"Compete a você!".
“O que sou além de um pouco de
carne, uma respiração pequena e uma parte que governa o todo? Esqueçam-se dos
livros! Eles não fazem parte de vocês. E assim como quem está morrendo, você
deveria fazer pouco caso da carne: ela nada mais é do que sangue e os ossos e
uma rede de tecidos musculares, nervos e artérias...”
Para um homem que não tinha nada
a perder, a não ser um império (!), Marco inicia um ensinamento baseado em premissas
fortes, advindas de uma tradição que dizia... “mata a persona”, ou
simplesmente... “somos o que subjaz ao que mais conhecemos ou desconhecemos”...
Ou, como diria o Diógenes, “saia da frente do meu sol!”...
Enfim, não são somente palavras a
nos passar uma filosofia comportamental, mas também de tentativas em relação ao
que nós realmente somos. E o que somos? Marco nos direciona, o tempo inteiro,
desde suas primeiras premissas, até a última que se esgota com sua morte, e em Meditações, ao que somos a partir do que
acreditamos ser... Essa carne passageira que se esvai à memória da terra.
Precisamos desse corpo, dessa
respiração, dos livros, enfim, precisamos da matéria. Esquecer que somos
pequenos é um perigo. Não podemos segui-lo, assim sem mais nem menos. Há que
obedecer às leis de nossa persona, antes de qualquer coisa. E ela, querendo ou
não, dita as leis, a partir de vontades egoístas ou não.
Porém, em meio a essas vontades,
podemos repensar certos valores que nos rodeiam, pegá-los, analisa-los, e a
partir de nossas experiências, levar em consideração o que é bem ou mal. Seria
maravilhoso, claro, se já soubéssemos, mas a realidade nos diz que temos que
passar pelo escuro para dar valor à luz.
E Marco Aurélio, quando se refere
ao corpo de maneira secundária, é porque já alcançou, a partir de suas experiências,
valores maiores; não nascera sábio, mas nascera com posses, às quais, como ele
mesmo deixou claro, não estava muito voltado, e sim às coisas do espírito.
Independente disso, de suas
posses, em Meditações, Marco fala ao Homem, ao buscador que se encontra em cada
um; não nomeia, não discrimina, não enumera, não extingue valores culturais,
sociais, nem humanos, muito pelo contrário. Ele fala de um universo que
conhecemos, mas não nos lembramos.
E diz mais... “Agora, que você
está velho, chegou o momento de parar de deixar-se escravizar, de ser
impulsionado por todo capricho egoísta, reclamando de sua sina atual em dado
momento e, em seguida, lamuriando-se sobre o futuro”...
Hoje, voltados às necessidades
materiais, inclinados a trabalhar em função do que acreditamos nos interessar
de imediato – o pagar das contas, o salário no fim do mês, as comprar do
vestido da esposa, enfim, de tudo que nos faz andar e sofrer --, não percebemos
que a velhice nos chega, nos envolve, e na maioria das vezes morremos
ignorantes, e partimos para um mundo medonho sem saber o porquê de nossa tão
rápida estada nesse grande navio de nome Terra.
É preciso, não somente nas
palavras de Marco, mas de todos os tradicionais sábios, entender a força das
palavras e da realidade que temos que acordar. Temos que deixar de ser
escravos, em todos os sentidos, mas principalmente a essa vontade que nos leva
para o chão, para o fosso de nossos prazeres quentes, e que nos torna mais frios
com o passar dos anos, simplesmente porque nos faz menos humanos a cada
encarnação.
Agora, no entanto, como diz o
grande imperador-filósofo, estamos velhos, e não somos obrigados a morrer em
lamúrias, pelo que fizemos no passado. Há, em cada dia, em cada segundo que se
respira, a chance de um dia melhor ainda que acreditemos ser tarde demais.
Ave, Imperador!
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