quinta-feira, 14 de agosto de 2014

Sonhos que Vivi: a vendedora gostosa.

Acredito que somos crianças eternas em busca de alguém que nos compreenda; o caminho é imenso, porém, não é impossível encontrarmos esse alguém; não façamos, no entanto, dessa estrada uma loucura desmedida, sem preço, como um cavaleiro em busca de justiça, mas como um homem em busca do aperfeiçoamento, de si mesmo.

Sem dor.


Memórias são formas de expressões humanas.
Devemos contá-las por mais bobas que sejam.






Eu já estava com os meus vinte e poucos anos, cheio de poesia nas veias, cheio de palavras novas a ressaltar, com o coração renovado para sofrer seja o que for, para viver uma nova decepção. E quando homens há no mundo com esse espírito, prosseguimos com dores, como cristãos a pagar promessas em escadas “da penha”, com calos, unhas cravadas, enfim... Lá vamos nós!


Ela era linda, e eu um belo rapaz; com seus dezessete aninhos, ela reluzia na flor da pele a sua juventude, a sua beleza. Olhos imensos, pele alva como a de um fantasma; cabelos encaracolados, e uma anca maravilhosa. Seu nomezinho... Edilma*. Uma menina que pedia para ser cantada, amada e quem sabe ter invadida a sua privacidade...

Eu, um coitado em busca de ânimo para viver, depois de várias (normais) tentativas de suicídio assistindo à novela das nove, resolvi passear num shopping que se situava mais ou menos perto de minha casa. Já na entrada do infeliz, seus olhos, sua anca vestida de jeans e sua enorme vontade de servir ao próximo estremeceram meu coração de longe.

Ela trabalhava em uma lojinha dessas de revelação, em que a vendedora ficava a conversar com o cliente sempre que ele tinha dúvida acerca de como poderia fazer o melhor para ele. E naquele dia, lindo dia, descobri que estava amando (mais uma vez!!).

Aproximei-me do balcão, olhei para o rostinho dela, e com um sorriso trêmulo no rosto iniciei um diálogo cínico somente para me aproximar daquela deusa que esperava ser... Tocada. Mas não seria fácil. Minha voz recolheu-se mais ainda ao vir que não estava diante de uma mera menina, mas uma benção dos céus, e eu estava doido para correr e dizer a minha mãe que tinha encontrado a sogra dela!

...Contudo, não seria fácil. No balcão, ela se aproximava como uma criança pura, sem maldade – ao contrário de mim. De tão perto que ficava, que poderia sentir o perfume do perfume, e o outro perfume que ficava abaixo da pele. Essas coisas só se percebe quando se está no cio... desculpe-me... Por outro lado, ao contrário do cachorro, não ficamos cheirando, quer dizer, abanando o rabo...

Como dizia, a vendedora, sem saber de minhas intenções, que por enquanto não era más, sorria com minhas piadas breves, e deixava minhas mãos sobreporem-se às delas, e mais, deixava que eu, com leves toques em seu cabelo, a reconhecesse, compreendesse, e tivesse meu momento dionisíaco... (de Dionísio, deus do vinho. Embriagado com o momento...).

E ao perceber, em poucos momentos, sentiu que minhas mãos já estavam livres de mais e que seus cabelos não eram cortinas de pobres; então, virou-se, sorridente, foi em busca de algo que pudesse pelo menos metaforizar seu comportamento na frente daquele cliente tão levado... EU.

Após aquele minuto celeste, em que minha alma já tinha saído do corpo, ido à guerra de Esparta, com trezentos e um guerreiros, vencido Xerxes, voado em direção à  Alemanha,  antes do nascimento do Füher, exterminado tudo... segurei tua mão, pela última vez. E mais uma vez seu sorriso foi o passaporte para o meu regresso de volta a minha casa, a meu lar, como se eu tivesse nascido de novo, ou melhor, renovado minhas forças, minha vontade de viver.

Noutro dia...
Edilma estava lá, e eu, dessa vez com um caderno de poesia, encadernado pessoalmente por mim, com mais ou menos trinta ou quarenta poesias feitas somente para ela, em menos de dois dias, a entreguei.

Seus olhos grandes como o de uma garrafa cinquenta e um naquele dia pareciam-me mais tristes, mais cerrados – como o de Capitu, de Bentinho (leiam Machado de Assis!) – encerravam o dia. Como assim? É... A ventania que me trouxe a ela naquele abençoado dia a levou para bem longe. Primeiramente sua alma, pois ao receber minhas poesias, ficou feliz, porém não muito – apesar de folhear com carinho, dentro de uma pequena loja cheia de atendimentos, clientes, patrões, etc, -- pois segundo ela... (disse no ato da entrega)... “Eu tenho namorado...” – claro!, pensei  eu. Como uma menina tão bela daquele jeito poderia viver sozinha naquele mundo!?

...O mais importante é que, naquele belo dia, suas mãos roçaram à minha, seus olhos olharam para os meus, seu corpo, com certeza, por pouco, não tremia; e assim, voltei para casa, com mais uma catapulta do destino que me jogou para frente, me fez cair no chão, e me machuquei de novo.

Dias se passaram, e eu a passar diante daquela maldita lojinha; um dia, nunca mais. Seu corpo tinha se ido para outros bares, quer dizer mares, quer dizer lojas. E nunca mais a vi. Nunca mais me esquecerei daqueles olhos.

Depois do episódio, fiquei sem dar um pio dentro de casa. Não falei a ninguém. Não chorei. E também não sorri. A escuridão se formou em mim. E com certeza se formaria outras vezes, e por isso, voltei à vida, depois de dois dias mudo, e renovei-me em meus afazeres.

Grande abraço!


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"É ótimo ter dúvidas, mas é muito melhor respondê-las"  A sensação é de que todos te deixaram. Não há mais ninguém ao seu lado....