quinta-feira, 10 de maio de 2018

Os Olhos do Leão

O mesmo professor, continuando, em conversas não didáticas, sempre se referiu ao problema como leões, tigres, entre outros animais, os quais, a princípio, imaginamos nunca chegar perto. Dizia o mestre, "...É como um leão, cujos instintos estejam à flor da pele para te mastigar, e você, um mero ser medroso, com pavor, não pensa nem mesmo em chegar perto... Então chega o dia, desses dias que a natureza nos concebe, e tem que enfrentá-lo. Recomendo que tenham cautela,", falava teatralizando belamente, com seus pés encolhidos, ora um na frente, ora outro atrás, como se vestisse do nada a roupa do domador, "E não olhem diretamente em seus olhos", continuava intacto em sua cena, "...E percebam, friamente, em sua calda, em seu corpo, mas não diretamente em sua face", completa.

Assim era a maneira de enfrentar não somente o problema, ma a vida, penso. Hoje, quando encontro pessoas que, visivelmente, não se dão comigo, tento me aproximar delas com trejeitos simples, de modo a romper o silêncio entre mim e o meu ponto objetivo, depois, a depender de seu rosto, visto de longe, assim como o mestre um dia ditou, me aproximo, aperto suas mãos, e ofereço minha amizade, ainda que diminuta naquele momento.

Em conflitos, ainda que exista a filosofia dos homens clássicos, nas quais tentamos mergulhar com finalidades humanas, percebo que não somente eu, mas também outros, cuja ideia de resolução é a mesma que a dos grandes do passado, temos uma certa dificuldade de identificar o leão. Pode vir revestido de crianças, adolescentes e suas dúvidas, de irmãos e suas incertezas concretas sobre a vida, de uma mãe, e suas ideias arcaicas, que não aceitam a revolução humana, mundial; e do pai, que se declina dos seus para não se aborrecer; e quando nos casamos, o leão se faz real.

Não sei, mas a cada confronto, percebo que leões reais são mais fáceis de enfrentar que o próprio ser humano. Nós, assim como um plástico ao vento, não temos uma característica clara, e por isso estudamos muito o comportamento, por meio de psicologias, filosofias, entre outros, que, a meu ver, tropeçam quando não seguem uma linha forte, clara, quase visível.

Quando procuramos terapeutas, imagino, procuramos uma linha imaginária para nos segurar e nela nos afixar, nos posicionamos, e é assim em todas as outras ciências humanas, que tratam de resolução de conflitos, seja eles sociais ou pessoais. Não há outro modo. Há pessoas, no entanto, que procuram se autodiagnosticarem por meio de ideias estanques, sem referenciais, sem botes salva-vidas, os quais são necessários ao homem. E se suicidam.

Sem ideais internos, sem a força natural da religião clássica, a qual temos direito -- não a atual, que nos ordena a obediências sem fins --, sem o conhecimento divino, e com o medo que nos impõe quando algo não sai da maneira humana, o que nos sobra é um resto de racionalismo impregnado de ódio ao que se julga como religiosidade... Daí o ateísmo ou a morte de si mesmo, seja literal ou não.

 O leão em nós se esconde calmo até um determinado ponto; sempre se mexendo, rosnando em tom alto, como se estivesse acordado, e isso já nos retrai ao nosso ideal, que é andar perante a vida, conhecê-la, conhecer a Deus, sem medo de tua face, andar nas águas, no fogo, conhecer vidas, cores, pensamento diferentes, culturas, e tudo que possuímos como direito humano. Não temamos, mesmo porque aquele que dorme somos nós, assim como um dia na cultura grega clássica por meio de uma alusão bela, a do minotauro que dormia nas entranhas de um formidável labirinto, e que, como sempre, fazendo alusão ao nossos conflitos pessoais --ou mesmo à nossa persona medrosa -- tinha que ser morto, exaurido de nossa alma.

O labirinto é o que nos revela mais sobre nós do que qualquer outro meio simbólico, acredito; porque, quando pensamos em vida que estamos longe de algum problema vem outro, do nada, como se nos mostrasse que aquela porta ainda não era a correta -- e assim por diante, até encontrarmos o animal, ou melhor, nós.




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