: meu pai.

Sem tempo para brincadeiras, sem tempo para qualquer liberdade que o fizesse ficar em família, com suas esposa e filhos, meu pai, Luis João de França, seria um dos homens mais carrancudos da história, se não fosse ele um eminente trabalhador que viera de longe (Paraíba), com uma finalidade em comum à sua época, que seria, ao ver de todos, compor uma família, estabilizar-se, trabalhar honestamente e viver do que ganhava.

Com o porte de um paraibano forte, com uma clava do lado -- na verdade, uma madeira em forma de pau --, com uma jaqueta surrada e um relógio dourado da Citzen, ao lado de sua bicicleta incrementada, às vezes, em frente a uma escânea (tipo de caminhão), eu via meu pai como um daqueles que não quisera participar da vida do filho, porque não o interessava à época, e que era muito melhor ter um filho do que uma filha, simplesmente para trabalhar quando a profissão não coubesse mais nas veias, ou mesmo pelo cansaço.

Não cabia a palavra ética no que meu pai fazia, mesmo assim sempre o foi. Determinante, honesto, cheio de forças em seus longos braços, cabeça morena de tanto tomar sol nas ondas do lago Paranoá, onde dava suas mergulhadas invejadas por seus companheiros, os quais o chamavam de "Piaba", Luis, como o chamava minha mãe, dosou sua vida sempre muito bem, até o dia em que seus olhos começaram a virar para o lado do vício do copo que não parava de lhe satisfazer nas horas vagas.

O vício o agarrou, o deixou mais triste, pior, o deixou sem trabalho durante muito tempo, o que o fez traduzir isso em esquecimento de tudo, do mundo, e não mais viver em função de uma família que dependia de sua humildade, ainda que não soubesse. Nunca mais foi o mesmo.

Aos sessenta anos, teve paralisia interna, um AVC, que lhe acompanhara até o fim da vida, além do vício que o fizera incapaz de reorganizar-se, impor-se e tornar-se o Piaba, que um dia nos deu tantos referenciais. E posso dizer isso porque, querendo ou não, eu o amava, pois sempre que me vêm  à memória aqueles carros de rolimãs, feitos com caixas de madeira, sendo empurrado nas ladeiras pelos meus amigos, percebo que meu pai um dia pensou em mim, e meu amou um pouco. Já é o bastante.

Não posso exigir nada de um homem que viera do nada e não conseguira quase nada na vida em razão de seu pouco estudo, de suas falas grosseiras, de sua pouca amizade com as gerações que não nasceram para o trabalho: tipo eu e mais dua irmãs. Acho que os outros irmãos o tiveram mais como pai do que eu, pois pescaram, colheram em hortas, jogaram bola com ele, enfim, eram filhos de um pai que, como outros pais, lhe passaram autonomia, força e um pouco de firmeza nas horas mais difíceis.

Por isso dou graças a Deus o pouco que nele vejo, pois sei que foi muito mais do que vejo.

Todas a vezes que olho para um grande caminhão que leva e trás os produtos de uma empresa ou mesmo de uma construtora, me lembro dos dias em que o velho Piaba me colocava em uma naquelas caçambas e eu, sorridente ao mundo, agradecia a Deus por ser tão rico, pois me sentia livre em todos os sentidos.

Ao contrário de meus irmãos, que veem piada em todas as lembranças do pai, eu apenas o vejo como aquele que tentou nos trazer uma vivência simples, como diria meu filho, "frugal", sem mais patrimônios, sem as dores do passado, apenas  o caminho para o futuro, dentro de suas possibilidades, ainda que não soubesse disso tudo.







Um Abraço do Teu Filho, Guerreiro do Norte!
Onde quer que te encontres.








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