sexta-feira, 12 de setembro de 2014

O Escravo de si Mesmo

"Compete a você!".







“O que sou além de um pouco de carne, uma respiração pequena e uma parte que governa o todo? Esqueçam-se dos livros! Eles não fazem parte de vocês. E assim como quem está morrendo, você deveria fazer pouco caso da carne: ela nada mais é do que sangue e os ossos e uma rede de tecidos musculares, nervos e artérias...”

Para um homem que não tinha nada a perder, a não ser um império (!), Marco inicia um ensinamento baseado em premissas fortes, advindas de uma tradição que dizia... “mata a persona”, ou simplesmente... “somos o que subjaz ao que mais conhecemos ou desconhecemos”... Ou, como diria o Diógenes, “saia da frente do meu sol!”...

Enfim, não são somente palavras a nos passar uma filosofia comportamental, mas também de tentativas em relação ao que nós realmente somos. E o que somos? Marco nos direciona, o tempo inteiro, desde suas primeiras premissas, até a última que se esgota com sua morte, e em Meditações, ao que somos a partir do que acreditamos ser... Essa carne passageira que se esvai à memória da terra.
Precisamos desse corpo, dessa respiração, dos livros, enfim, precisamos da matéria. Esquecer que somos pequenos é um perigo. Não podemos segui-lo, assim sem mais nem menos. Há que obedecer às leis de nossa persona, antes de qualquer coisa. E ela, querendo ou não, dita as leis, a partir de vontades egoístas ou não.

Porém, em meio a essas vontades, podemos repensar certos valores que nos rodeiam, pegá-los, analisa-los, e a partir de nossas experiências, levar em consideração o que é bem ou mal. Seria maravilhoso, claro, se já soubéssemos, mas a realidade nos diz que temos que passar pelo escuro para dar valor à luz.

E Marco Aurélio, quando se refere ao corpo de maneira secundária, é porque já alcançou, a partir de suas experiências, valores maiores; não nascera sábio, mas nascera com posses, às quais, como ele mesmo deixou claro, não estava muito voltado, e sim às coisas do espírito.

Independente disso, de suas posses, em Meditações, Marco fala ao Homem, ao buscador que se encontra em cada um; não nomeia, não discrimina, não enumera, não extingue valores culturais, sociais, nem humanos, muito pelo contrário. Ele fala de um universo que conhecemos, mas não nos lembramos.

E diz mais... “Agora, que você está velho, chegou o momento de parar de deixar-se escravizar, de ser impulsionado por todo capricho egoísta, reclamando de sua sina atual em dado momento e, em seguida, lamuriando-se sobre o futuro”...

Hoje, voltados às necessidades materiais, inclinados a trabalhar em função do que acreditamos nos interessar de imediato – o pagar das contas, o salário no fim do mês, as comprar do vestido da esposa, enfim, de tudo que nos faz andar e sofrer --, não percebemos que a velhice nos chega, nos envolve, e na maioria das vezes morremos ignorantes, e partimos para um mundo medonho sem saber o porquê de nossa tão rápida estada nesse grande navio de nome Terra.

É preciso, não somente nas palavras de Marco, mas de todos os tradicionais sábios, entender a força das palavras e da realidade que temos que acordar. Temos que deixar de ser escravos, em todos os sentidos, mas principalmente a essa vontade que nos leva para o chão, para o fosso de nossos prazeres quentes, e que nos torna mais frios com o passar dos anos, simplesmente porque nos faz menos humanos a cada encarnação.

Agora, no entanto, como diz o grande imperador-filósofo, estamos velhos, e não somos obrigados a morrer em lamúrias, pelo que fizemos no passado. Há, em cada dia, em cada segundo que se respira, a chance de um dia melhor ainda que acreditemos ser tarde demais.



Ave, Imperador!

Nenhum comentário:

Postar um comentário

A Parte que nos Falta

"É ótimo ter dúvidas, mas é muito melhor respondê-las"  A sensação é de que todos te deixaram. Não há mais ninguém ao seu lado....