sexta-feira, 11 de maio de 2018

Tempo que se Foi

Poderia fazer uma enciclopédia com seus termos difíceis, guardar em minha memória eterna aquele sorriso feliz, e se pudesse colocar no bolso todas as lágrimas que um dia vieram a correr em seus olhos, em emoção, em dor, em fé ao Deus, que tanto por ela (e por nós) fez, eu faria.

Poderia resguardar o semblante daquele ser valente que corria nas ruas, quando a panela de pressão estava por estourar no fogão de lenha; ouvir aquele assobio manso, que nos tirava as feridas da alma, somente quando, de manhã, o ouvia. Não se pode esquecer.

Poderia passar minha vida a agradecer aos deuses em me dar um ser que se jogava por mim no fogo e que me salvaria eternamente dos homens sem alma, das dores que um dia se enjaularam em mim. Mas não posso, e vivo, hoje, em meu pequeno quarto crescente, a honra-la com orações que um dia me ensinou, pois tais orações se coadunam com o universo, com o sagrado, com Deus.

E ainda me pergunto: como o homem sobrevive sem o colo de uma mãe, tão morno de carinhos, ao som de uma música antiga, vitalizada com uma voz de cantora dos anos cinquenta, a qual encarnava-se na mãe das mães. Um momento em que se educa o mais virulento animal, o qual se adestra com uma mão em meio a cabeça, no meio de uma cama disputada pelos pais.

O tempo se foi, mas ela, minha mãe e suas mais belas façanhas, estão mais vivos que nunca em meu coração (assim como no coração dos meus irmãos), correndo, falando, sorrindo, contando seus casos, endurecendo lindamente com sua voz, seguida das mãos em sua cabeça, e a subir, dificultosamente, as pequena escadas da vida com suas pernas feridas de vida, de experiências, enfaixadas pelo amor às batalhas, à teimosia, pelo amor a Deus.

Mas o tempo se foi, muitas lembranças ficaram no cume das montanhas invisíveis, nas quais somente quando o adeus nos bater as portas, descem em nome de um mero sorriso nosso, como um brinde pelo que fizemos em vida. É um presente.

Hoje, mais viva, mais doce, mais amada que a Atena grega, minha querida deusa, minha mãe, toma conta de um céu forrado de estrelas, e quando chove, molha suas pequenas plantas que deixou por zelar. Deixou o perfume da paz em seu quarto, a Bíblia negra que lia nos dias e noites de sofreguidão, deixou-nos a manhã, quando o sol nos bate, pois acordava mais cedo que o grande ser esférico, que se sentia filho, pois, antes de dormir atrás das montanhas, sorria ao ver sua mãe ainda a trabalhar sob as nuvens amarelas que deixara de presente a ela.

Deixou a semântica perfeita aos filhos imperfeitos. Mesmo assim, tentamos, todos os dias, segui-la, olhar para o seu caminho, para o seu sol.


Obrigado, mãe.
Seu dia é todos os dias, para sempre.
Amém.

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