Acredito que somos crianças eternas em busca de alguém que nos compreenda; o caminho é imenso, porém, não é impossível encontrarmos esse alguém; não façamos, no entanto, dessa estrada uma loucura desmedida, sem preço, como um cavaleiro em busca de justiça, mas como um homem em busca do aperfeiçoamento, de si mesmo.
Memórias são formas de expressões humanas. Devemos contá-las por mais bobas que sejam. |
Eu já estava com os meus vinte e
poucos anos, cheio de poesia nas veias, cheio de palavras novas a ressaltar,
com o coração renovado para sofrer seja o que for, para viver uma nova decepção.
E quando homens há no mundo com esse espírito, prosseguimos com dores, como
cristãos a pagar promessas em escadas “da penha”, com calos, unhas cravadas,
enfim... Lá vamos nós!
Ela era linda, e eu um belo
rapaz; com seus dezessete aninhos, ela reluzia na flor da pele a sua juventude,
a sua beleza. Olhos imensos, pele alva como a de um fantasma; cabelos
encaracolados, e uma anca maravilhosa. Seu nomezinho... Edilma*. Uma menina que
pedia para ser cantada, amada e quem sabe ter invadida a sua privacidade...
Eu, um coitado em busca de ânimo
para viver, depois de várias (normais) tentativas de suicídio assistindo à
novela das nove, resolvi passear num shopping que se situava mais ou menos perto
de minha casa. Já na entrada do infeliz, seus olhos, sua anca vestida de jeans
e sua enorme vontade de servir ao próximo estremeceram meu coração de longe.
Ela trabalhava em uma lojinha
dessas de revelação, em que a vendedora ficava a conversar com o cliente sempre
que ele tinha dúvida acerca de como poderia fazer o melhor para ele. E naquele dia,
lindo dia, descobri que estava amando (mais uma vez!!).
Aproximei-me do balcão, olhei
para o rostinho dela, e com um sorriso trêmulo no rosto iniciei um diálogo
cínico somente para me aproximar daquela deusa que esperava ser... Tocada. Mas não
seria fácil. Minha voz recolheu-se mais ainda ao vir que não estava diante de
uma mera menina, mas uma benção dos céus, e eu estava doido para correr e dizer
a minha mãe que tinha encontrado a sogra dela!
...Contudo, não seria fácil. No
balcão, ela se aproximava como uma criança pura, sem maldade – ao contrário de
mim. De tão perto que ficava, que poderia sentir o perfume do perfume, e o
outro perfume que ficava abaixo da pele. Essas coisas só se percebe quando se
está no cio... desculpe-me... Por outro lado, ao contrário do cachorro, não
ficamos cheirando, quer dizer, abanando o rabo...
Como dizia, a vendedora, sem
saber de minhas intenções, que por enquanto não era más, sorria com minhas
piadas breves, e deixava minhas mãos sobreporem-se às delas, e mais, deixava
que eu, com leves toques em seu cabelo, a reconhecesse, compreendesse, e
tivesse meu momento dionisíaco... (de Dionísio, deus do vinho. Embriagado com o
momento...).
E ao perceber, em poucos
momentos, sentiu que minhas mãos já estavam livres de mais e que seus cabelos não
eram cortinas de pobres; então, virou-se, sorridente, foi em busca de algo que
pudesse pelo menos metaforizar seu comportamento na frente daquele cliente tão
levado... EU.
Após aquele minuto celeste, em
que minha alma já tinha saído do corpo, ido à guerra de Esparta, com trezentos e
um guerreiros, vencido Xerxes, voado em direção à Alemanha, antes do nascimento do Füher, exterminado
tudo... segurei tua mão, pela última vez. E mais uma vez seu sorriso foi o
passaporte para o meu regresso de volta a minha casa, a meu lar, como se eu
tivesse nascido de novo, ou melhor, renovado minhas forças, minha vontade de
viver.
Noutro dia...
Edilma estava lá, e eu, dessa vez
com um caderno de poesia, encadernado pessoalmente por mim, com mais ou menos
trinta ou quarenta poesias feitas somente para ela, em menos de dois dias, a
entreguei.
Seus olhos grandes como o de uma
garrafa cinquenta e um naquele dia pareciam-me mais tristes, mais cerrados –
como o de Capitu, de Bentinho (leiam Machado de Assis!) – encerravam o dia.
Como assim? É... A ventania que me trouxe a ela naquele abençoado dia a levou
para bem longe. Primeiramente sua alma, pois ao receber minhas poesias, ficou
feliz, porém não muito – apesar de folhear com carinho, dentro de uma pequena
loja cheia de atendimentos, clientes, patrões, etc, -- pois segundo ela... (disse
no ato da entrega)... “Eu tenho namorado...” – claro!, pensei eu. Como uma menina tão bela daquele jeito
poderia viver sozinha naquele mundo!?
...O mais importante é que, naquele belo dia, suas mãos roçaram à minha, seus olhos olharam para os meus,
seu corpo, com certeza, por pouco, não tremia; e assim, voltei para casa, com
mais uma catapulta do destino que me jogou para frente, me fez cair no chão, e
me machuquei de novo.
Dias se passaram, e eu a passar diante daquela maldita lojinha; um dia, nunca mais. Seu corpo tinha se ido para outros bares, quer dizer mares, quer dizer lojas. E nunca mais a vi. Nunca mais me esquecerei daqueles olhos.
Depois do episódio, fiquei sem
dar um pio dentro de casa. Não falei a ninguém. Não chorei. E também não sorri.
A escuridão se formou em mim. E com certeza se formaria outras vezes, e por
isso, voltei à vida, depois de dois dias mudo, e renovei-me em meus afazeres.
Grande abraço!
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