Não tenho vergonha de minhas origens. E você? |
Primeiro amor
Em pequeno, na primeira série, me
apaixonei. Uma menina linda como uma sereia sorridente, que ondulava seu corpo
naquele andado tão quente e singelo, que nunca irei esquecer mais na minha
vida... Depois dela, outras e outras, como pragas em minha alma; mas o que mais
me impressiona nisso tudo é que eu, ainda que sofresse, gostava e me alimentava
e corria atrás desse sofrimento gostoso... Para muitos não.
O Banheiro
Lembro-me ainda de minhas peripécias
em tentar ver meninas nuas a entrar no banheiro, e já que o danado era de
madeira, longe das possibilidades de segurança, corria para trás dele, ficava
atento às falas, aos comentários, e sorria bem baixinho, como um rato que sabia
onde estava o queijo e sabia como pegá-lo... Era mais que isso. E queria vê-las
nuas.
Meus olhos, mãos, corpo em geral,
em um só ritmo, tremiam de medo, apesar do sorriso. É claro que alguns amigos
já sabiam, mas não a maioria; o que me fazia, depois do atentado, um santo que
só estava passando e de repente... Foi obrigado a usar a parte traseira de um
banheiro lotado de mulheres!
Sim... Havia sempre enxames de
mulheres. Vizinhas ou não. Todas elas usavam aquele “biongo” no fim do quintal
para tomar banho. E eu, inocentemente, dono de uma travessura pura, estava
sempre lá...
Primeiro Beijo
Mais tarde, em meu primeiro beijo
– como um vento que colidira com outro – achei, enfim, que Deus existia. Sentia-me
os últimos dos homens, mas nem tanto claro, pois, por onde eu passava, fosse ao
lado de minha mão, ou mesmo ao lado de minhas irmãs, sentia que estava sendo
observado daquela maneira, quando meninas cochicham no ouvido da outra,
davam-me um tiauzinho, junto com sorrisinho,
e... Pronto.
Que bobagem; penso; depois de
tanto tempo, de tanto por que passei, ainda me importava com aquilo. Mas me
importava porque eu tinha sempre essa queda para o abismo, para a pedreira do juízo
final, graças a problemas específicos que eu possuía e ainda possuo, graças a
um erro médico quando eu tinha uns cinco anos de idade...
Porém, não menos importante, o
beijo saiu. Uma menina linda, amicíssima de uma de minhas irmãs, que sempre
andava por perto de casa, às vezes dentro, tinha um afeto maternal por mim,
apesar de sua idade (quase dois anos mais velha), sendo que eu, no primeiro
beijo, deveria ter meus dez anos, então tudo bem rs.
Seus cabelinhos lisos que iam até
o pescoço; sua pequena estatura como a de uma menina que tinha saído de um
programa de criança; seu olhar cativo, e o que mais me impressionava... Sua
pele...! Meu Deus do céu, o que era aquilo?! Seus olhinhos de bolinha de gude
se arremessando de um lado para o outro, sua graciosidade fêmea, mas a sua pele...!
Não sei mais o que dizer sobre
isso. Apenas sobre o beijo. Fortuito, rápido, mensageiro da esperança, liso,
nem quente ou frio, breve. Sei o quanto nada significa aos leitores, claro, mas
experiências há no mundo que nos fazem vê-lo (o mundo) com mais graça, ou
melhor por uma ótica mais simples e bela; e, naquele dia, não sei qual da
semana ou do mês, nem mesmo o ano, a Patricinha da Roça, que se escondia em
meus sonhos, revelou-se e me deu um beijo... O beijo... O sonho... O roçar da
alma (caramba!)... Achei que ia-me casar com ela! Na verdade, para ela só foi
mais um entre duzentos que tinha dado em sua legião de coitados...
O Bilhete da Patricinha
Muito anos depois, em minha
empreitada estudantil, sem qualquer motivo para ir em busca de beijos ou de meninas
(claro que isso na vida de um homem é inédito, então.. é mentira, né), e
voltado apenas ao espirito vocacional, sentia-me cansado. Eu, um flagelo do
mato, estudava muito, por isso, nada de sentimentos, de paixões, de... Ah,
vocês sabem!
Vamos ao assunto. Meus amigos,
mais ou menos uns dois com os quais eu andava nos corredores daquele colégio,
tinham resolvido me deixar sozinho por alguns dias. Foram jogar bola, paquerar,
falar besteiras, invés de colocar em prática nossas lições, ou fazer trabalho
escolar... Enfim, o que eu achava de bom à época.
Sentido a falta do sorriso, das
brincadeiras dos caras, das conversas fiadas, eu me parecia um pinto abandonado
no lixo, e nada melhor do que se sentir assim perto de uma menina linda, cheia
de pena e amor para dar. O nome dela era Aline...
Olhos verdes, cabelos loiros
curtos, sorriso de cristal, e uma educação de princesa. E pelo jeito, uma dó de
mendigo que só!
Queria dizer que não era
apaixonado por ela. Sua majestade educacional, seu jeito de ser para com os
mortais era só dela, e isso me “incomodava” no sentido de não saber o que
sentia por ela; era uma muralha boba que me separava. E talvez esse respeito
que tinha para com ela me ajudou a lidar com as mulheres mais tarde...
A verdade é que Aline sabia que
não poderia ter nada comigo e vice-versa; mas seu sentimento humano era como o
pôr do sol. Todos sabiam que era dela e era lindo. Então, um dia, com aquele
sentimento pedreira de suicida que me acompanha nas horas vagas até então, ficou
tão visível naquele dia que... Recebi um cartão. Este veio indiretamente pelas
mãos de uma amiga que tinha a voz de homem, andado de homem, mas que se tornou
professora mais tarde; enfim, Aline tinha dado a ela um cartão para que pudesse
me entregar, e ela o fez.
No inicio, não tinha acreditado,
mas quando vi que era da princesa intocável, li duzentas e noventa e nove
vezes! No cartão, o breve e lindo dizer, “A vida é bela para quem ama, então,
ame”.
Não acreditei. Meus olhos berraram de felicidade. Em minha
primordial visão, juvenil visão, pura e bela visão, ela era a-pai-xo-na-da por
mim. É mole? De uma princesa que não chegava nem perto dos pobres, tornou-se
louca de um dia para o outro. Hoje, quando me lembro disso, começo a rir
sozinho...
O meu coração à época era um rio intocável, que ao ser visto
balançava-se somente com a sombra da lágrima.
Nenhum comentário:
Postar um comentário