segunda-feira, 21 de novembro de 2016

Jardins e Jardineiros









...Sabe, eu fico mais uma vez a meditar a respeito das vocações: será que é preciso que tenhamos a tendência, a essência natural para exercer nosso ofício? A resposta nos vem com o tempo, com a brisa passageira que nos beija, com seu amor sutil, nossos rostos. E ela vem nos contando, tão rapidamente quanto o seu beijo, a história de um homem que gostava de plantar, mas não sabia o que era terra, nem mesmo tinha tanta afinidade por ela.

Nessa história, o homem não é bem um jardineiro, nem mesmo tem amor à sua profissão; ele simplesmente está lá por causa de um interesse, seja lá qual for, não sabemos... Mas, com o tempo, ele passa gostar mais e mais, a ponto de entender que é preciso saber a respeito da terra, do plantio, das rosas, e ter mais que gosto pelo que faz... É preciso ser um naquilo que faz. Planta, terra, jardim, jardineiro deve ser apenas um... Não três, quatro, cinco.

E depois de muito tempo plantando, e se esquecendo dos interesses que o fizeram jardineiro por "acaso", sente que é preciso algo mais, porém não consegue saber o quê... E isso, depois de tempos, foi carcomendo sua consciência a ponto de irritá-lo, pois suas reflexões não eram mais comuns em relação ao que fazia, pois, a seu ver, já transcendia-se, elevava-se e não era mais apenas um homem que cuidava de um jardim, era o dono da Terra como um todo, pois seu racionalismo tomou conta de sua mente, corpo e alma, a ponto de saber tudo sobre tudo o que fazia...

Um dia, tão comum quanto qualquer outro, o jardim, ornamentado, belo e querido, fora pisado por uma criatura doméstica -- um pequeno cão -- que passeava por lá. E como cão, que é, gostava de puxar a terra, cavar buracos, esconder ossos ou procurá-los. Nesse mesmo dia, o jardim, depois de meses cultivado como um "sobre-jardim", caíra nas graças do animal, que o fizera de uma cova enorme, com terras saindo por todos os lados, com plantas masticadas por patas brincalhonas, mas fatais...

O jardineiro chorou, foi atrás do animal e quase o matou. Sabia que aqueles meses de trabalho foram fora do comum, pois aprendera gostar do que fazia, pois trabalhara com afinco e dedicação ao que ele chamava de seu melhor trabalho...

Filos

Sabemos que todos que se dedicam a uma causa, seja ela voltada a matéria, ao capital, ou mesmo à vaidade humana, e talvez por isso não se entende que, ao se voltar ao que possivelmente vamos amar, aquilo se vai, de alguma forma, para o túmulo. Se nós, que nos achamos imortais, um dia, iremos morrer, por que o que fazemos com essas duas mãos haveria de ficar eternamente...? Até mesmo os egípcios, donos de vários trabalhos quase eternos, sabiam que um dia iam ser traídos pelo tempo... Pois somente ele sabe que nada dura,  tudo sempre se vai para sua origem natural,,,

Enfim, em nossas pequenas razões, alimentadas pela fraca sabedoria do dia a dia, trabalhamos, morremos por tudo e por nada, e sabemos que um dia aquilo para qual vivemos desde a mais consciente das idade nos permite entender, acabamos por acreditar que as coisas não se vão, e sim ficarão como rastros egípcios, gregos, romanos, e tentamos nos igualar a nossa alma, que pede eternidade, porém alimentados por um desejo -- que como desejo -- engana-se, e vê sua obra se  esvair diante dos olhos.

No fundo somos supostos jardineiros, em busca de realizar nossos sonhos com o que fazemos, não com o que somos. Não há uma busca em ser, mas em ter. Ter a terra, as plantas, o sol e todos os elementos naturais à nossa merce. E o nome disso é materialismo, nada mais. 

Esquecemos, entretanto, que há algo que nos pede e nos implora que sejamos mais que cuidadores de jardins, e esse algo bate às nossas portas quando nos passa um pequeno cachorro, sendo apenas... cachorro, e as vezes, uma chuva, sendo... chuva...; e na maioria das vezes, um outro ser humano que, a querer ou não, com suas intenções escusas, nos transforma em animais irracionais, a quebrar tudo que fizemos e amamos...

E assim, nosso trabalho, fruto de uma paixão, nos pergunta e ao mesmo tempo nos responde com todo seu sorriso... "Valeu à pena você ter me amado tanto, se não aprendeu ser o que buscas tanto? Ou realmente querias ser um animal. uma besta fera, em meio a uma terra, que jamais deixou de sê-la, ou uma planta, que sempre o foi, e você, um suposto jardineiro, cuidou de mim para ser um animal e não um ser humano? ou acreditas que teus braços e pernas, mente e alma, o fazem ser melhor do que somos? Não, não acho... "...

Em tudo em que trabalhas, seja melhor do que você mesmo. Sejas humano para com você e para o próximo. Senão nada valerá a pena, pois tua alma sempre será pequena.






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